sábado, 11 de maio de 2013

José Serra foi quem mais levou do falido Cruzeiro do Sul




Relatório final do BC mostra que o ex-governador de São Paulo e ex-presidenciável tucano foi o maior beneficiário das doações do banco comandado por Luís Octavio Índio da Costa, que deixou um rombo de R$ 2,2 bilhões na praça; em 2010, o banco injetou R$ 1,2 milhão na campanha de Índio da Costa, vice de Serra, e mais R$ 1,8 milhão no diretório nacional do PSDB; Ministério Público investiga fraudes cometidas pela instituição


Brasil 247 - Fraudes bancárias, operações simuladas, créditos artificiais e alguns milhões torrados em campanhas políticas. Esse coquetel explosivo foi determinante para a ascensão e queda do banco Cruzeiro do Sul, que quebrou em 2012, deixando um rombo agora calculado pelo Banco Central em R$ 2,2 bilhões. Um relatório sigiloso obtido pela revista Istoé revela os meandros da falência bancária e indica também o tucano José Serra como o maior beneficiário das doações concedidas pela casa bancária que adorava fazer favores a políticos.

Leia, abaixo, trechos da reportagem de Claudio Dantas Sequeira e Josie Jeronimo:

Relatório final do BC mostra fraudes e grampos de um banco que adorava ajudar políticos

O esquema montado pelo dono do banco Cruzeiro do Sul, Luis Octavio Azeredo Indio da Costa, gerou um rombo de R$ 2,2 bi. Documentos relevam que o BC foi grampeado pelos banqueiros, que doaram R$ 12 milhões a políticos. O maior beneficiário foi José Serra

Claudio Dantas Sequeira e Josie Jeronimo

Na última semana, ISTOÉ teve acesso a um relatório exclusivo da Comissão de Inquérito do Banco Central com novas revelações sobre a bilionária fraude do Banco Cruzeiro do Sul, que sofreu intervenção em junho do ano passado e foi liquidado três meses depois. O documento de 247 páginas revela que o esquema criminoso montado pelos banqueiros Luis Felippe Indio da Costa e Luis Octavio Azeredo Indio da Costa, pai e filho, foi ainda maior do que a Polícia Federal e o Ministério Público tinham conseguido apurar. O banco contou ainda com a omissão de grandes empresas de consultoria e até com um aparato de arapongagem que garantia acesso a informações privilegiadas.

Na documentação, obtida com exclusividade por ISTOÉ, pareceres e notas jurídicas revelam a incrível variedade de crimes cometidos e o tamanho do golpe. Segundo o relatório, foram feitas 682 mil operações de empréstimos fictícios – o dobro do que a PF e o Ministério Público imaginavam. Os auditores do BC também concluíram que houve desvio de recursos por triangulação e encontraram indícios veementes de lavagem de dinheiro e evasão de divisas. O rombo deixado pela gestão fraudulenta dos Indio da Costa, que era estimado em R$ 1,3 bilhão, ultrapassa os R$ 2,2 bilhões, conforme o relatório do BC. Agora, a Polícia Federal quer saber se o dinheiro da fraude teve como destino paraísos fiscais, contas de laranjas ou campanhas políticas, como a do tucano José Serra. Nas eleições de 2006, 2008 e 2010, o Cruzeiro do Sul doou quase R$ 12 milhões para políticos de diversas legendas. O partido mais beneficiado foi o PSDB. Em 2010, o Cruzeiro do Sul injetou R$ 1,2 milhão na campanha do vice de Serra, Indio da Costa, primo do presidente do banco. Também doou R$ 1,8 milhão diretamente para o diretório nacional do PSDB, principal cofre da campanha serrista. Outro R$ 1,3 milhão foi distribuído para diretórios tucanos empenhados na campanha de Serra. A instituição buscava proteção financiando políticos e mantinha uma boa relação com os tucanos. Ainda não é possível afirmar, no entanto, que o dinheiro que acabou nas campanhas eleitorais tenha vindo direto das operações fraudulentas dos banqueiros. Mas a PF já investiga essa possibilidade.

Uma cópia da papelada do BC chegou no fim da última semana à mesa da procuradora da República Karen Louise Kahn e será anexada à ação penal. O resultado do inquérito levou a Procuradoria-Geral do BC a pedir ingresso como assistente de acusação contra os ex-controladores e ex-administradores do Cruzeiro do Sul. Na petição recebida por Karen, o procurador-geral Isaac Sidney Ferreira classifica de “gravíssimas” as acusações imputadas aos réus. As irregularidades, de acordo com Ferreira, envolvem a celebração de cessões de direitos creditórios em condições artificiais, a contabilização de operações de créditos inexistentes e o falseamento de demonstrações financeiras. Segundo o procurador-geral do BC, as operações irregulares (saiba no quadro ao lado como os golpes eram aplicados) são indicativos dos crimes de gestão fraudulenta, indução em erro de sócios, depositantes, investidores e o próprio ente fiscalizador e inserção de elementos falsos em demonstrativo contábil. “Não podem ser ignorados os possíveis efeitos deletérios das condutas descritas na denúncia sobre o funcionamento e a credibilidade do Sistema Financeiro Nacional”, escreve Ferreira. O procurador defende a minuciosa apuração dos fatos e punição dos responsáveis. No âmbito das responsabilidades, o relatório do BC apontou para a omissão das auditorias KMG e Ernest&Yong, que acompanhavam a saúde financeira do Cruzeiro do Sul e não identificaram as irregularidades. A prática será investigada agora pelo Ministério Público Federal, que poderá determinar se houve erro de procedimento ou conivência dos auditores.

A Polícia Federal investigará também o monitoramento telefônico de fiscais do BC por parte da cúpula do Cruzeiro do Sul. Foi justamente essa suspeita que levou o Ministério Público a pedir, no ano passado, a prisão dos banqueiros. Em depoimento ao delegado federal Milton Fornazari e em ofício encaminhado à procuradora Karen, até agora inéditos, o presidente da Comissão de Inquérito do Banco Central, Clovis Vidal Poleto, diz que descobriu o grampo quando examinava os registros telefônicos dos operadores de mesa do Cruzeiro do Sul. Embora essas “gravações de box” (como são chamadas pelos fiscais do BC) sejam obrigatórias pela Comissão de Valores Imobiliários (CVM), Poleto encontrou escutas que não tinham relação com as operações e até telefonemas efetuados pelos membros da Comissão de Inquérito, o que configuraria “quebra de sigilo das operações invetigadas”. Poleto considerou o fato como “de extrema gravidade”, pois as investigações e a apuração das responsabilidades dos administradores poderiam ficar comprometidas. À PF, Poleto disse ainda que fiscais do Banco Central já vinham sendo monitorados havia algum tempo. Ele analisou gravações de conversas entre o então superintendente de operações e contratos de empréstimos, Horácio Martinho Lima, e o presidente do banco Cruzeiro do Sul, Luis Octavio, em que ambos discutiam “o teor de ­e-mail trocado entre analistas do BC que à época estavam dentro das instalações físicas do banco, realizando fiscalização em momento anterior à decretação da intervenção”.


Apesar de ter conseguido a liberação de seus clientes, o advogado Roberto Podval alega que a acusação de grampo não faz sentido. “Havia um sistema que gravava automaticamente todas as conversas da mesa telefônica. Ou por erro do sistema ou por procedimento automático, conversas de fora da mesa estavam gravadas. Mas elas faziam prova contra o próprio banco”, afirma. Podval reclama também que ainda não teve acesso às informações do Banco Central e alegou desconhecer totalmente o conteúdo do relatório da Comissão de Inquérito do Banco Central. Diante do empenho do BC em investigar o Cruzeiro do Sul, Roberto Podval avalia que seus clientes são alvo de perseguição política. “Não tenho dúvida de que esse tratamento diferenciado é por conta das ligações do banco com a oposição ao governo do PT”, alega Podval. O argumento carece de respaldo, uma vez que a Procuradoria do BC atua hoje como assistente de acusação em 55 ações penais. Dessas, 27 são sobre crimes contra o sistema financeiro e 20 envolvem ex-administradores e ex-controladores de bancos liquidados. Antes do Cruzeiro do Sul, o BC também entrou no recente caso do PanAmericano.

As relações políticas dos banqueiros, porém, chamam a atenção, especialmente a partir de 2006. Naquele ano eleitoral, Luis Octavio Indio da Costa, Marcelo Xandó e Marcio Serra Dreher – indiciados agora junto a 14 executivos do banco – comemoravam o sucesso da Verax Serviços Financeiros, gestora do Cruzeiro do Sul. A empresa, então com apenas três anos de vida, atingia R$ 1 bilhão em recursos administrados. O foco do negócio eram os chamados Fidcs, mais conhecidos como fundos de recebíveis. Os mesmos que foram usados posteriormente para maquiar resultados e engordar dividendos, segundo o BC.

Em 2006, os Indio da Costa injetaram oficialmente R$ 500 mil nas campanhas do DEM (então PFL), do PSDB e do PPS. O montante de R$ 100 mil ajudou na eleição para deputado federal de Pedro Indio da Costa, primo do banqueiro. Em 2010, quando o esquema de fraudes estava no auge, o banco derramou uma quantia dez vezes maior para a oposição. José Serra, candidato presidencial, chamou Indio da Costa para ser o vice na chapa. A articulação não agradou a todos, mas garantiu doações milionárias à campanha. Mesmo sendo um banco médio, o montante do Cruzeiro do Sul foi equivalente ao doado por gigantes do setor, como Itaú e Bradesco.

Com acesso político a chefes de governos estaduais e gestores de algumas autarquias federais, os diretores do Cruzeiro do Sul firmaram 237 convênios e chegaram a uma carteira de crédito consignado de R$ 500 milhões. Órgãos públicos de Alagoas, Pará, Goiás, Roraima e Tocantins, Estados comandados por governadores do PSDB, permitiram que o banco explorasse até 30% da folha de pagamento de seus servidores. Em 2009, quando o então senador Heráclito Fortes (DEM-PI) ocupava a primeira-secretaria do Senado, o banco firmou convênio para a exploração do crédito consignado dos dez mil servidores.

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