Ao ler, seis semanas atrás,
notícias de que embaixador Roberto Azevêdo avançava na disputa por comando da
OMC, presidente mandou chamá-lo de Genebra à Brasília; "O que o sr.
precisa?", perguntou-lhe Dilma Rousseff, em apoio; "Voar muito e três
assessores", respondeu o candidato; presidente, então, deu ordens para
atendê-lo e determinou que coordenação de campanha fosse feita por ministro
Fernando Pimentel; chanceler Antônio Patriota levou reprimenda por não informar
antecipada e corretamente o quadro; triunfo brasileiro abate mitos de país
comercialmente fechado, sem liderança política internacional e estrategicamente
errático; mídia tradicional apostou na derrota e perdeu mais essa
Marco Damiani _247 – Vai ser
preciso muita miopia factual, como dizer que a Organização Mundial do Comércio
é um organismo irrelevante, para minimizar a importância da vitória do
embaixador brasileiro Roberto Azevêdo sobre oito candidatos e, na rodada final,
nesta terça-feira 7, o mexicano Herminio Blanco, num plenário composto por
representantes de 159 países.
No dia a dia da OMC, em
Genebra, os países têm de prestar contas de suas políticas de exportação,
importação e subsídios, expõem seus conflitos em detalhados panels oficiais,
são rotineiramente julgados e podem receber multas bilionárias ou recuperar
prejuízos espetaculares. Irrelevantes, ali, nem mesmo as poltronas em que os
embaixadores comerciais do mundo todo se sentam para combinar suas estratégias,
formatar alianças, eleger adversários e somar apoios.
Impulsionada a partir de uma
atitude pessoal e enérgica da presidente Dilma Rousseff, como apurou 247, a
vitória de Azevêdo derruba mitos ora fabricados, ora amplificados pela mídia
tradicional pátria, segundo os quais o Brasil é um País comercialmente fechado,
sem liderança no chamado concerto das nações, aferrado a causas perdidas e
sempre, portanto, ultrapassado pela supremacia do Hemisfério Norte, nos acordos
EUA-União Europeia, dentro dos organismos multilaterais.
O momento decisivo da vitória
brasileira, saudada, como era de se esperar, em nota oficial do governo
brasileiro, aconteceu há menos de dois meses. O ambiente foi a sala da
presidente da República no terceiro andar do Palácio do Planalto. Pela
imprensa, a presidente Dilma Rousseff ficou sabendo que o embaixador Azevêdo
estava avançando na disputa para se tornar diretor-geral da OMC, batendo os
primeiros adversários. Chamou, então, o chanceler Antonio Patriota para obter
informações oficiais. Sem obter um relato que considerasse completo, Dilma
convocou o próprio Azevêdo à Brasilia, para saber diretamente dele o que
estava, enfim, acontecendo de concreto. Na reunião com ele, da qual participou,
além do chanceler, o ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel, Dilma
dirigiu-lhe uma pergunta direta.
- O que o sr. precisa para
ir adiante?
- Voar muito e três
assessores, respondeu, objetivamente, o quadro do Itamaraty que há oito anos
desempenha funções estratégicas no corpo da OMC.
Imediatamente, na versão
acreditada por 247, a presidente deu ordens para que o embaixador fosse
atendido. E surpreendeu, de uma certa maneira, ao designar o ministro Pimentel,
e não o chanceler Patriota, para dar-lhe apoio no cotidiano da campanha.
- O sr. resolva o que for
preciso com o ministro, determinou Dilma, apontando para seu parceiro de
confiança de longa data.
A partir daquele momento, a
presidente não mais perdeu de vista o desempenho do candidato brasileiro, antes
tratado como "mais um dos muitos assuntos" do Itamaraty. Não foi por
outro motivo que, nesta terça-feira 7 em que a vitória "por expressiva
maioria" se deu, de acordo com expressão usada na nota oficial da
presidente, Pimentel fez declarações públicas antes que Patriota, atrasado em
relação à hora marcada de 15h30, desse uma entrevista coletiva, em Brasília,
para comentar o feito. Pimentel frisou que a vitória não foi do Brasil, mas de
toda a OMC. Em sua nota, a presidente Dilma reafirmou o mesmo raciocínio.
Com posse marcada para 31 de
agosto, mandato de quatro anos e direito a tentar uma reeleição, o embaixador
Azevêdo passa a ser a encarnação do fim de uma série de mitos. Ainda é comum,
nas explicações dadas pela mídia tradicional para o que chama de
"isolamento" do Brasil no cenário do comércio internacional, a
alegação de que o País é fechado. Tanto não é assim que, além de dezenas de
votos de parceiros de negócios, necessários para a construção das várias
maiorias até a última rodada da eleição, há, ainda, a situação da balança
comercial brasileira. No mês passado foi apontado um déficit entre o que o País
vendeu e o que comprou do exterior de US$ 914 milhões. Isso mostra que
continua-se a comprar, por aqui, de alfinetes a carros de luxo. Pode-se não
gostar dessa política, mas não dá para dizer que ela não é aberta – exatamente como
pede o Brasil, em todos os organismos multilaterais que existem, como
reciprocidade para o resto do mundo, em especial os países centrais.
No mesmo país em que um
chanceler, o embaixador Celso Lafer, aceitou tirar os sapatos para pisar em
solo dos EUA, assumindo a tese de que poderia ele próprio ser um suspeito de
contrabandismo ou terrorismo, criou-se o mito de que a nossa diplomacia, com o
PT no poder, só se agarra a causas inúteis e previamente derrotadas.
Decididamente, não é assim. A mudança de postura em relação à diplomacia
praticada no período do PSDB no poder – por sua vez em tudo diferente da que
foi exercida nos governos anteriores de José Sarney e Fernando Collor (com
Itamar Franco, o próprio Fernando Henrique foi o ministro das Relações Exteriores,
plantando as sementes do que brotaria em sua gestão) - é nítida. Mas não por
isso é pior.
A partir de Lula presidente,
em 2002, os jocosamente chamados "barbudinhos" do Itamaraty --
considerados mais à esquerda -- voltaram aos cargos mais importantes,
resgatados de embaixadas distantes e postos menores. O novo chanceler, Celso
Amorim, ele próprio um militante nacional dentro da OMC, resgatou os tempos de
independência do Itamaraty em relação, especialmente, aos Estados Unidos. Essa
independência foi garantida até mesmo durante a ditadura militar, com os
chanceleres Azeredo da Silveira e Saraiva Guerreiro. Naqueles dois lustros
praticamente inteiros, o Brasil firmou-se por suas posições somadas aos países
que eram conhecidos como não-alinhados. Apoiava pleitos do continente
esquecido, a África, advogava por nações árabes, além de negociar francamente
com elas, e nunca teve medo da China, então inatingível diplomaticamente.
Outro mito que cai agora é o
da diplomacia que nunca ganhou nada ao ser independente das ordens americanas,
sejam as transmitidas pelo belicista Richard Nixon, nos anos 1970, ou pelo
mantenedor de práticas antigas Barack Obama, agora. A vitória de Azevêdo mostra
que ter posição nítida, plural e multilaterista no cenário global, em busca de
valores permanentes, e não da vantagem imediatista ou da promessa de proteção,
sim, compensa.
O embaixador Azevêdo é prova
viva de que a estratégia que aqui, entre a maioria dos comentaristas do setor
internacional, parecia fadada ao fracasso ad infinitum, pode trazer frutos
muito vistosos. Ele foi o comandante das vitoriosas batalhas brasileiras contra
os subsídios dos EUA ao algodão e da União Europeia sobre o açúcar. Ao
despertar a fúria dos ricos, por sua competência técnica e firmeza negocial,
ganhou, em contrapartida, a admiração dos pobres. Sem soberba, porém, a
recuperada diplomacia brasileira soube, ainda, costurar apoios também entre os
países centrais. A divulgação do número de votos dados a Azevêdo, marcada para
a quarta-feira 8, vai deixar mais claro o quanto conquistou-se nessa área mais
espinhosa.
Cai, ainda, o mito do
comentarista internacional. Não foram poucos, na mídia tradicional, que
apostaram na derrota brasileira. A cobertura da batalha que se alongou, até
ontem, por meses, foi pífia. E tanto pareceu menor quanto mais crescia o
quixotesco Azevêdo. Agora, não importa se os jornais, revistas e tevês
brasileiras vão acompanhar de perto do desempenho dele a partir de agosto. O
mundo irá.
Um comentário:
Chupa, PIG!!! Dá uma de raposa em 'A raposa e as uvas' e diz que afinal, não era tão importante assim ... kkkk (as fábulas nos ensinam muito).
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