Se Joaquim Barbosa quer pronunciar-se como um cidadão comum deve,
antes de mais nada, transformar-se em um cidadão comum, despir-se da toga de
super-herói que a mídia lhe vem conferindo , renunciar ao cargo de ministro do
STF e, aí sim, deitar falação sobre o que lhe venha à cabeça, enfrentando , é
claro, eventuais reações daqueles que considerem que “quem tem telhado de vidro
não joga pedras no telhado do vizinho”.
Na condição de advogado bissexto, bancário aposentado e professor ainda
atuante, julgo-me no direito cidadão de
opinar sobre os que me representam nos três poderes constituídos da República.
No exercício democrático, não só posso, como devo, manifestar-me criticamente
sobre o que considere deslizes das três
áreas – Executivo, Legislativo e Judiciário - , principalmente nos
momentos em que vislumbro agressões à cidadania. Como eu, qualquer brasileiro
possui esse direito e deve mesmo refletir sobre se o tem ou não exercido de
forma efetiva.
Joaquim Barbosa é um
brasileiro e, portanto, também detém tal prerrogativa. Essa parece ser uma verdade indiscutível. Mas
é também verdade que a sustentação republicana passa, sabemos todos, pela
independência entre os três poderes. E eles têm funções claramente previstas na
nossa Constituição, de tal forma que um não pode nem deve interferir na atuação
de outro, a não ser quando chamado a isso, em função de suas atribuições. Não é
por outra razão que se vem criticando, no nosso cenário político, esse
indesejável tipo de interatividade entre
o poder executivo e o legislativo , em um jogo de interesses que inclui a
malfadada palavra “governabilidade”, fundada em forças políticas heterogêneas,
onde a unidade ideológica passa longe, até porque a ideologia de alguns é não
ter qualquer princípio ideológico.
Joaquim Barbosa declarou, em
uma palestra para estudantes – a que foi convidado não pelos seus belos olhos,
mas pelo prestígio granjeado na condição de Presidente do STF – que o Brasil
tem partidos “de mentirinha” e que o legislativo é “inteiramente dominado” pelo
Executivo”. Aqui, antes de prosseguir, lembro que, tempos atrás, o então metalúrgico Lula
mencionou a existência de 300 picaretas no Congresso. Logo, a frase do ministro
sobre a “mentira legislativa” está longe de revestir-se de originalidade ou de
modernidade. Outra observação é a de que há quem pense que não é o Executivo
que domina o Legislativo, mas o contrário,
o que obriga a presidenta Dilma a
conviver, para poder governar, com o
fisiologismo e as diversas “bancadas” representativas do pensamento retrógrado
do país... Não fosse esse “domínio” dos partidos, que agora se pretende ver
quantitativamente aumentado -
casuisticamente (como sempre) -.
talvez os brasileiros estivessem hoje vivenciando muito mais êxitos na
luta contra as desigualdades do que os tantos
já obtidos nos últimos anos.
De qualquer forma, meu
intuito aqui não é discutir as teses do presidente do STF, mas de verificar,
com espanto – e algum temor – que os cidadãos brasileiros da elite, na sede
permanente de opor-se ao atual governo ,
não percebem a brecha que se pode abrir na democracia quando o titular de um
dos três poderes, do alto do seu repentino prestígio, resolve desancar um
segundo poder (aliás, por tabela, também um terceiro).
Fala-se muito de uma
aspiração que o ministro acalentaria de vir a ser candidato à Presidência da
República. Não creio que seja assunto para agora. Mas o que minha consciência
impõe é questionar, coerente com tudo o
que penso da cidadania, a postura do
presidente do STF. Não porque eu acredite
na “verdade” de nossos partidos políticos, nem
porque possua uma inocente posição otimista em relação aos
nossos infelizes legisladores. O que penso é que é inadmissível o titular de um
poder (que deve ter isenção para julgar assuntos que envolvem outros poderes) vir, de
público. fazer declarações que estimulem
a instabilidade institucional e, de quebra, o pensamento golpista e
democraticamente incivilizado.
Se age assim, Joaquim
Barbosa não pode insurgir-se quando é acusado de estar fazendo um perigoso jogo
político, com presumíveis objetivos eleitorais. Apresentando-se, diante dos
holofotes da mídia, quase como o único
defensor da dignidade e honradez, ele dá margem a que se coloque em dúvida as
intenções e a validade de suas ações, a começar pelo denodo e obstinação quase
sagrada em condenar os réus do mensalão. Aqui e ali, aliás, já começam a
surgir, nas redes sociais – sempre nelas, porque a mídia tradicional envergonha
os seus desígnios – fortes indícios de falhas jurídicas ocorridas no julgamento
da ação 470. Aqui e ali, já se pergunta
porque ele abriu mão da relatoria no mensalão “tucano” (origem do que foi
julgado). Aqui e ali, está vindo à baila a constatação de que não teria havido,
no caso do mensalão, o tão propalado desvio do dinheiro público. E aqui e ali,
já se nota uma retomada do furor midiático no sentido de “pautar” os ministros
do STF no julgamento dos recursos que vêm aí. É que já se percebe, claramente,
o fundamento legal de muitos deles.
Creio que, neste
momento, mesmo tendo formulado um juízo crítico sobre o legislativo que
corresponde ao pensamento de muitos brasileiros, o presidente do STF deve
posicionar-se como magistrado maior, sobrepondo os interesses do país aos seus
interesses pessoais.
Rodolpho Motta LimaAdvogado formado pela UFRJ-RJ (antiga Universidade de Brasil) e professor de Língua Portuguesa do Rio de Janeiro, formado pela UERJ , com atividade em diversas instituições do Rio de Janeiro. Com militância política nos anos da ditadura, particularmente no movimento estudantil. Funcionário aposentado do Banco do Brasi.Fonte:Direto da Redação
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