Volto ao assunto da coluna
anterior, porque ele é mesmo instigante. É interessante verificar como incomoda
a alguns a simples menção às categorias “esquerda” e “direita” no campo da
política. Mais interessante ainda é perceber que a reação quase sempre parte
daqueles que, pelo que pensam e praticam, seriam de direita...
É uma discussão estéril,
concordo, mas por motivos diferentes dos normalmente levantados. Em países
considerados modelares por esses mesmos críticos , a terminologia esquerda x
direita, com suas variações, é empregada sem os traumas que provoca aqui.
Então, é mesmo uma discussão estéril, porque não há como negar o óbvio. Há – e
desde sempre – no Brasil e no mundo, pensamentos e atitudes de esquerda e de
direita, em maior ou menor profundidade, gerando maiores ou menores
consequências. Os termos remontam à Revolução Francesa: os Girondinos, à
direita no plenário da Assembleia nacional, representavam os nobres e os
burgueses ricos; os Jacobinos, sentados à esquerda, eram representantes da pequena
burguesia e do povo. Mas as duas posturas ideológicas vêm de muito antes.
Não sei se ajuda como argumento
mencionar as recentes declarações do ministro Joaquim Barbosa, o herói da vez
na mídia, afirmando, na Costa Rica, que, em nosso país, os três maiores jornais
impressos são , todos eles, “mais ou menos inclinados para a direita no campo
das ideias”. De onde será que ele tirou essa palavra? E como chegou a essa
conclusão?
Mencionei o adjetivo
“ideológicas”, porque é mesmo disso que se trata: ideologia, ou seja, um
conjunto de ideias (ou ideais?) que as pessoas acabam assumindo em função da
visão do mundo que absorveram, dos valores que aprenderam, das vivências que
experimentaram. Todos precisam de uma ideologia pra viver (e não apenas o
Cazuza), e mesmo os que a recusam já assumem uma, no ato mesmo de recusá-la...
Em cada momento, em cada lugar,
as posições de esquerda e de direita podem até apresentar variações, nuances,
matizes. Mas há sempre como enxergar os dois campos. E não é, seguramente, desqualificando
um dos dois com a análise de processos de corrupção (um certo “corruptômetro”
que anda por aí), que iremos separar os dois lados. Se esse ou aquele político
de esquerda é corrompido, esse ou aquele político de direita também o é. Se
funcionários de órgãos públicos cedem às propinas, empresários da iniciativa
particular é que os compram...
O destaque que se dá a um ou
outro desses lados corre por conta dos interesses de quem destaca. No Brasil,
por exemplo, a tal mídia de direita apontada pelo Presidente do STF destaca os
erros da esquerda e omite os da direita a que pertence. Por esse caminho,
então, não chegamos a lugar algum, a não ser à convicção de que a corrupção é
nefasta, onde existir, e deve ser combatida. E que valeria a pena discutir que
tipo de sociedade é essa que, calcada no lucro e nos valores materiais, gera, a
todo momento, fraudes, negociatas e corrupção...
Se quisermos realmente qualificar
posturas de direita e de esquerda, temos que verificar como as pessoas se
posicionam, por exemplo, frente ao capital e ao trabalho. Não é interessante
verificar que ruralistas e latifundiários se autointitulam e são rotulados pela
mídia como membros das “classes produtoras”? Onde ficam os que realmente
produzem, os trabalhadores do campo, explorados e às vezes escravizados?
Dependendo de para onde façamos pender a nossa “balança ideológica”, seremos,
sim, de direita ou de esquerda.
Quem aceita, por exemplo,
passivamente, o rótulo de “consumidor” e não percebe a gradativa ascendência
dessa palavra sobre o nome “cidadão”, seguramente está absorvendo valores da
direita, do mercado, do consumo individualista a qualquer preço, em detrimento
de valores sociais que se perdem a cada dia... Um problema de esquerda ou
direita, podem crer...
As cotas , e o posicionamento que
se assume sobre elas, são um outro tema que permite a identificação ideológica.
Elas colocam de um lado os que as rejeitam como algo contrário à
“meritocracia”, que não premiaria os “melhores”. Uma espécie de “seleção
natural” que de natural não tem nada, porque esquece, convenientemente, que o
“mérito” , em um país perversamente desigual como o nosso, já começa no berço,
e acaba sendo, com exceções que confirmam a regra, um mecanismo de perpetuação
de elites. Do outro lado, há os que lutam pelas cotas como instrumento de
correção social, um pagamento de dívidas históricas contraídas pelos poderosos.
Direita x esquerda, sem dúvida...
Nessa esteira haveria muitos
outros exemplos. Um, bem emblemático: a bolsa-família. A posição de direita
considera que a bolsa estimula a inércia, uma espécie de “dolce far niente” dos
premiados com as “polpudas” importâncias, um bando de desocupados que o Governo
subsidia... Nada mais perverso do que os bem alimentados ousando discorrer
sobre o problema dos que têm fome, aquela mesma fome que o saudoso Betinho
dizia que “não podia esperar”. O que interessa, para a esquerda, é que dezenas
de milhões de brasileiros saíram da miséria e vão mais longe do que isso, muito
mais, a julgar pelas recentes notícias que dão conta que 1,3 milhão de
“bolsistas” devolveram a sua bolsa ao Governo porque já conseguem caminhar com
os próprios pés...
Segmentos de direita podem, aqui
e ali, ter posicionamentos mais à esquerda, até por demagogia. Da mesma forma,
por fraqueza ideológica, a esquerda pode ter momentos de direita. Não devia ser
assim, mas acontece. Mais cedo ou mais tarde , essa confusão de quem entra em
contradição com a própria visão do mundo pode provocar irreversíveis problemas
de consciência. Nesse quesito, felizmente, e desde garoto, a minha consciência
vai seguindo em paz...
Rodolpho Motta LimaAdvogado formado pela UFRJ-RJ (antiga Universidade de Brasil) e professor de Língua Portuguesa do Rio de Janeiro, formado pela UERJ , com atividade em diversas instituições do Rio de Janeiro. Com militância política nos anos da ditadura, particularmente no movimento estudantil. Funcionário aposentado do Banco do Brasi.Direto da Redação
Rodolpho Motta LimaAdvogado formado pela UFRJ-RJ (antiga Universidade de Brasil) e professor de Língua Portuguesa do Rio de Janeiro, formado pela UERJ , com atividade em diversas instituições do Rio de Janeiro. Com militância política nos anos da ditadura, particularmente no movimento estudantil. Funcionário aposentado do Banco do Brasi.Direto da Redação
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