EMIR SADER
A democracia é a maior ameaça
ao poder das oligarquias tradicionais. Por isso reagem de maneira tão irada aos
processos de democratização em curso na sociedade brasileira
Publicado na
Carta Maior
Uma imensa disputa
ideológica e politica se dá em torno da democracia? Quem é democrático e quem
não é? Uma disputa para se apropriar do termo, com a pretensão de que quem
apareça como democrático, será automaticamente hegemônico.
Ocorre que tudo depende do
conceito predominante de democracia. Quem poderia dizer que as oligarquias
familiares, proprietárias monopolistas dos meios de comunicação tradicionais no
Brasil, apareçam como as mais defensoras da democracia, supostamente ameaçada
pelo Estado que promove o maior processo de democratização na sociedade
brasileira, com o apoio maçico da grande maioria da população, em consultas
eleitorais amplas e abertas, com a participação majoritária da população?
Isso ocorre porque falamos
de coisas distintas quando falamos de democracia. A concepção dominante, de que
se valem aqueles órgãos e os partidos da oposição, remete à concepção liberal
de democracia. Esta nasceu fundada nos direitos dos indivíduos, contra o
Estado, considerado a maior ameaça à liberdade e à democracia.
É uma concepção fundada nos
indivíduos, considerados a única realidade efetiva nas sociedades. Margareth
Thatcher chegou a afirmar que: “Não há mais sociedade, só indivíduos”- utopia
maior do liberalismo. É em torno dos direitos individuais que se estruturaria a
sociedade.
Numa sociedade como a
norteamericana, entre os direitos inalienáveis expressos na Constituição, está
o direito do porte de armas, para que os indivíduos se defendam do Estado. (Não
importa se as armas terminam nas mãos de crianças, que matam os colegas na
escola ou o seu irmãozinho.) De tal forma os direitos individuais se sobrepõem
aos direitos coletivos, que Obama não conseguiu, mesmo esgrimindo o massacre de
crianças naquela escola dos EUA, limitar esse direito inalienável que os
norteamericanos se reservam.
Segundo os preceitos
liberais, se há separação de poderes, se há eleições periódicas, se há
pluralidade de partidos, se há imprensa livre (atenção: para eles imprensa
livre quer dizer imprensa privada), então haveria democracia. O liberalismo
utiliza critérios institucionais, políticos, formais, para definir democracia.
O próprio Brasil foi, durante muito tempo, o país mais desigual do mundo, porém
passou a ser considerado democrático, quando passou a respeitar aqueles
cânones, não importando que fosse uma ditadura econômica, social e cultural.
Hoje, quando o Brasil passa
por um processo inédito de democratização social, as oligarquias se sentem
ameaçadas. Já não controlam o governo nacional, perdem sistematicamente as
eleições em nível nacional, sentem que camadas sociais que eram sempre
postergadas por eles veem reconhecidos seus direitos e reagem de forma
violenta.
Para que se torne
efetivamente uma democracia, o Brasil precisa passar por um processo de
democratização econômica, política e cultural. Precisa democratizar a economia,
quebrando a hegemonia do capital especulativo, promovendo o predomínio dos
investimentos produtivos, que gerem bens e empregos. Precisa promover
amplamente a pequena e a média produção no campo, aquela que gera empregos e
produz alimentos para o mercado interno.
Precisa democratizar as
estruturas de representação política, promovendo o financiamento público das
campanhas eleitorais, para que os parlamentos representam efetivamente a
população, sem a intermediação falseadora do dinheiro.
Precisa democratizar o
Judiciário, para que seja um órgão eleito e controlado pela cidadania e não
pelas oligarquias do poder e da riqueza.
Precisa democratizar os
processo de formação da opinião pública, quebrando o monopólio privado das
poucas famílias que dominam de forma monopolista os meios de comunicação. Não
se trata de que se impeça alguém de falar mas, ao contrário, que se permita que
todos falem, pela multiplicação e diversificação dos distintos meios de
comunicação.
A democracia é a maior ameaça
ao poder das oligarquias tradicionais. Por isso reagem de maneira tão irada aos
processos de democratização em curso na sociedade brasileira.
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