terça-feira, 9 de setembro de 2008

UMA SAUDÁVEL DISCUSSÃO

Considerações pré-socráticas para o Azenha ler depois do Hunter Thompson



Azenha é meu chapa. Estamos do mesmo lado nesta confusa e brutal arena onde se digladiam as ideologias contemporâneas. Assim como o Eduardo Guimarães. E a Marcia Denser. Mas sou um cara polêmico - e digo isso sem orgulho, porque esse polemismo quiçá seja antes excesso de filosofia e literatura (somados à vaidade e a um toque de desespero) do que uma genuína inquietação política. Procuro me equilibrar, porém, com matemática e bom senso, e o Azenha... bem, o Azenha é um cara viajado. Se pesarmos na balança, ele viveu umas vinte vidas a mais que eu. Do pouco que conheço de sua carreira, sei que se trata de um profissional corajoso e experiente, enquanto eu, após largar bons empregos e bons salários, ou nem tão bons assim..., luto para manter minha independência mambembe.

Minha crítica ao texto do Azenha, no entanto, despertou uma polêmica que mobilizou energias interessantes, tanto para lançar fogo como para apagá-lo. Quer dizer, não apenas meu artigo - dezenas de comentaristas participaram do debate. O Eduardo Guimarães fez questão de publicar um contundente desagravo ao Azenha (um texto intitulado Longe da Razão Cínica) e o mesmo Azenha agora voltou ao tema, conforme eu já esperava, dizendo que não podemos acreditar em pessoas e sim em instituições, numa alusão ao famigerado lulismo.

Daí lembrei que Heráclito, o grego, não o senador com ovo na boca, dizia o seguinte: "há que se apagar um incêndio de ira com mais urgência do que um incêndio de fogo". De fato. Por trás de qualquer discussão, ou melhor, por dentro, corre um sangue grosso de ira. É natural, acredito eu. Sem debate, não chegamos a lugar nenhum, e sem pouco de ira, nem que seja só um pouquinho, os debates são mornos e enfadonhos. Seriam, por isso, perigosos, porque podem afastar amigos. Produzir dissidências. Graças a Deus apareceu Sócrates, que pôs o debate no centro da busca filosófica, conferindo-lhe status e dignidade e, desta forma, compensando o inevitável nervosismo inerente às divergências de opinião.

Sócrates bebeu na fonte heraclitiana para inaugurar a dialética, a mais extraordinária forma de raciocínio. Só sei que nada sei, dizia Sócrates. Ele zombava dos sofistas, de suas certezas absolutas e posturas arrogantes, ressaltando que seu objetivo não era criar polêmica, nem brigar com quem debatia. Queria tão somente descobrir a verdade - que ele, humildemente, jurava não saber. Sócrates constatava que a verdade também não se encontrava na mente de seus contemporâneos. Talvez não se encontrasse em lugar nenhum. Talvez a verdade fosse um ser mutante, fugidio, como as águas de um rio. Os que se banham nos mesmos rios, se banham em águas diferentes, dizia Heráclito. Não é assim? Azenha tem suas idéias, Eduardo Guimarães tem as dele, os leitores, as suas, a Marcia Denser, as dela. Eu tenho as minhas! Mesmo que concordemos, nossas idéias são diferentes. E a verdade? Ora, que se dane a verdade! O que interessa é a força da lógica. Na falta dessa, a paixão, o cinismo, o amor, a cachaça... a depender do freguês.

De fato, Azenha. Existe algo de extremamente ridículo no lulismo. É indigno pendurar-se nas costas de qualquer liderança política. Ainda mais um jornalista. Devemos acreditar antes nas instituições do que em personalidades, não é? É mais limpo e mais seguro, com certeza. Ninguém arruma briga em bar dizendo que apóia a instituição presidência da república. No máximo, você será olhado com curiosidade, como um ET. No entanto, instituições, pelo que sei, não participam de debates na TV Globo. Nem são acusadas de corrupção, nem tem filhos, nem tecem comentários sobre a seleção brasileira. Nem sancionam leis. Instituições sancionam leis? A inteligência artificial ainda não chegou lá. Ainda vai chegar, mas até o momento, quem cria leis, quem as veta e quem as sanciona ainda é este bolo de carne e miolos, esse poço de pecado, chamado HOMEM. Quando eu voto para presidente, não voto numa... instituição. Eu voto no Sarney, no Collor, no Lula! Por isso, quando discuto política, falo de homens, feitos de carne, osso e vaidade e, futuramente, oxalá, de mulheres. Quanto a ser JORNALISTA, com letras maiúsculas, falo sobre isso depois.

Também não acredito em possibilidade de golpe no Brasil. Não um golpe clássico, tipo militar & mídia & oposição unidos para derrubar o presidente. Nunca acreditei nisso. Acredito em golpe branco, uma aliança entre oposição e mídia. Vargas conseguiu vencer o golpe branco sacrificando sua vida. Goulart, que talvez tenha sido um pobre covarde, como acusou o Brizola, ou apenas um cidadão atormentado pelo dilema de provocar ou não uma sangrenta guerra civil, sofreu o golpe clássico articulado por militares, oposição e... mídia. Mas eu vejo mais longe. As manobras midiáticas também visam desarticular as bases de apoio ao governo Lula. Que são esses eternos desafios lançados no ar, que mereceriam uma resposta valentona e dura do presidente? Azenha falou sobre as pessoas se lamentando sobre a ida de membros de governo aos 40 anos da revista Veja. Ora, será que o tal patrulhamento lulista também não estaria se voltando contra o próprio Lula e equipe? Quem está sendo patrulhador, na verdade? Se alguns ministros decidem ir a uma festa da Veja, será mesmo uma traição inaceitável? Quem foram os ofendidos, eles ou nós? Onde está o lulismo desvairado? Está nos que querem um Lula herói, inteligente, valentão, e vidente - que sabe por telepatia o que os lulistas querem? Ou nos que não se preocupam tanto se ministros de Lula vão ou não à festa da Veja - desde que façam um bom governo. Ir ou não a uma festa da Veja, é realmente uma questão de princípios fundamentais? Bem, talvez até seja se pensarmos superficialmente, se pensarmos com nossa irritação chauvinista de classe média. Mas pensem bem. Por acaso a Veja é tão diferente assim de Estadão, Globo, Folha? Seria interessante o governo isolar-se completamente dos principais meios de comunicação do país? Não seria entregar a bola de graça para a oposição cortar? Não é melhor segurar o boi pelo chifre, ou seja, ir na festa da Veja e manter a situação, minimanente controlada? É útil para o governo fomentar o clima de guerra? Ou é útil para a oposição? Quanto custa um página na Veja?

Diz o Azenha: Lula nunca deu um passo que fosse no sentido de ameaçar a democracia brasileira. Pelo contrário, deu muitos passos positivos no sentido de ampliá-la. Enquanto for assim merece todos os aplausos e elogios. Porém, ninguém merece de um jornalista algo que não seja uma avaliação crítica. Caso contrário não é Jornalismo.

Azenha está corretíssimo. Só esqueceu uma coisa. Quem está interessado em fazer jornalismo? Ou ainda: o que é jornalismo? Ou ainda, o que é avaliação crítica? O que estamos fazendo aqui, definitivamente, não é jornalismo. É política. Ou seja, somos tendenciosos, parciais e apaixonados, e todavia críticos e matemáticos. Estamos na internet, carajo! Mas não entendi uma coisa. Por que ele usou caixa alta em jornalismo, essa profissão infeliz, onde as idéias e a autenticidade não valem nada? Onde se vende tão barato aquilo que temos de mais precioso. Jornalismo, ah, esse trator de sonhos, essa fábrica de cínicos. Melhor ser zelador, motorista de caminhão, professor de português - perde-se os coquetéis grátis no Itamaraty e ganha-se uma alma.

É muito bonito falar em "avaliação crítica". O difícil é fazê-la, e sabemos perfeitamente o quão golpistas, hipócritas, interessadas, podem ser essas "avaliações críticas". E quem disse que uma avaliação crítica deve ser necessariamente ranheta? Não posso fazer um elogio crítico? E uma porrada crítica? Que fique bem claro: quando eu critico um artigo do Azenha no qual ele mete o cacete no governo, não o faço por patrulhamento "lulista". Eu critico simplesmente porque acho que ele fez uma avaliação equivocada. No afã de SER UM JORNALISTA INDEPENDENTE, NÃO-CHAPA BRANCA E PORTANTO CRÍTICO DO GOVERNO, muitos acabam fazendo críticas apressadas ou injustas. Normal. Mas é normal também receber críticas por essas críticas, não? Será que toda vez que eu criticar o Azenha, ou o Edu Guimarães, e vice-versa, teremos que elaborar, logo após, solenes desagravos, e lembrar, tediosamente (como eu fiz) o enorme respeito e admiração que sentimos uns pelos outros? Não poderíamos dispensar essas firulas? Acho que o Azenha, o Edu e eu, assim como o Lula, temos bastante humor para enfrentar críticas.

Defendo a liberdade de imprensa, mas defendo ainda mais a minha liberdade para criticar essa imprensa, minha liberdade para defender ou atacar governos, discordar ou não de opiniões jornalísticas. Já caiu na vala a frase de Millor: "jornalismo é oposição", porque alguns a transformaram para "oposição ao Lula e ao PT", e aí a frase perde todo o sentido. A bem da verdade, nunca vi o menor senso nessa frase. Ela agride o meu livre arbítrio. Se sou obrigado a ser oposição, onde fica a minha liberdade? Não posso escolher? Não posso escolher entre ser um jornalista liberal ou conservador? Não posso escolher entre defender ou atacar um governante? De que valerá minha opinião se o leitor já a conhece sem a ler? É o que ocorre hoje: sabemos a opinião dos colunistas antes de lê-las. Não há supresas.

Se batemos palmas eufóricas, sem culpa, para um fulano que nada, mais rápido que outros, cem metros numa piscina, porque não bater palma para um governante que tirou 30 milhões da miséria? Minha posição é conhecida de meus leitores mais antigos: critico esse esquerdismo vago, moralista, chauvinista, abstrato, preocupado mais com símbolos vazios e discursos do que políticas pragmáticas que melhorem a vida das classes mais simples. Um esquerdismo cujos princípios são apenas retóricos e intelectuais - sem verdadeiro vínculo afetivo com a classe trabalhadora. Um esquerdismo de classe média decadente.

Não me incluam, entretanto, na turma dos que pretendem "escrever bem", esses almofadinhas que procuram erros de português nos outros como beatas à cata de pecadilhos carnais nas moçoilas das vizinhanças. Babaquaras pedantes, fundamentalistas da gramática; imbecis, em suma. Na revista Piauí, última ou penúltima edição, um sujeito gastou um artigo inteiro para dizer que Satiagraha era com y! Uma palavra em sânscrito, uma língua que possui um alfabeto inteiramente distinto, e um parvo professor de ioga tenta desqualificar a Polícia Federal por ter escrito Satiagraha com i!

Nem quero mais SER ESCRITOR. Quero escrever, só. Cônscio de minhas limitações, suporto nem tão estoicamente minha cota de frustração, como qualquer um. Por que me tornei assim, assim, um personagem de Dostoiésvki? Talvez eu não leve a política tão a sério. Talvez eu esteja apenas me divertindo com essas polêmicas. Ou talvez, justamente por brincar, eu esteja falando mais sério do que todo mundo. Ou talvez eu seja um louco, um vagabundo, um tagarela. Ah, meu Deus. Melhor parar por aqui... Esse é o resultado de ler Céline... Não leiam Céline!
Comentários.
Fico, mais uma vez, com o Miguel de Rorário.

Nenhum comentário: