Considerações sobre a falsidade
Texto na capa da Folha: "O prefeito [Kassab] dedicou a vitória ao governador José Serra (PSDB), que apoiou o democrata contra o candidato do próprio partido no primeiro turno, Geraldo Alckmin", pode até trazer uma informação correta, mas aponta, sobretudo, a glorificação da falsidade.
Na convenção partidária do PSDB, José Serra apoiou Geraldo Alckmin. Na propaganda da televisão, Serra apoiou Alckmin. Em entrevistas, Serra apoiou Alckmin. Serra apoiou Kassab, no primeiro turno, apenas nos bastidores da imprensa, que repetia incessantemente, diariamente, que Serra apoiava Kassab por baixo dos panos.
Serra elegeu-se prefeito em 2004 depois de, ao vivo e a cores, ter assinado um documento se comprometendo a cumprir o mandato até o fim. Entrevistado pelo repórter do CQC porque tinha assinado um documento e registrado em cartório de que completaria sua gestão, sem usá-la como trampolim para 2006, como fez, Serra respondeu: "Não registrei no cartório". Repetiu a frase duas ou três vezes. Não registrei no cartório. Não registrei no cartório.
Na França, não existe reconhecimento de firma em cartório. O cara assinou, tá assinado, ponto final, tem valor documental.
O que eu gostaria de entender que espécie de vitória é essa fundada em falsidade, intriga interna e dissenção partidária?
Se José Serra é tão bom político, como permitiu que o PSDB se dividisse em duas facções inimigas no primeiro turno das eleições em São Paulo?
De fato, Serra sai dessas eleições fortalecido para disputar as eleições presidenciais em 2010. Mas o seu partido, o PSDB, não. Por quê? Porque perdeu votos nas eleições municipais, porque seus aliados principais perderam votos, e porque seus adversários, os partidos que compõem a base de Lula ampliaram formidavelmente a sua base eleitoral.
O PT, partido de Lula, obteve 21 prefeituras entre o chamado G79, composto pelas 26 capitais e 53 municípios com mais de 200 mil eleitores, assumindo a liderança isolado no ranking. O PMDB, que estava em terceiro em lugar em 2004, foi para o segundo lugar, com 17 prefeituras e o PSDB (partido do grande vitorioso José Serra) vem caindo gradualmente desde 1996, quando tinha 18 prefeituras: caiu para 15 em 2000 (em plena gestão de FHC, mostrando que nem sempre o poder ajuda a eleger; ao contrário, quando se governa mal, a base governista perde espaço; aliás, o PMDB, na época aliado ao PSDB, também perdeu pontos em 2000). A pontuação tucana no G79 subiu para 17 prefeituras em 2004 e declinou novamente para 13 agora.
A tabela de eleitorado no G79 é muito distorcida por São Paulo. Aí, o PSDB, que chegou a 14 milhões de eleitores em 2004, quando elegeu Serra, caiu para 5,81 milhões. O PT de Marta Suplicy alcançou 14 milhões de eleitores em 2000 e caiu para 8,75 milhões em 2008. A importância de SP para o DEM está expressa nos seguintes números: o partido saiu de 6,01 milhões de eleitores em 2004 para 9,4 milhões em 2008. Mas essa tabela não conta muito, como já disse, por causa da confusão gerada por São Paulo. No quesito número de eleitores, vale mais a pena considerar o eleitorado dos cinco mil municípios brasileiros.
Nas 30 cidades que registraram 2º turno, o PT ficou em primeiro lugar, com 5,16 milhões de votos, seguido por PMDB, com 4,46 milhões de votos e DEM (que ganhou apenas em SP), com 3 milhões. O PSDB, com 1,5 milhão de votos, ficou atrás do PV, que obteve 1,64 milhões de votos. Estes números consideram os votos recebidos, mesmo no caso de derrota dos candidatos, como foi o caso do PV, que registrou boa votação, mas perdeu apertado no Rio de Janeiro.
No primeiro turno, PMDB ficou em primeiro lugar, com 18 milhões de votos, seguido por PT, com 16,52 milhões, e PSDB, com 14 milhões.
Há outro dado interessante. Nas eleições para câmara de vereadores, o PT ficou em primeiro lugar em votos para legenda, com 2,11 milhões de votos em todo país, secundado pelo PSDB, com 1,66 milhão de votos. Na relação de votos nominais, o PMDB levou a taça, novamente, com 10 milhões de votos; o PSDB veio em segundo lugar, com 9 milhões, e o PT em terceiro, com 8,4 milhões de eleitores.
A vitória de Kassab em SP deve ser colocada na devida perspectiva. O candidato do DEM recebeu 3,79 milhões de votos. É um número expressivo, que certamente faz diferença em eleições presidenciais um candidato em qualquer país democrático do mundo. No caso do Brasil, representa 2,9% dos 130,60 milhões de eleitores registrados. Considerando a polarização partidária existente em São Paulo, todavia, deve-se entender que a boa parte dos votos recebidos por Kassab compõe o chamado "eleitorado duro" da direita em SP. Eleitores de Maluf e Quércia, por exemplo, migraram em peso para a campanha de Kassab.
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