A (In)Justiça nossa de cada dia
28/10/2008
Camila Gonçalves De Mario, William Sodré e José Alberto Curado*
Vale o escrito. Ao menos, no meio da contravenção, esta é uma lei pétrea. Mas no restante do País, nem mesmo um documento fundamental, como a nossa Constituição, tem suas palavras merecido o mesmo reconhecimento e respeito que têm recebido, há décadas, os escritos por apontadores do jogo do bicho.
E dois são os motivos centrais desse desleixo nacional com as leis: em primeiro lugar, a nossa cultura política que permite que algumas leis “peguem” (ou seja: o escrito tem valor e vigência, no território nacional) e que outras não tenham o mesmo destino.
Outro fator, a força do poder, do prestígio, dos relacionamentos sociais e do dinheiro, que atenuam o peso da lei para a elite e seus agregados, mas que a impõe com férreas mãos contra os deserdados da Terra.
A Constituição de 1988 faz 20 anos de existência neste ano e o Grupo Democracia e Cidadania realizou um encontro (em 24 de setembro, no auditório da Livraria Cultura/Campinas) para discutir o problema da Justiça brasileira. À mesa – denominada “A velocidade seletiva da Justiça: o caso Daniel Dantas” – os debatedores Wálter Maierovitch, Janice Ascari, Sergio Lirio e Nilo Toldo.
Mais do que o debate acerca do papel da justiça, o que estava na pauta nesse dia, em Campinas, é o que aos olhos de nossa sociedade pode ou não ser considerado justo. É o sentimento de indignação nosso primeiro passo em direção ao que identificamos como injusto. Foi este sentimento que motivou o tema deste Fórum e que se fez presente na fala de nossos palestrantes.
Trata-se de uma injusta justiça que faz valer a Lei conforme os interesses econômicos em jogo, e de acordo com o poder, político e econômico, daquele que a reivindica. Foi consenso que a velocidade de nossa justiça é seletiva sim, Dra. Janice Ascari ressaltou que quando há interesse usam-se artifícios tais como o “habeas corpus canguru”, concedido ao Daniel Dantas – e existem vários outros exemplos – ou ao contrário, a máquina simplesmente funciona de maneira emperrada, tal como uma “lesma reumática” – imagem formulada por Wálter Maierovitch – e, ignorando que aquele que a demanda é um sujeito de portador de direitos.
Sergio Lirio, mais do que trazer fatos sobre a trajetória de Daniel Dantas, cujo caso foi mote para o debate, nos trouxe a preocupação com o papel desempenhado pela imprensa. Imprensa que faz e desfaz um vilão, ou um mocinho, e que, se desejar, pode manipular os fatos, por vezes enfatizando episódios menores, ou ocultando fatos, a questão é que a maneira como tais estórias são contadas pode levar a uma falsa percepção dos fatos induzindo a uma formação de opinião pública errônea.
Dar ênfase a questões irrelevantes, além de reforçar uma cultura que trata a justiça como uma questão de mérito individual e, portanto, de maneira desigual, colocando parte dos indivíduos como cidadãos de segunda categoria, também, faz com que a sociedade perca a capacidade de distinguir a verdade da mentira, podendo provocar indignação em casos nos quais a comoção talvez não ganhasse grandes proporções e minimizar a importância de questões de extrema relevância, transformando-as em apenas mais um fato passageiro.
Em suma, corremos o risco de perder a capacidade de nos indignar e ainda poderemos incorrer no erro de reforçar o distorcido viés que sempre confunde o que é justo e o que é injusto. Resultado desta distorção é o que vem provocando uma verdadeira perseguição exercida contra o juiz Fausto De Sanctis, como nos chamou a atenção o juiz Nilo Toldo, que de aclamado - quando ia atrás de traficante e banqueiro falido – passou a ser seriamente atacado e desacreditado pela mídia levando a sociedade a formular um julgamento distorcido dos fatos, já que esta não tem elementos suficientes para saber qual é e onde está a verdade.
O outro lado dessa moeda é a perda de credibilidade das instituições públicas, neste caso - de maneira mais específica - as instituições responsáveis pela garantia da justiça. A velocidade seletiva da justiça tem levado a sociedade a buscar outros espaços e mecanismos para garantir a justiça. Estamos diante de uma crise de legitimidade que abre espaço para o exercício de uma justiça tão injusta, e até mais injusta, que nossa justiça legal, em espaços totalmente ilegais tais como os tribunais do PCC em São Paulo, mas que estão sendo legitimados pela população que a eles recorrem.
Do Fórum “A velocidade seletiva da Justiça: o caso Daniel Dantas”, fica a necessidade de refletirmos sobre nossos parâmetros de justiça e de buscar uma articulação na sociedade civil que cobre coerência de nossas instituições, o Grupo Democracia e Cidadania através desta carta convida cidadãos e entidades da sociedade civil a se agregarem nesta jornada de luta pela vigência plena dos direitos de cidadania no Brasil, participando das diversas iniciativas das organizações civis comprometidas com os esforços de aprimoramento da democracia cidadã. Convidamos os interessados a participar das reuniões mensais de nosso coletivo, bem como desejamos contar com a colaboração de todos nos trabalhos que pretendemos desenvolver em nosso Observatório da Ilegalidade que tem por objetivo organizar um banco de dados a respeito do tema do descumprimento da legislação no Brasil, assim como publicizar tais ilegalidades e injustiças, para cobrar o funcionamento competente e democrático das instituições e o cumprimento da Carta Constitucional (que não classifica ninguém como “cidadão de segunda categoria” e, portanto, merecedor de uma justiça injusta), além de tornar pública a justa indignação que tomou conta de todos aqueles cidadãos que estiveram presentes em nosso encontro de setembro.
*Camila Gonçalves De Mario (da Coordenação do Observatório da Ilegalidade), William Sodré (da Coordenação do Fórum da Cidadania) e José Alberto Curado (coordenador do Grupo Democracia e Cidadania) .
Camila Gonçalves De Mario, William Sodré e José Alberto Curado*
Vale o escrito. Ao menos, no meio da contravenção, esta é uma lei pétrea. Mas no restante do País, nem mesmo um documento fundamental, como a nossa Constituição, tem suas palavras merecido o mesmo reconhecimento e respeito que têm recebido, há décadas, os escritos por apontadores do jogo do bicho.
E dois são os motivos centrais desse desleixo nacional com as leis: em primeiro lugar, a nossa cultura política que permite que algumas leis “peguem” (ou seja: o escrito tem valor e vigência, no território nacional) e que outras não tenham o mesmo destino.
Outro fator, a força do poder, do prestígio, dos relacionamentos sociais e do dinheiro, que atenuam o peso da lei para a elite e seus agregados, mas que a impõe com férreas mãos contra os deserdados da Terra.
A Constituição de 1988 faz 20 anos de existência neste ano e o Grupo Democracia e Cidadania realizou um encontro (em 24 de setembro, no auditório da Livraria Cultura/Campinas) para discutir o problema da Justiça brasileira. À mesa – denominada “A velocidade seletiva da Justiça: o caso Daniel Dantas” – os debatedores Wálter Maierovitch, Janice Ascari, Sergio Lirio e Nilo Toldo.
Mais do que o debate acerca do papel da justiça, o que estava na pauta nesse dia, em Campinas, é o que aos olhos de nossa sociedade pode ou não ser considerado justo. É o sentimento de indignação nosso primeiro passo em direção ao que identificamos como injusto. Foi este sentimento que motivou o tema deste Fórum e que se fez presente na fala de nossos palestrantes.
Trata-se de uma injusta justiça que faz valer a Lei conforme os interesses econômicos em jogo, e de acordo com o poder, político e econômico, daquele que a reivindica. Foi consenso que a velocidade de nossa justiça é seletiva sim, Dra. Janice Ascari ressaltou que quando há interesse usam-se artifícios tais como o “habeas corpus canguru”, concedido ao Daniel Dantas – e existem vários outros exemplos – ou ao contrário, a máquina simplesmente funciona de maneira emperrada, tal como uma “lesma reumática” – imagem formulada por Wálter Maierovitch – e, ignorando que aquele que a demanda é um sujeito de portador de direitos.
Sergio Lirio, mais do que trazer fatos sobre a trajetória de Daniel Dantas, cujo caso foi mote para o debate, nos trouxe a preocupação com o papel desempenhado pela imprensa. Imprensa que faz e desfaz um vilão, ou um mocinho, e que, se desejar, pode manipular os fatos, por vezes enfatizando episódios menores, ou ocultando fatos, a questão é que a maneira como tais estórias são contadas pode levar a uma falsa percepção dos fatos induzindo a uma formação de opinião pública errônea.
Dar ênfase a questões irrelevantes, além de reforçar uma cultura que trata a justiça como uma questão de mérito individual e, portanto, de maneira desigual, colocando parte dos indivíduos como cidadãos de segunda categoria, também, faz com que a sociedade perca a capacidade de distinguir a verdade da mentira, podendo provocar indignação em casos nos quais a comoção talvez não ganhasse grandes proporções e minimizar a importância de questões de extrema relevância, transformando-as em apenas mais um fato passageiro.
Em suma, corremos o risco de perder a capacidade de nos indignar e ainda poderemos incorrer no erro de reforçar o distorcido viés que sempre confunde o que é justo e o que é injusto. Resultado desta distorção é o que vem provocando uma verdadeira perseguição exercida contra o juiz Fausto De Sanctis, como nos chamou a atenção o juiz Nilo Toldo, que de aclamado - quando ia atrás de traficante e banqueiro falido – passou a ser seriamente atacado e desacreditado pela mídia levando a sociedade a formular um julgamento distorcido dos fatos, já que esta não tem elementos suficientes para saber qual é e onde está a verdade.
O outro lado dessa moeda é a perda de credibilidade das instituições públicas, neste caso - de maneira mais específica - as instituições responsáveis pela garantia da justiça. A velocidade seletiva da justiça tem levado a sociedade a buscar outros espaços e mecanismos para garantir a justiça. Estamos diante de uma crise de legitimidade que abre espaço para o exercício de uma justiça tão injusta, e até mais injusta, que nossa justiça legal, em espaços totalmente ilegais tais como os tribunais do PCC em São Paulo, mas que estão sendo legitimados pela população que a eles recorrem.
Do Fórum “A velocidade seletiva da Justiça: o caso Daniel Dantas”, fica a necessidade de refletirmos sobre nossos parâmetros de justiça e de buscar uma articulação na sociedade civil que cobre coerência de nossas instituições, o Grupo Democracia e Cidadania através desta carta convida cidadãos e entidades da sociedade civil a se agregarem nesta jornada de luta pela vigência plena dos direitos de cidadania no Brasil, participando das diversas iniciativas das organizações civis comprometidas com os esforços de aprimoramento da democracia cidadã. Convidamos os interessados a participar das reuniões mensais de nosso coletivo, bem como desejamos contar com a colaboração de todos nos trabalhos que pretendemos desenvolver em nosso Observatório da Ilegalidade que tem por objetivo organizar um banco de dados a respeito do tema do descumprimento da legislação no Brasil, assim como publicizar tais ilegalidades e injustiças, para cobrar o funcionamento competente e democrático das instituições e o cumprimento da Carta Constitucional (que não classifica ninguém como “cidadão de segunda categoria” e, portanto, merecedor de uma justiça injusta), além de tornar pública a justa indignação que tomou conta de todos aqueles cidadãos que estiveram presentes em nosso encontro de setembro.
*Camila Gonçalves De Mario (da Coordenação do Observatório da Ilegalidade), William Sodré (da Coordenação do Fórum da Cidadania) e José Alberto Curado (coordenador do Grupo Democracia e Cidadania) .
Fonte:CartaCapital.
Nenhum comentário:
Postar um comentário