A versão de Dirceu
31/10/2008
Leandro Fortes, Mino Carta e Sergio Lirio
José Dirceu deixou a chefia da Casa Civil há 40 meses. Desde então, segundo ele, toca sua vida sem se meter em assuntos do governo. O ex-ministro recusa-se a dizer que tipo de consultoria presta nem quem são seus clientes, mas garante que nenhum deles o procura em busca de facilidades em Brasília. “Não faço lobby.”
O ex-homem forte do Planalto, o dirigente que tornou possível a eleição de Lula em 2002, parece mais atuante do que nunca quando se analisam as recentes operações da Polícia Federal. De forma direta ou indireta, Dirceu aparece associado a diversas investigações, das negociatas da MSI-Corinthians à Satiagraha, contra o banqueiro Daniel Dantas. “Há mais de oito meses minha vida vem sendo devassada. E não há nada contra mim. Nada”, afirma durante a entrevista à CartaCapital em seu escritório, um sobrado de dois andares em São Paulo.
No caso da Satiagraha, paira sobre o ex-ministro a suspeita de participar da tentativa de impedir que Dantas fosse preso. Há dois episódios específicos. Um deles, citado no relatório do delegado Protógenes Queiroz, é o encontro com o ex-deputado petista Luiz Eduardo Greenhalgh em um hangar da TAM em Brasília. Greenhalgh, codinome “Gomes” nesta operação salva-banqueiro, foi contratado pelo Opportunity e na época em que se encontrou com Dirceu movia-se desesperadamente em busca de informações sobre a investigação da PF. “Não tratamos do Dantas. O encontro foi para falar da situação do Cesare Battisti”, garante o ex-ministro.
Em tempo: Battisti é um assassino italiano preso no Brasil que se apresenta como militante de grupos de esquerda. O governo da Itália pede sua extradição. Integrantes do PT tentam impedir que ele seja extraditado.
O outro episódio, relatado na edição 513 de CartaCapital, é a convicção de investigadores federais de que Dirceu soube da operação contra Dantas por intermédio do atual diretor-geral da PF, Luiz Fernando Corrêa. Ambos estiveram no Marrocos no mesmo período e teriam se encontrado lá. Corrêa então informou ao ex-ministro da Satiagraha. “Isso é infame, é mentira”, rebate.
Não é de hoje que o nome de Dirceu aparece associado ao de Dantas. As citações remontam ao tempo do chamado mensalão. À época, CartaCapital colheu relatos de dirigentes e parlamentares do PT, juízes e empresários sobre as intervenções do ministro, depois deputado federal cassado, a favor do banqueiro. Um desses relatos foi revelado recentemente por Mino Carta em sua página na internet (blogdomino.com.br).
O então diretor-geral da PF Paulo Lacerda, atualmente afastado do comando da Abin, contou ter recebido pressões de autoridades durante a Operação Chacal, que também alvejou o Opportunity. Mino perguntou se Dirceu era uma dessas autoridades. Lacerda disse que sim.
O ex-ministro nega qualquer relação com Dantas. Ou com Marcos Valério. Ou com qualquer assunto que diga respeito ao Opportunity. Assim caminhou a entrevista, realizada na tarde da terça-feira 28. CartaCapital fez as perguntas que queria. Dirceu respondeu-as como achou melhor.
CartaCapital: O senhor tem se alinhado ao presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, nas críticas à Operação Satiagraha. Também acredita na existência de um “Estado policial”?
Leandro Fortes, Mino Carta e Sergio Lirio
José Dirceu deixou a chefia da Casa Civil há 40 meses. Desde então, segundo ele, toca sua vida sem se meter em assuntos do governo. O ex-ministro recusa-se a dizer que tipo de consultoria presta nem quem são seus clientes, mas garante que nenhum deles o procura em busca de facilidades em Brasília. “Não faço lobby.”
O ex-homem forte do Planalto, o dirigente que tornou possível a eleição de Lula em 2002, parece mais atuante do que nunca quando se analisam as recentes operações da Polícia Federal. De forma direta ou indireta, Dirceu aparece associado a diversas investigações, das negociatas da MSI-Corinthians à Satiagraha, contra o banqueiro Daniel Dantas. “Há mais de oito meses minha vida vem sendo devassada. E não há nada contra mim. Nada”, afirma durante a entrevista à CartaCapital em seu escritório, um sobrado de dois andares em São Paulo.
No caso da Satiagraha, paira sobre o ex-ministro a suspeita de participar da tentativa de impedir que Dantas fosse preso. Há dois episódios específicos. Um deles, citado no relatório do delegado Protógenes Queiroz, é o encontro com o ex-deputado petista Luiz Eduardo Greenhalgh em um hangar da TAM em Brasília. Greenhalgh, codinome “Gomes” nesta operação salva-banqueiro, foi contratado pelo Opportunity e na época em que se encontrou com Dirceu movia-se desesperadamente em busca de informações sobre a investigação da PF. “Não tratamos do Dantas. O encontro foi para falar da situação do Cesare Battisti”, garante o ex-ministro.
Em tempo: Battisti é um assassino italiano preso no Brasil que se apresenta como militante de grupos de esquerda. O governo da Itália pede sua extradição. Integrantes do PT tentam impedir que ele seja extraditado.
O outro episódio, relatado na edição 513 de CartaCapital, é a convicção de investigadores federais de que Dirceu soube da operação contra Dantas por intermédio do atual diretor-geral da PF, Luiz Fernando Corrêa. Ambos estiveram no Marrocos no mesmo período e teriam se encontrado lá. Corrêa então informou ao ex-ministro da Satiagraha. “Isso é infame, é mentira”, rebate.
Não é de hoje que o nome de Dirceu aparece associado ao de Dantas. As citações remontam ao tempo do chamado mensalão. À época, CartaCapital colheu relatos de dirigentes e parlamentares do PT, juízes e empresários sobre as intervenções do ministro, depois deputado federal cassado, a favor do banqueiro. Um desses relatos foi revelado recentemente por Mino Carta em sua página na internet (blogdomino.com.br).
O então diretor-geral da PF Paulo Lacerda, atualmente afastado do comando da Abin, contou ter recebido pressões de autoridades durante a Operação Chacal, que também alvejou o Opportunity. Mino perguntou se Dirceu era uma dessas autoridades. Lacerda disse que sim.
O ex-ministro nega qualquer relação com Dantas. Ou com Marcos Valério. Ou com qualquer assunto que diga respeito ao Opportunity. Assim caminhou a entrevista, realizada na tarde da terça-feira 28. CartaCapital fez as perguntas que queria. Dirceu respondeu-as como achou melhor.
CartaCapital: O senhor tem se alinhado ao presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, nas críticas à Operação Satiagraha. Também acredita na existência de um “Estado policial”?
José Dirceu: Ao contrário. O País vive em uma democracia. Apesar das deformações ainda existentes, talvez tenhamos chegado ao momento mais democrático do Brasil. Acabamos de ter eleições. Sempre apoiei e continuo apoiando as operações da Polícia Federal, inclusive a Satiagraha. Mas sempre vou me insurgir contra a violação dos direitos individuais, contra a negação da presunção de inocência do devido processo legal. Não podem invadir meu escritório em uma operação paralela de autoridade policial. Um juiz não pode dar autorização ao pedido de um delegado e de um promotor para quebrar meu sigilo bancário e telefônico durante três meses e eu ficar sabendo pela imprensa. Meu nome não aparece uma vez no inquérito, não participo de nenhum telefonema captado pelas escutas. Não satisfeitos em quebrar o meu sigilo telefônico, quebraram o do meu escritório de advocacia, de um assessor meu, da minha namorada. E tudo isso vaza para a imprensa, o que é mais grave.
CC: O senhor se refere à Satiagraha?
JD: Venho sendo investigado sistematicamente. No caso da investigação do BNDES (Operação Santa Tereza, que investigou supostos desvios de financiamentos do banco estatal), bastou o assessor do prefeito de Praia Grande, governada pelo PSDB, partido adversário ao meu, dizer em uma conversa interceptada que “essa turma do BNDES é ligada ao Zé Dirceu e vão querer levar participação” para eu ser tratado durante semanas, na imprensa, como partícipe de um esquema de corrupção. Aí vem a história do Bejani (Carlos Alberto, prefeito de Juiz de Fora acusado de desviar recursos do Fundo de Participação dos Municípios). Durante todo o período a notícia é de que vou ser preso. O Bejani foi minuciosamente investigado. Tinha escuta na casa dele, na prefeitura. Os volumes do inquérito enchem esta sala. Não sou citado uma única vez. Mas aí em uma conversa interceptada, o Bejani diz que estava indo a Belo Horizonte assinar um convênio de 70 milhões de reais e me encontrar, e eu viro alvo novamente. O diálogo vaza para a revista Época à tarde e é desmentido logo em seguida porque os estudantes que me pegaram no aeroporto para uma palestra ficaram o tempo todo comigo e podem testemunhar que não me encontrei com o Bejani. O advogado do prefeito desmente, mas, mesmo assim, à noite, a notícia sai no Jornal Nacional como se eu estivesse envolvido na liberação desse convênio de 70 milhões. Para completar esses oito meses, vem a Satiagraha e meu nome volta à baila.
CC: Mas, no caso da Satiagraha, há o fato de sua namorada, que trabalha no Palácio do Planalto, ter marcado um encontro com o Luiz Eduardo Greenhalgh (ex-deputado do PT contratado pelo banqueiro Daniel Dantas) em um hangar da TAM no aeroporto de Brasília.
JD: E tem algo de anormal eu me encontrar com o Greenhalgh?
CC: Quando saiu aquela famosa matéria da Folha de S.Paulo, em abril, anunciando a existência da Satiagraha, o Greenhalgh começou a se movimentar atrás de informações a respeito. Falou com muita gente. E se encontrou com o senhor. O que exatamente vocês conversaram?
JD: Vou mostrar sobre o que fui falar com ele (ameaça sair da sala e recua). Falamos do caso do Cesare Battisti (italiano preso no Brasil acusado de assassinatos em seu país e que tenta evitar sua extradição por supostamente ter cometido os crimes em nome da luta política). Quando estive em Paris, fui procurado por um deputado socialista, advogado do Battisti. Ele me entregou uma carta de seu cliente. E aí me encontrei com o Greenhalgh. Mas, mesmo que não fosse isso, não há nada na Satiagraha que envolva o meu nome. Nada. A não ser uma coisa gravíssima. Como é grave o juiz ter autorizado a quebra do meu sigilo telefônico. Foi abuso de autoridade. O Humberto Braz liga para um tal Giba e fala sobre a Andrea, a secretária dele. O Giba é o assessor do Braz. Falam sobre um tal “ele”, sobre algo no meio ambiente, sobre uma consultoria paga 50% e 50% e sobre uma conta-curral. Quem vira Giba? O Gilberto Carvalho. E o Gilberto Carvalho é ligado a quem? Ao José Dirceu. É ridículo dizer isso. Qualquer pessoa no Brasil diria que o Gilberto Carvalho é ligado ao Luiz Inácio Lula da Silva. É uma questão de hierarquia. Depois, a Andrea vira a Andrea Michael, jornalista da Folha de S.Paulo e “ele” sou eu. Um absurdo.
*Confira a íntegra desta entrevista na edição impressa
Comentário.
Até que enfim o contraditório prevaleceu.CartaCapital, mais uma vez, diferencia-se do imprensalão.
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