quarta-feira, 5 de agosto de 2009

A culpa é da liberdade


05/08/2009
Por Mauro Santayana

O presidente Hugo Chávez tem com o senador Fernando Collor um sentimento em comum: ambos debitam à imprensa os seus desacertos. O chefe do governo venezuelano, que vinha, não obstante seu verbo solto, contando com a simpatia dos democratas (não só dos setores de esquerda) pela sua posição de independência e pela política social que executa, começou a exasperar-se. É sempre assim que os homens de Estado perdem o seu chão.

Collor buscou arrimar o seu fardo ao do presidente Sarney, em seu benefício, ao afirmar que ambos são vítimas da mídia. Seria melhor que debitasse as agruras passadas ao próprio descuido. Podemos esquecer as personalidades que se encontram sob os refletores, para concluir que os políticos adoram a imprensa, quando ela os promove – e a detestam, quando os critica. É certo que há, neste país, exemplos de linchamento de grandes homens de Estado – como ocorreu a Getúlio Vargas – a serviço de interesses sórdidos, mediante o conluio de alguns dos senhores da mídia e alguns jornalistas. O mesmo arranjo perverso ocorreu em 1964.

Quando a liberdade de informar e de opinar é violada, instala-se o Estado policial, sucedem-se as prisões arbitrárias, os assassinatos políticos, a submissão dos juízes e, mais tarde, a recuperação, quase sempre sangrenta, da dignidade perdida. Sem a imprensa, que os promove e os critica, poucos políticos passariam de vereadores, se chegassem a eleger-se sem seu nome impresso nas folhas municipais. A imprensa muitas vezes é injusta. Como as constrói, destrói reputações. Os jornalistas, como pessoas comuns, erram frequentemente em seu julgamento, mas, nisso, não se diferenciam dos outros. Há juízes responsáveis pela condenação de inocentes e, onde há pena de morte, o Estado comete assassinatos. Os engenheiros levantam edifícios que desabam, pilotos negligentes provocam acidentes fatídicos e empresários, para ganhar dinheiro, falsificam remédios, contaminam sangue, envenenam o solo e as águas. Sendo assim, jornalistas, algumas vezes por ingenuidade, tão condenável quanto à má fé, injuriam, caluniam, difamam. Viver é muito perigoso, conforme nos adverte o cavaleiro andante Riobaldo, nos sertões de Guimarães Rosa.

Ao contrário do que se arrogam alguns de nós, não somos missionários, nem imparciais. Recebo, com tranquilidade, as críticas mais duras de muitos leitores. Alguns me pedem que amplie as ideias, esquecendo-se de que somos limitados pelo espaço. Outros registram, e com toda a razão, que não sou imparcial. Não há jornalistas imparciais e, geralmente, os mais comprometidos são exatamente aqueles que se proclamam isentos e acima de seus sentimentos. É também certo que muitos dos jornalistas guardam, na alma, a sensação de culpa por não terem apurado devidamente uma informação e contribuído para menores ou maiores atos de injustiça para com os outros. O mundo é inconcebível sem a liberdade de informação e opinião, mas jornalistas que cometam crimes devem ser punidos, conforme a lei penal.

A censura não muda a realidade; apenas a oculta. Faria melhor Chávez se pudesse contrapor-se a seus inimigos, sem fechar emissoras de rádio. Foram os meios de comunicação que o fizeram conhecido, quando tentou derrubar um governo vassalo e corrupto. Registre-se que, mais tarde, os mais importantes meios de informação, com o apoio aberto de Bush, participaram, juntamente com o grande empresariado, da tentativa de golpe contra o presidente eleito. Mas foi a imprensa que, mesmo o atacando, tornou suas ideias conhecidas e construiu seu prestígio internacional.

Ontem fez 220 anos que dois dos homens mais ricos da França, o duque d’Aguillon e o visconde de Noailles, foram mais franceses do que nobres, e propuseram à Assembléia Nacional a abolição dos privilégios, estabelecendo a igualdade de todos diante da lei. A Revolução, que começara com a Queda da Bastilha, encontrava, três semanas depois, seu segundo e forte momento, com o fim da servidão feudal. Noailles, cunhado de La Fayette, d’Aguillon e os que os acompanharam naquele voto histórico sabiam que só se salvariam, e salvariam a França, se dessem aquele passo, importante do ponto de vista da sobrevivência do Estado, mas, acima de tudo, necessário à dignidade dos homens. Naqueles meses, a liberdade de imprensa, conquistada pelos cidadãos comuns, que publicaram mais de 200 títulos de jornais em Paris, foi decisiva para a grande mudança da História

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