domingo, 23 de agosto de 2009

Os ninguéns


As pulgas sonham com comprar um cão, e os ninguéns com deixar a pobreza, que em algum dia mágico a sorte chova de repente, que chova a boa parte a cântaros; mas a boa sorte não chovem ontem, nem hoje, nem amanhã, nem nunca, nem uma chuvinha cai do céu da boa sorte, por mais que os ninguéns a chamem e mesmo que a mão esquerda coce, ou se levantem com o pé direito, ou comecem o ano andando de vassoura.

Os ninguéns:os filhos de ninguém, os donos de nada.

Os ninguéns:os nenhuns, correndo soltos, morrendo a vida, fodidos e mal pagos:

Que não são, embora sejam.
Que não falam idiomas, falam dialetos.
Que não praticam religiões, praticam superstições.
Que não fazem arte, fazem artesanato.
Que não são seres humanos, são recursos humanos.
Que não têm cultura, e sim folclore.
Que não têm cara, têm braços.
Que não têm nome, têm números.
Que não aparecem na história universal, aparecem nas páginas policiais da imprensa local.
Os ninguéns, que custam menos do que a bala que os mata.


Eduardo Galeano, in O Livro dos Abraços.

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