Candido Mendes
Jornal do Brasil - 27/01/2010
A vitória de Piñera, no Chile, avivou as esperanças da nossa oposição de que não teremos a transferência de votos de Lula nas próximas eleições, tal como frustrou-se a de Bachelet.
Não bastaram maiorias de 82% para manter o continuísmo perpétuo de uma situação política nacional. Não seria suficiente o êxito de um governo para garantir a sua permanência, num segundo prenúncio em que começa a lamber os beiços o antiLulismo. Nem há que comparar, entretanto, o universo eleitoral dos dois países.
Com seus 11 milhões, o Chile é, sem dúvida, o país dominado, por inteiro, pela relação entre partido e a dita sociedade civil, no que caracterizou esta última vintena de poder da chamada concertación, tanto se constituiu uma vasta e sólida centro-esquerda quanto a oposição identificava-se a um eixo político aguerrido, que não se desfazia na entressafra eleitoral. Piñera não foi o candidato da explosão de um ressentimento, ou de uma forra guardada na gaveta, mas o desfecho de uma competição continuada, inclusive refletida na disciplina do comportamento parlamentar.
Não se encontra, no resultado chileno, a expressão de uma opinião pública dispersa ou errática, ou mantida na penumbra frente a uma militância permanente, atenta a programas e às suas palavras de ordem.
Nada tem de comumcom a especialíssima condição em que o povo de Lula vai às urnas. Independe cada vez mais do PT, na afirmativa do voto-opção, ao largo da ida e volta petista, das suas decepções políticas, ou das tratativas com outros partidos. Mais ainda, esses 82% fiéis e crescentes de apoio representam uma tomada de consciência coletiva que, no Brasil, levou a nação da marginalidade à afirmação política, antes mesmo da econômica e social.
O PT deu a partida a uma mobilização que o transcendeu e que hoje se vincula ao presidente. Mas seria equívoco imaginá-la como uma vinculação fetichista ou estritamente simbólica. O carisma de Lula é o de quem continua a chegada a Palácio, por uma clara melhoria generalizada do bem-estar do país. Vai às urnaseste Brasil dos ex-marginais, que trouxe à nossa economia de mercado a população de uma Colômbia, durante estes dois últimos mandatos.
As condições tangíveis de melhoria, aliás, só prosperarão daqui para o pleito de outubro próximo. Mas só servem de reforço ao que já fez o votoopção que sabe, de saída, para onde não vai, e ganha mês a mês mais fôlego para a continuidade sem continuísmo de um próximo mandato. A escolha de Dilma é só o desfecho de uma lógica básica irretorquível, em que só interfere a moção específica da candidata por pontos perdidos.
No que é o empuxe de um inconsciente social, a presença eleitoral do situacionismo reflete impecavelmente o somatório da mudança econômica, com o amadurecimento democráticoem que Lula respeitou as regras do jogo constitucional, cumulando o seu reconhecimento coletivo. O pós-Bachelet pagou o preço das regras do rotativismo partidário, de trazer à nova eleição um ex-presidente com o passivo de anticlímax e desacertos, no elo mais frágil da complexa concertación, que voltava às urnas.
Dilma não é o PT do mensalão, nem o reflexo de uma combinatória do novo aliancismo partidário. Tem, sim, a cara do PAC e do novo, na sequência, às escâncaras do que pode o Lula-lá, e torna obsoleto o país dos tucanos e do repentismo oposicionista.
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