Os fatos induzem a crer que a grande mídia tem boas possibilidades de sair das eleições deste ano como a grande derrotada, mais até do que a oposição. Mas ela pode adotar uma postura que lhe garantirá ser a grande vencedora independentemente do resultado sobretudo da eleição presidencial.
Por Eduardo Guimarães, no blog Cidadania.com
Por meu turno, adoraria ver a grande mídia consagrar-se nas eleições que se aproximam como tendo contribuído para esclarecer a sociedade sobre as propostas, defeitos e virtudes de cada candidato, sem ter tentado decretar, dissimuladamente, em quem o povo deveria votar.
Gostaria de uma mídia que se portasse como magistrada do processo eleitoral, que fizesse inclusive críticas, mas aos dois lados, sem tomar partido, apontando o que deve ser apontado, dando espaço equitativo e sem armadilhas para defesa dos políticos questionados.
Mas neste ano, se continuar como esteve posta, até aqui, a atuação da mídia, ela só poderá sair derrotada ou vencedora. E por quê? Porque a mídia tem lado e quem tem lado obriga-se a assumir os bônus da vitória ou os ônus da derrota.
Na hipótese dos meus sonhos, Globo, Folha, Veja, Estadão e os outros veículos de mídia que os seguem seriam reconhecidos pelos dois lados como tendo contribuído para esclarecimento da população, ou, no limite, os dois lados teriam queixas idênticas e na mesma intensidade sobre sua atuação no processo eleitoral.
Tome-se o exemplo de Serra. Ele deve ser o político que menos já se queixou da mídia, apesar de uma vez, faz algum tempo, ter tido a desfaçatez de reclamar. Mas ele não reclama simplesmente porque não tem razões, pois deve ser o político brasileiro menos questionado pela mídia. Menos até que Geraldo Alckmin e Mario Covas.
A credibilidade midiática, portanto, foi para o buraco, em termos políticos. Ninguém mais dá bola para os ataques diários ao governo Lula, o que fez com que até entre os mais escolarizados o apoio a ele seja hoje majoritário, a despeito dos ataques incessantes e das acusações escabrosas ao próprio presidente da República.
Mas mídia tem a fórmula para sair consagrada de 2010. E a prova disso está na excelente coluna de Josias de Souza hoje em seu blog, que reproduzo neste post. Só quero alertar que essa é a primeira crítica de verdade que ele fez ao governador paulista em tanto tempo que nem me lembro de quando foi a última.
Para a mídia vencer, portanto, ela só precisa abraçar o público, ficar do lado dele, mostrar que o respeita. Aí está o poder que a mídia tenta manter por métodos que só a têm feito perder, ao menos ao longo desta década.
Com vocês, abaixo, Josias de Souza:
Serra adota discurso de vítima diante das enchentes
Existe São Paulo. E existe “São Paulo”. Há a cidade e o coletivo em que ela se transformou.
Pode ser coletivo majestático ou pejorativo. Depende do lado que você está e do que lhe vem à mente quando ouve “São Paulo”.
Sem aspas, São Paulo é trabalho, é locomotiva, é PIB. Com aspas, pode ser poluição, engarrafamento, caos urbano.
Nos dias que correm, “São Paulo” é enchente, é morte. A água penetra todas as suas residências. Nalgumas, chega pela TV. Noutras, faz boiar os móveis.
José Serra levou ao microblog, na madrugada desta quarta (27), meia dúzia de palavras sobre o flagelo. Escreveu como vítima, não como governador.
Contou: “Fui até a estrada de Itapevi, onde o temporal abriu uma cratera impressionante. Prevendo o risco, o DER havia feito uma interdição na via”.
Celebrou: “Só por isso não houve maior tragédia. O carro com dois funcionários do DER despencou, mas felizmente eles foram resgatados e passam bem”.
Esmiuçou: “Tentei ir a Bauru, mas não consegui. Com o temporal, o aeroporto de Congonhas estava feito sanfona: abria e fechava o tempo todo”.
Contabilizou: “Este é o mês de janeiro mais chuvoso em SP, desde 1995, quando o Centro de Gerenciamento de Emergências passou a fazer medições.”
Comparou: “Pra vocês terem uma idéia: o previsto para todo o mês de janeiro eram 239 mm. Na zona norte de SP, choveu 43 mm só nesta terça-feira!”
Espantou-se: “A Estação Meteorológica da USP registrou, 5ª feira passada, o maior volume acumulado de chuva em janeiro desde 1932, quando começou a medir”.
Quem teve a ventura de ler José Serra sentiu falta de um governador. Alguém que discorresse sobre planos e medidas.
Quem leu José Serra teve a impressão de que ele não é propriamente um governador. É apenas mais uma vítima. Ou, por outra, é a ausência de solução com doutorado.
Uma espécie de nada com PhD, a contemplar a cidade desde a janela do Palácio dos Bandeirantes.
José Serra talvez ainda não tenha se dado conta, mas o cargo de governador tirou dele o conforto de habitar o mundo acadêmico.
Para um "scholar", habituado a observar os paradoxos do caos social de longe, com distanciamento brechtiano, o diagnóstico é o Éden.
Mas o cidadão que se encontra cercado de água por todos os lados anseia pela resolução de seus problemas. Espera, quando menos, por um lenitivo.
Poder-se-ia objetar que o despreparo de “São Paulo” para lidar com as enchentes é produto do descaso de muitos governos.
A objeção não socorre, porém, o tucanato de José Serra, no poder em “São Paulo” há uma década e meia.
Assim, as divagações noturnas de José Serra não têm senão a utilidade de dar ao seu autor a sensação de que seus relatos são úteis.
De resto, enquanto estiver empilhando estatísticas e relatos molhados, José Serra pode eximir-se de tarefas menores. Apresentar providências, por exemplo.
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