Paulo Nogueira
O que é fato é que
é mais um embaraço para o presidente do STF e outra mancha para a reputação de
um homem que posou como um Catão para os brasileiros no julgamento do Mensalão
E mais uma vez
Joaquim Barbosa aparece em meio a uma controvérsia.
Para sonegar
imposto, ele abriu uma empresa nos Estados Unidos ao comprar uma casa em Miami
calculada em 1 milhão de reais.
A empresa se chama
Assas JB Corp, e os brasileiros souberam dela pela Folha de ontem.
A sonegação
derivada da Assas JB é, a rigor, um problema americano. Com ela, JB transmite a
seus herdeiros a casa sem os impostos habituais.
Vai ser
interessante observar como as autoridades dos Estados Unidos – neste momento
lutando fortemente para evitar mecanismos de sonegação – lidarão com a Assas
JB.
No Brasil, você tem
um duplo efeito colateral.
O primeiro é moral:
tudo bem um presidente do STF recorrer a uma mentira – uma empresa não
existente – na ânsia de burlar o Fisco?
O segundo é legal:
o Estatuto do Servidor trata da questão de empresas privadas. Proíbe
"participar de gerência ou administração de empresa privada, de sociedade
civil, ou exercer o comércio, exceto na qualidade de acionista, cotista ou
comanditário".
Você fica em
dúvida, ao ler, se a exceção — no caso de acionista como JB — é para tudo ou
apenas para o comércio. Na internet, a proibição tem sido lembrada, mas sem o
complemento confuso.
O que é fato é que
é mais um embaraço para Joaquim Barbosa e outra mancha para a reputação de um
homem que posou como um Catão para os brasileiros no julgamento do Mensalão.
Em todo o mundo,
nas questões tributárias, está sendo feita hoje uma distinção entre o que é
"legal" e o que é "moral".
Nos últimos 30
anos, grandes empresas em todo o mundo encontraram brechas para reduzir ao
mínimo os impostos pagos. Recorreram a paraísos fiscais.
Empresas como
Google, Apple, Microsoft e Apple, para ficar apenas em alguns exemplos,
carregam contabilmente quase todo o seu faturamento bilionário para países em
que a carga fiscal é quase nula.
É legal? Sim. É
moral? Não.
O governo britânico
está dando combate a esse tipo de coisa. Recentemente, o caso do Google foi
analisado no Parlamento.
A deputada Margaret
Hodge, presidente do Comitê de Contas Públicas, assinou um relatório cheio de
informações.
"O Google vem
tendo enormes lucros no Reino Unido. Mas, apesar do faturamento de 18 bilhões
de dólares entre 2006 e 2011, pagou o equivalente a apenas 16 milhões de
dólares em impostos para o governo do Reino Unido."
Continuou a
deputada:
"O Google
descaradamente argumentou perante este comitê que seu regime fiscal no Reino
Unido é defensável e legal. Alegou que
suas vendas de publicidade são
realizadas na Irlanda, e não no Reino Unido."
"Esse
argumento é profundamente inconvincente e foi minado por informações de
denunciantes, incluindo ex-funcionários do Google, que nos disseram que a
equipe baseada no Reino Unido está envolvida nas vendas de publicidade. O
pessoal na Irlanda simplesmente processa as contas."
Ainda a deputada:
"Diminuiu
também nossa confiança no HMRC [o equivalente à Receita Federal]. É
extraordinário que o HMRC não tenha questionado o Google sobre a
incompatibilidade total entre suas receitas e seus impostos no Reino
Unido."
"O HMRC
precisa ser muito mais eficaz no combate a estruturas corporativas artificiais
criadas pelas multinacionais com nenhuma outra finalidade que não para evitar
impostos."
A empresa criada
por Joaquim Barbosa enquadra-se exatamente aí: não tem nenhum outro propósito
que não seja evitar impostos.
No caso de JB, o
debate fiscal se soma ao dos privilégios desfrutados pelos magistrados – e de
usos e costumes altamente questionáveis.
Recentemente, soube-se
que ele usou verba pública para viajar de Brasília ao Rio para ver um jogo da
seleção brasileira.
Viu no camarote de
Luciano Huck, hoje chefe de seu filho na Globo. Existe aí um claro conflito de
interesses.
A Globo, como o
Google, tem práticas fiscais extremamente agressivas. Há uma pendência
bilionária na Receita sobre uma trapaça fiscal da Globo em que a compra de
direitos de transmissão da Copa de 2002 foi contabilmente tratada como um
investimento no exterior.
Caso esta questão,
ou qualquer outra da Globo, chegue ao Supremo, qual a isenção de JB para
julgá-la?
E não só dele,
aliás. O novo integrante do Supremo, Luiz Roberto Barroso, trabalhava até
recentemente para a organização que faz o lobby da Globo, a Abert.
A Justiça
brasileira tem, para prejuízo do interesse público, relações de grande
promiscuidade.
Não há muito tempo,
empresas privadas e públicas patrocinaram um encontro de juízes federais em um
resort na ilha de Comandatuba, sul da Bahia.
No encontro, os
juízes ocuparam apartamentos de luxo e bangalôs cujas diárias variam entre 900
e 4 mil reais. Os participantes tinham direito a levar acompanhantes.
Os participantes
podem julgar casos fiscais em que as empresas patrocinadoras da boca livre
sejam réus. Isso configura um monumental conflito de interesses.
Na mesma linha, o
jornal Lance revelou há algum tempo que a CBF pagou todas as despesas de um
torneio de futebol entre juízes federais espalhados pelo país.
Não era a primeira
vez que a CBF oferecia mimos a magistrados, notou o jornal. Ficaram tristemente
famosos os vôos da alegria promovidos pela CBF nas Copas do Mundo de 1994, nos
Estados Unidos, e em 1998, na França.
Altos funcionários
da Justiça, acompanhados de suas mulheres, ficaram em hotéis cinco estrelas
pagos pela CBF.
Como lembrou o
Lance, Ricardo Teixeira, então presidente da CBF, foi condenado, em agosto de
2000, a seis anos de prisão por prestar informações falsas às autoridades.
Só que a sentença
ficou tanto tempo parada no Superior Tribunal de Justiça que prescreveu, e
Ricardo Teixeira se livrou da condenação.
Quem fiscaliza as
práticas dos magistrados? A mídia deveria fazer isso. Mas quase não faz. Como
fiscalizar os passos de alguém que foi classificado como o "menino pobre
que mudou o Brasil", como fez a Veja na época do Mensalão?
Há esparsos
esforços de investigação da mídia. Um deles, no calor dos protestos de junho,
veio do Estado de Minas.
Assinalou o jornal:
"Com salários
na casa dos R$ 28 mil, os ministros do STF têm direito a cota de passagens que
deve ser gasta em viagens oficiais, mas pode ser estendida a parentes, quando,
diz uma resolução interna de 2010, a presença deles for indispensável. Os
magistrados e também os representantes do MP têm ainda benefícios como auxílio-alimentação,
licença remunerada para estudar no exterior e duas férias por ano de 30 dias
cada – com direito a um terço a mais do salário por período."
Continuou o jornal:
"Como se não
bastassem tantas regalias, alguns ainda têm direito a certos "mimos",
como um "assessor de check-in", funcionário especializado em agilizar
os voos no aeroporto de Brasília de senadores e ministros do Supremo Tribunal
Federal (STF). De terno e gravata, ele providencia o cartão de embarque, o
despacho das malas e ainda carrega as bagagens de mão. Tudo para evitar que
essas autoridades tenham que enfrentar filas ou se misturar aos demais
passageiros."
"Um contraste
não só com a rotina do trabalhador, mas também com a dos colegas da Suécia,
onde os parlamentares não têm direito a assessores, secretária, carro oficial.
Lá, o que lhes cabe é apenas um apartamento funcional de até 40 metros
quadrados, com cozinha e lavanderia comunitárias."
A mídia é leniente
na fiscalização a magistrados. O que fazer então?
Claudio Abramo,
coordenador da Transparência Brasil, entende que compete à sociedade mesma
exercer a fiscalização. A sociedade tem que cobrar firmemente transparência nos
gastos públicos, diz ele.
"Esse negócio
de ter carro, motorista e regalias paralelas é tipicamente latino. E não é
apenas para compensar os salários pagos no setor público. Quem ocupa esses
cargos quer ser distinguido como ocupante de um cargo de nobreza, com símbolos
exteriores de prestígio", afirma Abramo.
No mundo, dois
homens extraordinários estão dando um exemplo formidável na questão de
privilégios.
Um deles é o Papa
Francisco, que viajou de classe econômica de Buenos Aires para o conclave que o
elegeu para o Vaticano.
O outro é Pepe
Mujica, o presidente do Uruguai, que vive em seu sítio modesto e não no palácio
presidencial, e dirige seu próprio Fusca.
Quem sabe os homens
públicos brasileiros se inspirem em tais figuras?
Enquanto isso não
ocorre, para lembrar a boa recomendação de Claudio Abramo, compete à sociedade
cobrar transparência, transparência e ainda transparência.
Um comentário:
VC NÃO TEM CORAGEM DE DEIXAR MEU COMENTÁRIO PORQUE É CONVARDE COMO TODOS OS POLITICOS SÃO.
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