Chico Cavalcante
Oncologista
respeitado, Dráuzio Varella tornou público artigo em que critica de modo raso o
programa “Mais Médicos” sem fazer nenhum esforço para entender o problema a
partir do ponto de vista da população empobrecida
Robert L.
Stevenson, autor da obra prima "A Ilha do Tesouro", também nos deixou
como herança o livro “O Médico e o Monstro”.
Lançada em 1886, a
obra se notabiliza pela descrição minuciosa de uma atmosfera sombria, que
prende o leitor a um clima crescente de terror.
A trama conta a
história do médico Dr. Jekyll , honesto e virtuoso, que tenta, em suas
experiências científicas, dividir sua personalidade boa da influência de sua
natureza má.
É dessa dualidade
que nasce o pavoroso Mr. Hyde, materialização de suas inclinações perversas,
libertado por uma fórmula química elaborada secretamente no laboratório do Dr.
Jekyll. Receoso da reprovação social, o bom médico procura manter sua criatura
oculta. No início ele alcança seu intento, mas aos poucos vai encontrando
dificuldades para retomar sua personalidade primordial.
Com o passar do
tempo, e impossibilitado de produzir mais doses de sua fórmula, o médico é
dominado pelo monstro. Pouca gente sabe que este enredo foi inspirado por uma
história real, a de um marceneiro de Edimburgo, vítima de dupla personalidade.
O que estamos vendo
neste momento no Brasil é uma versão moderna da obra de Stevenson. A dupla
personalidade das corporações médicas, libertadas pelos interesses mesquinhos e
por um alinhamento político de direita, está vindo à luz, revelando o Mr. Hyde
que os aventais brancos sempre tentaram ocultar e que, figura grotesca que
corre pelos becos escuros da mentira, buscando turvar o debate real sobre a
situação da saúde no país.
Da escuridão de
suas escolhas mesquinhas, dizem que o governo estaria “responsabilizando os
médicos” pela crise e criando "o serviço médico obrigatório" como se
atender o povo pudesse ser um castigo. “Não é só pelos R$ 0,20”, mas R$ 0,20,
representados aqui pela falta de médicos, foi sim o fator desencadeante da crítica
pesada da população à precariedade de nosso sistema de saúde.
Afinal, não se faz
saúde pública apenas com médicos, mas também não se faz sem médicos.
Não há postos de
saúde de excelência em todos os municípios do país, não há hospitais de alta
complexidade ali, mas não se pode esperar que primeiro se construísse essas
estruturas para depois se colocar médicos e remédios e então prestar
atendimento clínico para evitar ataques cardíacos, prevenir o câncer, a
diabetes, a obesidade, os acidentes de trânsito, as doenças pulmonares, os
derrames cerebrais, o tabagismo e as doenças pulmonares.
A população, na
análise dessas entidades, deve parar de adoecer até que a estrutura de primeiro
mundo se erga a seus pés.
Ao engrossar o
mantra das corporações médicas e da legião de Mr. Hydes em marcha no país,
Dráuzio Varella frustra aqueles que, como eu, esperava dele uma crítica
qualificada.
Oncologista
respeitado, Dráuzio Varella tornou público artigo em que critica de modo raso o
programa “Mais Médicos” sem fazer nenhum esforço para entender o problema a
partir do ponto de vista da população empobrecida, adotando de modo acrítico os
argumentos das corporações médicas, que negam o apagão médico, indo na
contramão das pesquisas sucessivas, como a do Ipea, que o confirmam ser o
principal problema da saúde no Brasil a falta de médicos, associada ao péssimo
atendimento nos balcões da rede pública de atendimento.
Para Varella, que
tem horário cativo na Rede Globo de Televisão, principal veiculo de oposição ao
governo Dilma, a presidenta erra e faz uma “simplificação demagógica” ao
apregoar como um grande salto na qualidade do atendimento à população a
obrigatoriedade de médicos recém-formados prestarem serviços em localidades
pobres e remotas.
O crítico, contudo,
não apresenta nenhuma ideia melhor para resolver “a simplificação” do governo e
desfia seu rosário pessoal de simplificações demagógicas, inúteis seja para
esclarecer o debate seja para apresentar alternativas aplicáveis à realidade do
país.
A primeira e mais
frustrante das simplificações é sua afirmação de que a saúde no Brasil “padece
de dois grandes males: falta de dinheiro e gerenciamento incompetente”.
Bem, é provável que
Pero Vaz de Caminha, em 1500, já tenha deixado alguma anotação a respeito dos
dois grandes males apontados, como revelação, em 2013 por Varella. Mas, diante
deste diagnóstico, o que o governo deveria fazer?
Dr. Varella passa
ao paciente uma receita em branco. O gigante da divulgação médica no Brasil se
apequena ao desviar a atenção de uma proposta concreta (levar médicos a lugares
onde não há médicos) apresentando tergiversações, como a falta de dinheiro e de gestão do
setor, como se tivesse flagrado um fenômeno recente, como se isso não fizesse
parte do diagnóstico feito pelo próprio Ministro Alexandre Padilha e, ainda,
como se o governo federal fosse o único ente responsável pela gestão da saúde
no país, isentando de responsabilidade, municípios e estados.
Não seria isso uma
simplificação demagógica, doutor?
O candidato
vitalício a presidente José Serra, agora de mudança para o PPS, ocupou o
Ministério da Saúde e não resolveu nenhum dos problemas que hoje seu amigo
Varella aponta no Sistema Único de Saúde. A falta de dinheiro e o gerenciamento
incompetente passaram pelas mãos de Serra e do PSDB de FHC e Aécio e não se
avançou um milímetro. Ao contrário. Ainda na pasta da saúde, respondendo a
críticas de incompetência e falta de recursos, Serra cunhou uma frase de rara
lucidez: "se todo o orçamento do país fosse aplicado em saúde, ainda assim
faltaria dinheiro".
A frase de Serra
lúcido quebra ao meio o argumento de Varella ao mostrar que nenhum dinheiro
será suficiente para honrar a dívida histórica do país com seus miseráveis. Na
contramão do povo, Varella diz que o problema da saúde no Brasil não é prover
mais médicos para o atendimento ambulatorial, nas periferias das cidades e no
campo, mas ampliar a o derrame de recursos, que ele próprio afirma ter sido
incapaz de dar conta de um público de 150 milhões de almas.
Pensando estar indo
em linha reta, Varella corre em círculos.
Não sei onde
Varella leu que o governo está atribuindo responsabilidade pelos problemas no
SUS “à simples falta de médicos”, mas suponho que tenha sido no "Il Popolo
d'Italia", a revista Veja, que nunca surpreende seus leitores ao se
posicionar sempre e invariavelmente contra tudo o que o governo Dilma faz e que
o governo Lula fez.
Varella se deixou
contaminar pelo conformismo de sua corporação. Esquece, assim, de explicar que
o déficit de leitos hospitalares e o despreparo do SUS para atender à demanda
das enfermidades mais graves não começaram com o governo do PT, sendo uma
herança histórica que foi agravada nos anos FHC.
A diferença é que
agora o problema é encarado e enfrentado com políticas efetivas, o que implica
na ampliação dos recursos repassados aos estados e municípios e na construção
de uma rede de equipamentos novos, que incluiu a construção e reforma de
hospitais, a ativação do SAMU na maioria dos municípios, a compra de equipamentos
de diagnóstico por imagem, a universalização do Programa Saúde da Família e a
implantação de centenas de Unidades Básicas de Saúde, dentre outras ações.
Varella sabe, mas
ignora em seu artigo, que os municípios que terão prioridade para receber os
médicos do programa federal foram selecionados de acordo com critérios
objetivos: municípios que tem alta vulnerabilidade, capitais ou regiões
metropolitanas em que existam áreas com populações em situação de maior
vulnerabilidade, municípios com mais de 80 mil habitantes, com os mais baixos
níveis de receita pública per capita do país e alta vulnerabilidade social de
seus habitantes, e Distritos Sanitários Especiais Indígenas.
O humanista Varella
tem uma extensa biografia que mostra que ele é, como Dr. Jekyll , um homem
honesto e virtuoso. Ao reproduzir acriticamente os argumentos sombrios das
corporações médicas e das empresas privadas que controlam a prestação de
serviços médicos, que se aferram à reserva de mercado e fazem política de cerco
e aniquilamento contra Dilma, sem oferecer alternativas, Varella deixa que a
sombra tristemente pavorosa de Mr. Hyde se projete sobre ele.
Um comentário:
Agora em SP eles estão sendo denunciados em uma maternidade pública de bater o cartão sem trabalhar. Em quinze minutos entram e saem, sem voltar. Cadê o MP???
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