Davis Sena Filho
O nosso País se
tornou um lugar onde os doutores de medicina, inegavelmente, dedicam-se aos
seus negócios privados, prazeres, interesses econômicos e financeiros
Juramento de
Hipócrates
"Prometo que, ao
exercer a arte de curar, mostrar-me-ei sempre fiel aos preceitos da
honestidade, da caridade e da ciência. Penetrando no interior dos lares, meus
olhos serão cegos, minha língua calará os segredos que me forem revelados, o
que terei como preceito de honra. Nunca me servirei da minha profissão para
corromper os costumes ou favorecer o crime. Se eu cumprir este juramento com
fidelidade, goze eu para sempre a minha vida e a minha arte com boa reputação
entre os homens; se o infringir ou dele afastar-me, suceda-me o
contrário".
Todo mundo sabe, até
os muito idosos, os recém-nascidos e as crianças do jardim de infância que
grande parte dos médicos trabalha em vários empregos, bem como é dona de
consultórios na iniciativa privada. Muitos dos profissionais de saúde integram
o serviço público, pois sabem que a estabilidade no emprego é sempre um trunfo
na vida, afinal sabemos que viver é difícil. Enfim, a luta pela sobrevivência é
para valer, razão pela qual a maioria dos pais sempre quando pode aconselha os filhos
a levar a vida a sério, e, consequentemente, ter menos motivos para lamentar o
que deixou de fazer por causa das dificuldades que se apresentam no decorrer de
suas existências.
Acontece que todo
mundo sabe que milhares de médicos são também os responsáveis pela crise na
saúde, porque não têm compromisso com a sociedade e muito menos com o juramento
de Hipócrates, que é um ensinamento profundo e primordial sobre a profissão de
médico, que tem de ser exercida como um sacerdócio e não apenas como um meio
para auferir lucros e dividendos, como se observa no Brasil.
O nosso País se
tornou um lugar onde os doutores de medicina, inegavelmente, dedicam-se aos
seus negócios privados, prazeres, interesses econômicos e financeiros, ao ponto
de largarem, irresponsavelmente, os seus afazeres no serviço público, para irem
direto aos seus consultórios ganhar dinheiro e atender os privilegiados, que
podem pagar altos preços para ser atendidos por esses profissionais
essencialmente capitalistas e que servem com exemplo ou símbolo de um mundo
globalizado economicamente e, contraditoriamente, egoísta por ser
exageradamente consumista, pois é edificado em um individualismo que se
contrapõe a essência histórica da alma humana, que sempre se baseou durante
milênios na solidariedade, por motivos associativos, comunitários, e,
principalmente, de sobrevivência.
Eis que as
patricinhas e os mauricinhos vestidos de branco — os médicos playboys —, com o
apoio dos Conselhos de Medicina, tanto em âmbitos regionais quanto federal,
saem às ruas com a intenção, inequívoca, de impedir que o Governo Federal
resolva uma das pautas das manifestações de junho, que é fazer com que o
atendimento médico chegue às periferias, às comunidades mais humildes das
grandes e médias cidades, onde moram milhões de brasileiros, bem como as suas
presenças passem a fazer parte do panorama do Brasil profundo, os rincões
brasileiros, cujos moradores têm dificuldades para ter acesso ao serviço
público de saúde, por falta de médicos.
Evidentemente, os
governos Federal, estaduais e municipais têm de dar as condições estruturais
(equipamentos, ferramentas e logística) para os médicos, enfermeiros,
auxiliares de enfermagem, além dos profissionais dos setores administrativos
das unidades hospitalares. Ponto. Contudo, sem generalizar, sabemos também que
a classe médica dá a impressão de estar divorciada dos interesses e das
necessidades do povo brasileiro e exerce a profissão com uma postura classista
arrogante, preconceituosa e elitista, como bem demonstraram, sem resquício de
dúvida, as declarações de certos manifestantes e lideranças classistas aos
meios de comunicação de negócios privados.
A luta empreendida
pelos médicos e principalmente pelos representantes dessa classe, verdadeiros
barões da medicina, é lamentável. Os protestos contra o programa do Governo
trabalhista conhecido como "Mais Médicos" denota, sem sobra de
dúvida, que grande parte dos médicos brasileiros não está preocupada com a
melhoria na área de saúde, com estrutura ou atendimento. Os doutores demonstram
o quanto são descompromissados com a nação brasileira. As realidades atuais do
setor de saúde são boas e adequadas para essas pessoas e não para o povo. Os
médicos controlam e querem continuar a controlar o mercado de empregos, o
dinheiro que circula no segmento, além de se aliarem aos laboratórios
multinacionais. Eles estão encastelados nas unidades de saúde da iniciativa
privada e têm como porta-vozes da classe profissional os médicos que controlam
o Conselho Federal de Medicina.
Os cartazes, as
faixas e as palavras de ordem dos médicos que estão a marchar nas ruas de todo
o Brasil são preenchidos com dizeres autoritários, intolerantes,
preconceituosos e arrivistas. São seres niilistas em toda a sua essência,
porque eles, tais quais os filhos da classe média feroz e de direita, que
inundaram as ruas em junho, também se autodenominam "apartidários" e
"apoliticos". Entretanto, os de branco não abrem mão de seus
privilégios e por causa deles lutam para mantê-los intactos, porque o que está
em jogo é o controle do grande negócio que é a medicina e do qual se
locupletam.
Por isto e por causa
disto se recusam a ir para o interior ou para as periferias, ao tempo que
boicotam e sabotam o programa "Mais Médicos" e dão uma de
"joão-sem-braço" ao afirmarem que apenas faltam estrutura e
logística, quando a verdade é que faltam médicos também. Os médicos playboys
querem ganhar de todos os lados, por intermédio da iniciativa privada, bem como
do setor público. Só que para lucrar no segmento particular tem de bater o
ponto nas unidades de atendimento pertencentes á saúde pública. E o fazem, de
forma corriqueira, ordinária e recorrente.
Simplesmente eles
batem o ponto, e vão embora, com o objetivo de atender pacientes em seus
consultórios particulares ou unidades hospitalares da iniciativa privada, que,
por sinal, cobram muito caro e atendem muito mal. A resumir: muitos médicos
concursados ou terceirizados que atendem na rede hospitalar pública abandonam
solenemente os seus postos de trabalho e vão ganhar dinheiro no setor privado.
No fim do mês, eles recebem em suas contas correntes o salário pago pelo povo
contribuinte brasileiro. Essa conduta é "normal" no meio, inclusive,
muitas vezes, com a conveniência dos próprios diretores e administradores das
unidades de saúde pública onde os médicos playboys trabalham.
É o arrivismo em toda
a sua plenitude, a apresentar, indelevelmente, toda a sua natureza sórdida e
infame, com o apoio da imprensa golpista, pois essencialmente de mercado. Hoje
no "Mau Dia Brasil", da Rede Globo, os apresentadores Renata
Vasconcellos e Chico Pinheiro cantaram loas e boas aos protestos mequetrefes
dos médicos playboys. Não satisfeitos, os jornalistas de tal concessionária
pública de comunicação "entrevistaram" um paciente que se disse
satisfeito com o atendimento médico, bem como "entrevistaram" também
um pedestre ou transeunte, que afirmou ao repórter, que estava a praticar o
verdadeiro jornalismo de esgoto, que apoiava as manifestações dos médicos.
E por que o repórter
deu voz a uma pessoa "satisfeita" com o SUS ao tempo que outro
cidadão disse que "apóia" os protestos dos médicos? Respondo: são
casos de pirotecnia e de contorcionismo jornalístico. A imprensa alienígena e
corporativa faz oposição ao governo trabalhista; e qualquer movimento social
que possa favorecer a oposição, a imprensa o abraça e rapidamente digere a
contestação em prol de seus interesses, que geralmente visam as eleições, bem
como ajudam a desconstruir os governantes trabalhistas que assumiram o poder da
República a partir de 2003.
É a primeira vez, em
anos, que eu fui surpreendido pelos empregados da família Marinho a
"elogiar", por meio de um paciente, o atendimento do SUS. Também
fiquei igualmente surpreendido com o apoio de um cidadão comum às passeatas dos
médicos playboys, que não querem ir para a periferia e o interior, mas mesmo
assim, de forma prepotente e arrogante, querem impedir a contratação de médicos
estrangeiros e dar fim ao programa "Mais Médicos" do Governo
trabalhista.
A verdade é a
seguinte: o Mau Dia Brasil e os seus "âncoras" apóiam a desfaçatez e
a insensatez dos médicos. Para dar satisfação ao público, o telejornal matutino
precisou amenizar a ausência de milhares de profissionais de saúde de seus
postos de trabalho, e rapidamente trataram de elogiar o que jamais elogiaram: o
atendimento do Sistema Único de Saúde, por intermédio de um paciente que disse
que estava até surpreso com o bom atendimento. Algo assim: os médicos playboy
faltam e vão às ruas protestar, mas nem por isso o atendimento ficou pior. Pelo
contrário, até melhorou. Durma-se com um barulho desse. Os médicos playboys
desconhecem a existência de Hipócrates. É isso aí.Fonte:Palavra Livre
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