Mauro Santayana
Em 1956, conheci,
na cidade do Serro, em Minas, o médico Antonio Tolentino, que era o
profissional mais idoso ainda em atividade no Brasil. Ele chamava a atenção por
dois motivos: coubera-lhe assistir ao parto de Juscelino, em 1902, e não
alterara o valor da consulta, que equivalia,
então, a cinco cruzeiros. Entrevistei-o, então, para a Revista Alterosa,
editada em Minas e jádesaparecida. -
Em razão da
matéria, o deputado federal Vasconcelos Costa obteve, da Câmara, uma pensão
vitalícia da Uniãopara o médico, que morreu logo depois. Ele tinha, na época,
94 anos – e setenta de atividade. Seus descendentes criaram um museu, em sua
casa e consultório. Uma das peças é o anúncio que fez, logo no início da
carreira: “aos pobres, não cobramos a consulta".
Confesso o meu
constrangimento. Estou em idade em que
dependo, e a cada dia mais, de médicos, e de bons médicos, é claro. Tenho,
entre eles, bons e velhos amigos. O que me consola é que os meus amigos estão
mais próximos da filosofia de vida do médico Antonio Tolentino, do que dos que
saíram em passeata, em nome de seus direitos, digamos, humanos.
Mais do que outros
profissionais, os médicos lidam com o único e absoluto bem dos seres, que é a
vida. Os enfermos a eles levam as suas dores e a sua esperança. É da razão
comum que eles estejam onde se encontram os pacientes – e não que eles tenham
que viver onde os médicos prefiram
estar.
Jatene recomenda a
formação de bons clínicos e, só a partir disso, a especialização médica. Os
médicos de hoje estão dependentes, e a cada dia mais, dos instrumentos
tecnológicos sofisticados de diagnóstico, e
cada vez menos de seu próprio saber. O vínculo humano entre médico e
paciente – salvo onde a medicina é estatizada – é a cada dia menor. Assim,
Jatene defende o sistema do médico de família. Esse sistema permite o
acompanhamento dos mesmos pacientes ao longo do tempo, e a prática de medidas
preventivas, o que traz mais benefícios para todos.De todos os que trataram do
assunto, a opinião que me pareceu mais justa foi a de Adib Jatene. Um dos
profissionais mais respeitados do Brasil, Jatene acresce à sua autoridade o
fato de ter sido, por duas vezes, Ministro da Saúde. Ele está preocupado, acima
de tudo, com a qualidade do ensino médico no Brasil. Se houvesse para os
médicos exames de avaliação, como o dos bacharéis em direito, exigido pela OAB
para o exercício profissional, o resultado seria catastrófico.
Entre outras
distorções da visão humanística do Ocidente, provocadas pela avassaladora
influência do capitalismo norte-americano, está a de certo exercício da
medicina e da terapêutica. A indústria farmacêutica passou a ditar a ciência
médica, a escolher as patologias em que concentrar as pesquisas e a produção de
medicamentos. A orientação do capitalismo, baseada no maior lucro, é a de que
se deve investir em produtos de grande procura, ou, seja, para o tratamento de
doenças que atinjam o maior número de compradores. Dentro desse espírito, a
medicina, em grande parte, passou a ser
especulação estatística e probabilística.
Os médicos
protestam contra a contratação de profissionais estrangeiros, pelo prazo de
três anos, para servir em cidades do interior, onde há carência absoluta de
profissionais. Não seriam necessários, se os médicos brasileiros fossem bem
distribuídos no território nacional, mesmo considerando a má preparação dos
formados em escolas privadas de péssima qualidade, que funcionam em todo o
país.
Ora, o governo
oferece condições excepcionais para os que queiram trabalhar no interior. O
salário é elevado, de dez mil reais, mais moradia para a família, e
alimentação. É muitíssimo mais elevado do que o salário oferecido aos
engenheiros e outros profissionais no início de carreira. Ainda assim, não os
atraem. E quando o governo acrescenta ao currículo dois anos de prática no SUS,
no interior e na periferia das grandes cidades, vem a grita geral.
Formar-se em uma
universidade é, ainda hoje, um privilégio de poucos. Os ricos são privilegiados
pelo nascimento; os pais podem oferecer-lhe os melhores colégios e os cursos
privados de excelência, mas quase sempre vão para as melhores universidades
públicas, bem preparados que se
encontram para vencer a seleção dos vestibulares. Os pobres, com a ilusão do
crescimento pessoal, sacrificam os pais e pagam caro a fim de obter um diploma
universitário que pouco lhes serve na dura competição do mercado de trabalho.
Um médico sugeriu
que a profissão se tornasse uma “carreira de estado”, como o Ministério Público
e o Poder Judiciário. Não é má a idéia, mas só exeqüível com a total
estatização da medicina. Estariam todos os seus colegas de acordo? Nesse caso
não poderiam recusar-se a servir onde fossem necessários.
Temos, no Brasil, o
serviço civil alternativo que substitui o serviço militar obrigatório, e é
prestado pelos que se negam a portar armas. Embora a objeção possa ser
respeitada em tempos de paz, ela não deve ser aceita na eventualidade da
guerra: a defesa da nação deve prevalecer. Mas seria justo que não só os
pacifistas fossem obrigados, pela lei,depois de formados pelos esforços da
sociedade como um todo, a dar um ou dois anos de seu trabalho à comunidade
nacional, ali e onde sejam necessários. Nós tivemos uma boa experiência, com o
Projeto Rondon, que deveria ser mais extenso e permanente como instituição no
Brasil.
As manifestações recentes
mostram que todos, em seus conjuntos de interesses, querem mais do Estado em
seu favor. Não seria o caso de oferecerem alguma coisa de si mesmos à sociedade
nacional? Dois anos dos jovens médicos trabalhando no SUS – remunerados modestamente
e com os gastos pagos pelo Erário – seriam um bom começo para esse costume. E a
oportunidade de aprenderem, com os desafios de cada hora, a arte e o humanismo
que as más escolas de medicina lhes negaram.JB Online
Um comentário:
Pau mandado esfomeado , O senhor é nojento filho do Diabo.
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