Segundo o professor
Timothy Power, da Universidade de Oxford, “Dilma está mais fraca”, mas isso não
melhora as chances eleitorais de nenhum dos seus adversários
A
agenda dos brasileiros tornou-se “pós-materialista”, afirma Timothy. Questões
ligadas à “sobrevivência física e econômica são menos importantes no Brasil
atual”Dos acadêmicos estrangeiros que adotaram o Brasil como objeto de estudos
(os chamados “brasilianistas”), o cientista político Timothy Power está entre
os mais ativos. Nascido nos Estados Unidos, mas há sete anos residindo na
Inglaterra, ele dirigiu entre 2008 e 2012 o Centro de Estudos Latino-Americanos
da Universidade de Oxford, no qual continua coordenando o programa de estudos
brasileiros. Seu interesse pelo país, onde faz pesquisas desde 1990, se faz
sentir na fluência com que fala português, com um sotaque bastante discreto.
O Congresso em Foco
encontrou Timothy por acaso, ao fim da tarde da última quinta-feira, no Senado.
De saída de uma reunião no Instituto Legislativo Brasileiro (ILB), com o qual
organiza um seminário sobre “presidencialismo de coalizão”, a se realizar em
setembro, ele topou conversar sobre o significado das manifestações que
ganharam as ruas brasileiras e o impacto que elas podem ter nas próximas
eleições.
Apesar da ligeireza
da conversa (pouco mais de 20 minutos), o pesquisador fez algumas observações
dignas de atenção. As mais interessantes dizem respeito ao impacto eleitoral
dos protestos populares.
Na sua opinião,
“forças conservadoras não vão se beneficiar” dos protestos. O que vale, no seu
entender, tanto para a direita mais radical quanto para nomes como o do senador
Aécio Neves (PSDB-MG). Já Marina Silva lhe parece “quase o suficientemente
distante” do sistema político que as ruas repudiaram, “mas nem tanto”. Sua
conclusão: “A posição da Dilma está mais fraca, mas a insatisfação não está
beneficiando nenhum ator politico”. Para ilustrar a ideia, Timothy Power
recorre à língua nativa: “We can’t beat somebody with nobody [você não pode
derrotar alguém com ninguém]”.
O pesquisador
atribui os protestos a uma reação generalizada contra os políticos e à
insatisfação com a qualidade dos serviços públicos, fenômeno em que enxerga um
forte componente geracional – uma nova leva de brasileiros, muitos nascidos
depois da adoção do real (1994), estão “encantados” com uma “novidade”, a
possibilidade de participarem da vida política e se fazerem ouvir. Ele
considera baixa a influência da situação econômica no que alguns passaram a
chamar de “jornadas de junho”.
E critica o PT.
“Acho que o PT continua pensando nas ferramentas do passado. Por exemplo: vale
mais uma CUT ou uma conta do Twitter
hoje? Para mobilizar, acho que é a conta do Twitter, né?”, diz ele, ao mesmo
tempo perguntando e respondendo, com um suave sorriso estampado entre os lábios.
Seguem os
principais trechos da entrevista.
Pelo que o senhor
conhece do Brasil e pelo que tem visto nas últimas semanas, pergunto: o que, na
sua opinião, está acontecendo no país?
Vemos uma
insatisfação, um conjunto de manifestações que não são partidárias, e o que
salva um pouco a presidenta é que a oposição não é direcionada contra a
Presidência da República nem contra o governo, é uma coisa mais generalizada.
Mas acho que o PT continua pensando nas ferramentas do passado, né? Por
exemplo: vale mais uma CUT ou uma conta do
Twitter hoje? Para mobilizar, acho que é a conta do Twitter, né? Mas
essas redes sociais facilitam a mobilização instantânea, que elas tornam muito
fácil, mas a longo prazo ou mesmo no dia seguinte você não tem capilaridade
porque não tem um mecanismo aglutinativo para continuar a mobilização. Nisso aí
os movimentos mais tradicionais, os partidos, os sindicatos e o PT ganham.
Então, mobilização permanente e temporária são duas coisas bem diferentes, né?
Mas as pessoas estão encantadas com a mobilização temporária que se vê nas
ruas, porque é novidade. É coisa geracional. Desde 92, com o impeachment do
Collor, não se teve nada parecido e antes disso foi 84 com as diretas já. É uma
coisa um pouco cíclica. Essa geração… tem muita gente protestando que nasceu
depois do Plano Real, é um outro Brasil. É a primeira vez que eles participam…
Na sua opinião, o
alvo central dos protestos seria o governo, seriam os governantes, neste caso
mais em geral, seria a situação econômica ou seria algo ainda mais amplo, uma
repulsa geral às instituições, a tal crise de representatividade?
Acho que são duas
coisas. Uma reação contra a classe política de modo geral, acho que aí não poupam
ninguém. E também uma insatisfação com a qualidade dos serviços públicos. Muita gente lá fora,
no Financial Times, no New York Times, estão tratando isso como se fosse
resultado da desaceleração da economia. Acho que isso tem alguma coisa a ver,
mais não muito. Eu acho que o povo não sente o pibinho como antes, o povo
sentia o pibinho muito mais no final dos anos 90. Um ponto a mais de inflação
ou um ponto a mais de desemprego ia matar o Fernando Henrique. Mas com o
salário mínimo de hoje e a bolsa família de hoje, essas oscilações são menos
importantes para o poder de consumo. O que se teve no Brasil foi uma revolução
de consumo, o consumo não para… como que é credit bubble em português? Isso.
Bolha de crédito. Não para de crescer…
mas eu acho que é mais uma agenda de
qualidade de vida, né? Fora do Brasil, as pessoas também estão perguntando: o
que que aconteceu no Brasil? Teve uma crescente inclusão social nos últimos dez
anos. Isso não deveria levar a menos protestos em vez de mais protestos? E é justamente
o contrário, né? Porque as pessoas têm outros critérios comparativos. Hoje,
elas aplicam critérios muito mais severos, querem mais qualidade. Trazem uma
agenda que na ciência política a gente chamaria de pós-materialista. Quando a
gente é materialista, pensa em emprego, inflação, sobrevivência física e
econômica. Isso é menos importante no Brasil atual do que há 15 anos.
Mas as pessoas não
estão tratando exatamente de questões materiais quando falam em saúde ,
educação, transporte, segurança publica? Todas essas coisas não têm uma
dimensão materialista?
Eles foram
incluídos nesse sistema, mas não gostam da qualidade dos serviços. O que o
Brasil teve foi acess reforms [reformas de acesso]. Acesso às universidades,
acesso ao SUS, acesso às ruas e estradas com carros, acesso aos aviões. Mas o
acesso não resolve, né? Os números são impressionantes quando se conta o
acesso, mas é a qualidade que estão reclamando. O cara pode comprar o primeiro
carro da vida dele, mas ele não tem onde dirigir ou estacionar.
O senhor estava
falando em salário mínimo. O salário mínimo brasileiro está em duzentos e
tantos dólares…
Trezentos dólares.
Passou de trezentos.
Tá bom. Mas isso
não é nada para uma família com quatro pessoas que vá ao supermercado fazer a
compra de mês, não é? Para comprar alimento, para pagar o básico do básico, o
salário mínimo brasileiro não está tão
alto, se considerarmos os preços vigentes no Brasil. O país é muito caro. Será
que esses protestos teriam ocorrido com a dimensão que têm ocorrido se a
situação econômica fosse outra, ou seja, se a Dilma tivesse entregue o PIB e os
investimentos que ela prometeu e não conseguiu entregar?
Eu tenho minhas
dúvidas se esses protestos foram motivados pelo desempenho econômico do Brasil.
Eu acho que isso é coisa de menor importância. Eliane Cantanhede publicou um
artigo anteontem [na Folha de S. Paulo] em que ela fala assim: o pibinho tirou
oito pontos da popularidade da Dilma, mas os protestos tiraram 27 pontos a
mais. Isso dá um pouco a proporção…
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