Amadores e
profissionais do mundo político parecem de acordo num ponto: Dilma Rousseff tem
problemas de comunicação.
A razão dessa
dificuldade é menos clara, porém.
Um conjunto de
analistas, dentro e fora do governo, acredita que a presidente não consegue
comunicar com clareza aquilo que pensa ou planeja. É como se fosse uma
incapacidade congênita, apenas disfarçada pelo período em que as coisas
pareciam andar tão bem na economia que não era necessário falar muito.
Ao enfrentar tempos
mais difíceis, expressos nos protestos de junho, revelou-se que seria incapaz
de conversar com o povão e também com a elite.
Assim, sua mensagem
não chega ao eleitor.
Não se trata, é
claro, de uma opinião consensual.
Analisando os
protestos, o sociólogo Manuel Castells, um dos mais celebrados intelectuais
contemporâneos, interlocutor de Fernando Henrique Cardoso e referência do
ex-presidente para tantos assuntos, disse a Daniela Mendes, da IstoÉ:
- Ela (Dilma) é a
primeira líder mundial que presta atenção, que ouve as demandas de pessoas nas
ruas. Ela mostrou que é uma verdadeira democrata.
Na mesma
entrevista, Castells deixou claro que tinha entendido qual era o problema da
mensagem. Ele disse:
- Ela (Dilma) está
sendo esfaqueada pelas costas por políticos tradicionais.
A verdade é que em
apenas quinze dias as principais respostas que Dilma ofereceu aos problemas
reais colocados pelos protestos passaram no moedor de carne e sobrou pouca
coisa.
É certo que, com
toda sinceridade, e sem intenções ocultas, muita gente não tinha a menor
disposição de prestar atenção na presidente. Como escreveu uma estudante no
Twitter: "para quem tem 20 anos, a pergunta é: por que ela só pensou nisso
agora?"
Nem todos pensaram
da mesma forma, contudo.
O plebiscito e a
Constituinte, as principais ideias da presidente para encaminhar a reforma
política, tradução quase literal do urro das ruas contra nossas formas de
representação e nossos representantes, obtiveram apoio de 68% da população. Difícil falar em problemas de comunicação,
certo?
Até um calouro do
pior curso de Ciência Política seria capaz de imaginar que, a partir dali, a
presidente poderia tentar reconstruir relações políticas com uma fatia do seu
antigo eleitorado. Aos trancos e barrancos, havia encontrado uma passagem.
Em poucos dias,
para realizar a profecia de Castells, Dilma foi "esfaqueada pelas costas
por políticos tradicionais", sob aplauso do mesmos veículos de comunicação
que celebraram os protestos como o despertar do gigante.
O que se alegou?
Que o plebiscito e a Constituinte eram ideias de quem não têm ideias reais e se
orientam pelas bolas de cristal dos serviços de marketing.
Considerando que
absolutamente todos os políticos brasileiros têm seu consultor de marketing,
que costuma exercer sua influência tão notável como decisiva na maioria de suas
decisões políticas, cabe abandonar a ingenuidade fingida e mudar a
pergunta: o que se temia?
Simples: temia-se
que o povo desse palpite – de verdade – nas linhas gerais de formação de um
novo sistema político. Não se queria correr o risco de eliminar a influência do
poder econômico nos processos políticos.
Era preciso garantir a falsa mudança, o processo em que tudo muda para que
nada mude. As ruas sempre foram úteis para isso, como se sabe desde que essa
frase foi escrita, para registrar os
limites da luta pela democracia italiana.
No esforço
unilateral para desqualificar ideias da presidente, inclusive de grande
aprovação popular, inventou-se até que Dilma havia tentado criar uma lei
inútil, aquela que transforma a corrupção em crime hediondo, apenas para
cultivar a demagogia das massas. Você pode gostar ou não do projeto. Mas é bom
saber que ele só entrou em votação numa
ação combinada entre Renan Calheiros e a mais aplicada dupla de inimigos do
governo no Senado, Álvaro Dias e Pedro Taques. Os petistas apenas pegaram
carona, até porque, em função de projetos antigos, mantidos na gaveta pela
direção do Senado, tinham todo direito de se apresentar como pais da ideia.
O mesmo tratamento
se reservou a um projeto ambicioso, prioritário e, mais uma vez, tão necessário
ao país que a estudante de 20 anos teria toda razão em perguntar mais uma vez:
por que não se fez isso antes?
Estou falando do
programa Mais Médicos, destinado a suprir a carência obvia de médicos em boa
parte dos municípios brasileiros. Quem estuda o mercado de trabalho sabe que,
em dez anos, nossas faculdades formaram 54.000 médicos a menos do que o número
necessário para manter um atendimento razoável no país. No Rio Grande do Sul,
prefeituras em região de fronteira contratam médicos uruguaios para atender à
população. Há dois meses, 2.500 prefeitos – que representam metade das cidades
do país – apoiaram um abaixo assinado para pedir a contratação de médicos.
Cansados de esperar pelos doutores que não vêm, foram até Brasília num ato
explícito pela contratação de estrangeiros.
Mas é óbvio que
esse projeto foi camuflado pela prioridade de dar voz aos adversários do
governo. Cumprindo aquele papel já assumido de auxiliar uma oposição
"fraquinha", em vez de debater os prós e contras do projeto, a
maioria dos meios de comunicação deu atenção maior às entidades corporativas
dos médicos do que à opinião dos usuários do SUS e lideranças da periferia. Por
esse método, seria coerente ouvir apenas Federação Nacional de Jornalistas para
falar sobre o diploma da categoria. Ou perguntar somente aos sindicatos dos
professores sobre o plano de bônus por produtividade.
Os titulares das
entidades médicas foram ouvidos como porta-vozes legítimos de toda sociedade e não de uma parte dela.
Veiculou-se como verdade estabelecida a noção de que o governo pretendia enviar
médicos para trabalhar em taperas sem estrutura nem condição de trabalho.
Falso.
Neste domingo,
graças ao Estado de S. Paulo, revelou-se que as carências da saúde pública são
imensas, mas ela se encontra em situação
oposta. Em cinco anos, o total de equipamentos de saúde registrados pelo
governo federal teve alta de 72,3%. O número de leitos hospitalares subiu 17,3%
e o de estabelecimentos de saúde, 44,5%. A oferta de médicos, porém, cresceu
apenas 13,4% - ou seja, menos do que os principais índices de infraestrutura de
saúde.
Posso até concordar
que há um problema real na comunicação de Dilma, entre aquilo que ela diz e
aquilo que pretende dizer.
E é evidente que o
governo possui um problema de articulação essencial, que desconhece inclusive
forças que poderiam ajudá-lo, como se viu no debate sobre o plebiscito.
Mas há um esforço
para bloquear a comunicação. Procura-se um debate a partir da mentira. Dizem
agora que o governo quer "obrigar" estudantes a "doar" dois
anos de suas vidas em função da residência em locais onde a presença de médicos
é mais necessária – como se não fosse uma atividade remunerada, e que em alguns
casos pode chegar a R$ 8.000.
O que se quer, na
verdade, é negar à autoridades eleitas o direito de definir prioridades para
atender a população. O que se quer é deixar para o mercado a tarefa de organizar
a saúde pública – opção histórica de nossas autoridades, que produziu a miséria
visível aos olhos de todos.
Não é o exercício
da crítica, não é a apuração para mostrar verdades ocultas por trás dos atos do
governo. Também não tem a ver com o caráter adequado ou danoso de suas
propostas.
É, simplesmente, um
esforço para silenciar o governo. Vale
tudo, inclusive dizer que não sabe se comunicar.
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