POR PEDRO PENIDO DOS
ANJOS
Do Centro de Memória
das Lutas e Movimentos Sociais da Amazônia
No último dia 16 de
fevereiro, Marina Silva anunciou o lançamento da Rede Sustentabilidade, seu
partido em construção. Muitos questionamentos já têm sido feitos às propostas
apresentadas nessa ocasião pela ex-senadora acriana, que vem defendendo uma
“nova forma de fazer política”, um “novo tipo de partido”, assim como um “novo
tipo de militância”. As críticas têm conseguido demonstrar que Marina abusa de
conceitos vazios para elaborar um discurso que tenta agradar ao maior número de
eleitores. Também já se destacou a presença, nessa rede, de empresários como
Guilherme Leal e Maria Alice Setúbal, apoiadores da campanha eleitoral de
Marina à presidência da república em 2010, e a integração de outros políticos,
como Heloísa Helena, a esse movimento de “renovação ética”.
Mas a verdadeira rede
de Marina é muito mais ampla e foi sendo construída ao longo de sua trajetória
política. Alguns dos elementos centrais dessa trama não farão parte do seu novo
partido, mas foram fundamentais para a construção do projeto político que dá
sustentação à atuação pública de Marina Silva e à criação da Rede
Sustentabilidade.
Nesse mapa de
relações pessoais de Marina, Chico Mendes é a primeira pessoa que deve ser
destacada. Afinal, foi a luta dos seringueiros, da qual Chico era uma das
principais lideranças, que deu maior projeção à então professora de história e
sindicalista, que havia feito parte do movimento estudantil na Universidade
Federal do Acre. Ligada às Comunidades Eclesiais de Base que, assim como os
movimentos sociais urbanos de Rio Branco, foram importantes para fortalecer a
organização e a resistência dos seringueiros na floresta, Marina também
participou da criação da CUT e do PT no Acre, ao lado de Chico Mendes e tantos
outros.
A partir dessa
relação com Chico, outras duas figuras centrais entraram na rede de Marina: a
antropóloga Mary Allegretti, que colaborou com a criação do Conselho Nacional
dos Seringueiros, e Steve Schwartzman, antropólogo norte-americano, ligado à
ONG Environmental Defense Fund (EDF). Eles foram os principais responsáveis
pela projeção internacional da imagem de Chico Mendes (a partir de sua famosa
viagem a Washington para denunciar os impactos das obras da BR 364 ao Banco
Mundial) e pela tentativa de transformação de seu legado político radicalmente
anticapitalista – com fundamentação teórica marxista – apenas em uma luta pela
preservação da floresta. Em um extremo quase caricato, chegou-se a apresentá-lo
como uma versão amazônica do “pacifismo” de Mahatma Gandhi.
Chico Mendes: um
ambientalista?
A promoção desta
“metamorfose” ocorreu logo após o assassinato de Chico, momento em que esses
atores que haviam se aproximado do movimento dos seringueiros, especialmente
Mary Allegretti, intencionalmente buscaram dissociá-lo das lutas sindical e
pela reforma agrária. A partir das relações que estabeleceu enquanto atuava
como “apoiadora” dos povos da floresta nos anos 1980, a antropóloga construiu
na década seguinte uma carreira como consultora de projetos para a Amazônia
financiados por instituições e agências internacionais. Figura dos bastidores
do movimento ambientalista, Allegretti foi elemento importante nas negociações
para implantação do PPG7 (Programa Piloto do G7 para proteção das florestas tropicais
do Brasil, gerido pelo Banco Mundial, que orientou várias políticas do
Ministério do Meio Ambiente). Entre outras coisas, contribuiu para a
articulação do Grupo de Trabalho Amazônico (GTA), um grupo de ONGs e movimentos
da Amazônia que deveria acompanhar as discussões e negociações dos projetos do
PPG7 (essa articulação de ONGs, criada em 1993, teve Fábio Vaz de Lima, marido
de Marina Silva, como seu secretário-executivo entre 1996 e 1999).
Essa imagem de um
Chico Mendes “ambientalista” também foi habilmente apropriada ao longo dos anos
1990 pela Frente Popular no Acre (PT e partidos aliados), assim como por Marina
Silva. (Especialmente quando foi eleita para o Senado, ela assumiu
nacionalmente a identidade de ecologista e “seringueira”, embora já vivesse há
vinte anos na cidade de Rio Branco). Depois do assassinato de Chico, além de
adotar o discurso da sustentabilidade, os grupos que então eram considerados as
organizações de esquerda do Acre fizeram uma aliança fundamental para suas
conquistas políticas posteriores: tornaram Jorge Viana, jovem herdeiro de uma
tradição política familiar associada à ditadura militar, a principal liderança
do PT no estado. Candidato a governador em 1990, quando levou a disputa ao
segundo turno, foi eleito prefeito de Rio Branco em 1992. Nessa época era ainda
comumente reconhecido como “filho do Wildy” (Wildy Vianna das Neves foi
deputado estadual pela ARENA entre 1967 e 1979, e deputado federal entre 1979 e
1987. Seu cunhado, Joaquim Falcão Macedo, tio de Jorge, foi governador do
estado entre 1979 e 1983, indicado pelo general Ernesto Geisel).
O desempenho
eleitoral de Jorge Viana conseguiu ajudar a eleger Marina ao Senado em 1994, o
que o faz figurar como um elemento de destaque em sua rede de relações
políticas. Em pronunciamento de 1998, quando comemorava a chegada da Frente
Popular ao governo do Acre (uma aliança entre 12 partidos, entre eles o PSDB),
assim como a eleição de Tião Viana, irmão de Jorge, para o Senado, Marina
demonstrou sua admiração pela capacidade de articulação do novo governador:
“Carismático, convincente e seguro, ele foi capaz de buscar aliados e
apoiadores até mesmo em setores historicamente hostis à esquerda e ao Partido
dos Trabalhadores” (1).
Em 2001, o material
de divulgação elaborado pelo gabinete da senadora comemorava as realizações dos
primeiros anos de governo de Jorge Viana (no qual seu marido, Fábio Vaz,
possuía cargo estratégico), destacando que: “Foi-se o tempo em que a ‘turma do
Chico Mendes’ e empresários – principalmente madeireiros - eram como água e
óleo. As coisas amadureceram nos últimos 15 anos, o mundo girou, o Acre está
mudando, a ‘turma do Chico’ chegou ao poder e pôde concretizar suas ideias.
Aplacaram-se radicalismos. Viu-se que é possível negociar diferentes interesses
com ética e conhecimento técnico. (...) Por incrível que pareça, há
madeireiros, pecuaristas e petistas sentados à mesma mesa.” (2). Com esse tipo
de declaração, Marina Silva ajudou a legitimar – utilizando levianamente o nome
de Chico Mendes – um governo que conseguiu agradar tanto parte da antiga
esquerda quanto a direita acriana, não tendo representado nenhuma ruptura
significativa com a ordem política anterior.
Ministério do Meio
Ambiente
Defendendo essa
atuação da Frente Popular, Marina foi reeleita senadora em 2002 (quando Jorge
Viana foi reeleito governador) e, em 2003, assumiu o Ministério do Meio
Ambiente do governo Lula. Nesse período passam a se destacar em sua rede outros
atores, que já vinham atuando no Acre e se relacionavam com Marina em seu
mandato anterior no Senado. Assim, esse momento não marca o início, mas a
consolidação de um projeto, o fortalecimento de uma proposta específica de
desenvolvimento para a Amazônia, defendido por esses indivíduos e organizações
desde o início da década de 1990.
Continue lendo, vale a pena
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