Se você acha que fez papel
de bobo porque acreditou no slogan “PEC 37= impunidade”, não precisa ficar
muito deprimido. Só um pouco.
A descoberta de que o
inquérito sobre a Alston foi parcialmente interrompido, na Suíça, porque o
procurador Rodrigo de Grandis não atendeu a uma solicitação das autoridades
daquele país é um fato que merece um minuto de reflexão.
A explicação de Grandis é bisonha.
Ele não teria dado sequencia ao pedido
das autoridades suíças, feito em fevereiro de 2011, porque a solicitação ficou
guardada na gaveta errada – e nunca mais pensou no assunto.
Há, é claro, uma suspeita
de prevaricação no caso.
Código Penal – Prevaricação
(art. 319): Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou
praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou
sentimento pessoal:
Pena – detenção, de três
meses a um ano, e multa.
Lei 8429/92 – Art. 11:
Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da
administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de
honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e
notadamente:
(…) II – retardar ou
deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício;
Há três meses, em 25 de
junho, o Congresso rejeitou, sob uma pressão que seria mais conveniente definir
como chantagem, a PEC 37, que pretendia
garantir aos delegados de polícia a exclusividade sobre a condução de um
inquérito policial. A votação foi um massacre: 430 a 9.
O monopólio dos delegados
sobre uma investigação tampouco era uma
boa ideia, quando se recorda o histórico de nossas corporações policiais. Mas a
PEC 37 ajudava a fazer um debate necessário e poderia permitir correções úteis.
Nos bastidores de
Brasília, policiais, procuradores e representantes do ministério da Justiça
tentavam chegar a um acordo, a partir da PEC, para assegurar os direitos da
polícia sobre a investigação sem deixar de atender os principais pleitos do
Ministério Público. Pensava-se em criar uma nova divisão do trabalho de
apuração, mais inteligente e produtiva.
Mas, com o apoio dos meios
de comunicação, que passaram a tratar a rejeição à PEC 37 como se fosse como se
fosse uma reivindicação tão popular como a redução da passagem de ônibus, o
Ministério Público garantiu a votação em
bloco, sem qualquer concessão à outra parte. Confusos, e mesmo acovardados,
vários parlamentares preferiam omitir-se e votar errado para não ser criticados
pelos jornais nos dias seguintes.
Naquele momento, o
procurador geral da República, Roberto Gurgel, travava uma luta de morte para
fazer o sucessor. Seu prestígio atingia o ponto máximo em função do julgamento
da ação penal 470.
A denúncia ainda não havia
sofrido a primeira (e até agora única) derrota, representada pela aceitação dos
embargos infringentes para 12 condenados.
Acreditava-se em junho que
qualquer arranhão na imagem do Ministério Público poderia chamar a atenção para
incongruências e falhas do julgamento. Foi essa a motivação que impediu uma
discussão civilizada, com argumentos ponderados.
Três meses depois,
comprova-se uma verdade fácil de reconhecer, mas que não era conveniente
admitir.
Enquanto os manifestantes
acreditavam estar berrando contra a impunidade em Brasília, o pedido das
autoridades suíças era esquecido na gaveta de De Grandis em São Paulo.
Ergueu-se, ao longo de
vários anos, um muro de aço contra a apuração de um dos mais prolongados
escândalos de corrupção da história política brasileira, formado por 45
inquéritos arquivados sem o devido esclarecimento (sim, 45!).
Ninguém ficaria sabendo o
que estava acontecendo se não fosse o trabalho competente corajoso de meus
colegas da IstoÉ Alan Rodrigues, Pedro Marcondes e Sérgio Pardellas sobre o
propinoduto, capazes de produzir reportagens à altura dos fatos descobertos.
Não há instituição a salvo
de pressões políticas nem de iniciativas estranhas a sua missão legal. Erros
ocorrem. Desvios, também. E coisas piores, você sabe.
Se você acha que fez papel
de bobo porque acreditou no slogan “PEC 37= impunidade”, não precisa ficar
muito deprimido. Só um pouco.
Muita gente está se sentindo da mesma maneira.
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