quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Organizações sociais e dinheiro público: um caso de polícia



A recente aprovação, pela Câmara dos Vereadores do Recife, da Lei Nº 17.875/2013, de iniciativa do prefeito Geraldo Julio, autorizando a terceirização, através de contratos de gestão, a serem celebrados com as chamadas Organizações Sociais, as OSs, do serviço público municipal e, ainda, sem que a oposição esboçasse qualquer reação é, no mínimo, preocupante.

É preocupante porque não faltam denúncias de irregularidades no tocante às gestões dessas entidades privadas que vendem a ideia de eficiência quando, na verdade, o que vemos é uma prestação de serviços de péssima qualidade, com gastos exorbitantes de dinheiro público que não se compatibilizam com o serviço prestado.

A cidade de Natal, por exemplo, está com seu sistema de saúde com estado de calamidade decretado pelo prefeito que sucedeu à ex-prefeita Micarla, do PV. Ali, em Natal, assim como pretende o prefeito Geraldo Julio fazer no Recife, a saúde do povo foi entregue para ser gerida por essas entidades, as tais Organizações Sociais e o resultado é essa catástrofe que já se tem notícia.

Aqui em Pernambuco, o governador Eduardo Campos entregou a gestão da saúde a algumas entidades, sendo a mais conhecida, o IMIP, que coincidentemente pertence ao secretario de Saúde Antônio Figueira. O IMIP responde pela gestão de várias UPAS e hospitais públicos do Estado e não faltam reclamações quanto à qualidade desses serviços.

Mas, além do IMIP, que já foi flagrado pelo TCU cobrando quimioterapia de pessoas já falecidas, fato já mencionado por mim em artigo anterior, chama-nos a atenção que mesmo após o escândalo havido em Natal com a “Operação Assepsia”, deflagrada pelo Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte, pelo menos uma entidade flagrada no esquema fraudulento com a prefeitura de Natal e já denunciado pelo Ministério Público daquele Estado, continue respondendo pela gestão de um hospital e de pelo menos uma UPA, em Pernambuco, a UPA da Imbiribeira, gerida pelo IPAS, desde 2010 e que também administra o Hospital Geral Amélia Gueiros Leite, desde 2012. Mesmo que a contratação do IPAS pela prefeitura de Natal tenha decorrido de indicação feita pelo então secretário de Saúde de Pernambuco e vice-governador do Estado, João Lyra, ainda assim, não se justifica que se mantenham os contratos, depois da descoberta do envolvimento desse instituto em fraudes e esquemas mafiosos em Natal. Aliás, quem afirmou que recebeu indicação para contratação do IPAS diretamente do vice-governador de Pernambuco, em seu depoimento ao MPRN, foi o ex-secretário de Saúde de Natal, Thiago Barbosa Trindade:

“Que passou a se dedicar a ideia de fazer a contratação de uma entidade em processo de gestão compartilhada; que nesse momento entrou em contato com o Secretário Estadual de Saúde de Pernambuco, João Lyra, e ele sugeriu a contratação de uma entidade que já administrava uma UPA no bairro de Imbiribeira, contratada pelo Estado de Pernambuco; que compareceu na época em Natal o Secretário de Atenção Básica do Ministério da Saúde e reafirmou a necessidade de funcionamento imediato da UPA; que, na ocasião, o declarante disse que estava inclinado a adotar o modelo de gestão compartilhada e perguntou se havia algum óbice do Ministério nesse sentido; que o Secretário de Atenção Básica, de nome BELTRAME, afirmou que esse modelo estava sendo adotado em outros lugares do país; que durante o contato com JOÃO LYRA, ele passou o telefone de JONEI ANDERSON LUNKES, com quem o declarante manteve contato;”

Veja a ação do MP do RN aqui.

A denúncia do Ministério Público potiguar deixa claro o “modus operandi” dessas organizações, que muitas vezes atuam como espécies de “laranjas” para desvio de recursos públicos, através de contratos superfaturados e sem licitação, o que se pode concluir pela leitura dos seguintes trechos da denúncia, anexa aos processos criminais nºs 0107607-57.2011 e 0118048-97.2011.8.20.0001, que após tramitação na 7ª Vara Criminal de Natal, já foram enviados à Justiça Federal, em razão dos desvios envolveram recursos repassados pela União. Em Natal, o ITCI, por exemplo, era utilizado, ora para locação de ambulâncias, como “laranja” de uma empresa do Rio de Janeiro chamada TOESA, ora para prestação de serviços de combate à Dengue:

“Atentando para os atos pré-contratuais da TOESA, percebe-se que o fato de a mesma ter “chamado” o ITCI para a gestão e execução do combate à dengue em Natal não apenas é compatível com os fatos aqui narrados, como os fortalece: apesar de trabalhar na área de saúde e possuir os contatos para a contratação de pessoal especializado, não tinha a TOESA a denominação de Organização Social que apossibilitaria contratar com a SMS nos termos desejados pela organização criminosa. Bastava para a TOESA apenas lucrar com a locação de ambulâncias. Se o serviço da TOESA (através da TEF-TEF) surgiria apenas em sede de subcontrato (uma relação contratual construída entre dois particulares). Portanto, a TOESA, através de DANIEL GOMES DA SILVA, montou o serviço, alugando o ITCI, e recrutando funcionários, com a certeza conferida por THIAGO BARBOSA TRINDADE e ALEXANDRE MAGNO ALVES DE SOUZA de que o contrato seria celebrado com a suposta organização social.”

“O ITCI seria a pessoa jurídica que meramente conferiria o título “Organização Social” aos atos do grupo e em troca seria consagrada com a contratação e beneficiada pela contratação de empresas cujos sócios fazem parte do ITCI, como a empresa DELTA;

3.O denunciado ALEXANDRE MAGNO ALVES DE SOUZA faria as vezes de intermediador e construiria o arcabouço jurídico para a contratação e em troca teria seu patrimônio familiar majorado pela contratação de parentes pelo ITCI, além de indicar o representante do ITCI em Natal (DANIEL ALEXANDRE MARINHO CABRAL) e indicar as outras empresas que seriam contratadas pelo ITCI;

4.O denunciado THIAGO BARBOSA TRINDADE garantiria que o ITCI seria contratada mediante dispensa de licitação, ganhando, com isso, o protagonismo dentro de uma pasta de vergonhosa rotatividade nesta Administração.”

Veja a denúncia aqui.


Diante dos flagrantes promovidos pelo Ministério Público potiguar, por meio de grampos, interceptações de “e-mails” e um material probatório pesadíssimo que levou ao afastamento de uma prefeita, de secretários, procuradores, todos já respondendo a processos criminais e por improbidade administrativa, é realmente espantosa a passividade com que se assistiu o prefeito Geraldo Julio aprovar a mencionada Lei nº 17.875/2013.



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