Por Errico Sabaté 31/03/2002
Ocupada, na semana
passada, por trabalhadores rurais sem terra, a Fazenda Córrego da Ponte,
atualmente registrada nos nomes dos filhos do presidente da República, tem uma
história que precisa ser conhecida.
Fazenda Caixa Dois
Hamilton Octavio de
Souza
Ocupada, na semana
passada, por trabalhadores rurais sem terra, a Fazenda Córrego da Ponte,
atualmente registrada nos nomes dos filhos do presidente da República, tem uma
história que precisa ser conhecida.
Na campanha eleitoral
de 1985, até umas duas semanas antes da eleição o candidato Fernando Henrique
Cardoso estava disparado ? nas pesquisas ? à frente de seu adversário mais
direto, Jânio Quadros, que acabou levando a Prefeitura de São Paulo.
Mas, de qualquer
maneira, a campanha de FHC recebeu uma excelente injeção de dinheiro do
empresariado paulistano, certo de que se estava apostando no cavalo vencedor.
Ele perdeu a eleição, mas terminou a campanha com boa grana em caixa ? no caixa
dois, é claro, coordenado pelo amigo inseparável Sérgio Motta.
No ano seguinte, em
1986, nova campanha eleitoral. FHC concorreu e ganhou uma das duas vagas para o
Senado, com bem menos votos que o senador Mário Covas. Mas, de novo, FHC teve
uma campanha abastada e com boa contribuição do empresariado paulista. Mais uma
vez, o mala preta foi o Sérgio Motta.
Dois ou três anos
depois surgiram as primeiras notícias de que FHC e Sérgio Motta haviam se
tornado proprietários de uma fazenda no noroeste de Minas Gerais. FHC, na
época, tinha remuneração de senador e de professor aposentado da USP.
No início dos anos
90, a revista ?Isto É? publicou uma matéria sobre a tal fazenda de sociedade de
FHC e Sérgio Motta, na qual se afirmava que o contrato de compra e venda havia
sido subfaturado (colocado em preço inferior ao da negociação e do mercado)
para justificar a situação de renda do professor e senador Fernando Henrique
Cardoso. Essa matéria não foi desmentida e também não provocou qualquer
investigação do Ministério Público ou da Receita Federal.
A matéria apenas
reforçou a versão corrente nos meios políticos de que a fazenda havia sido
comprada com as sobras das campanhas eleitorais de 85 e 86, administradas pelo
amigo e sócio Sérgio Motta. Ou seja, a grana do caixa dois deveria ter sido
contabilizada no caixa geral do PMDB partido de FHC na época das eleições, mas
acabou virando propriedade privada.
Com a morte de Sérgio
Motta, o presidente FHC fez acerto com a viúva Wilma Motta e acabou ficando com
a parte do ex-mala preta Sérgio Motta na fazenda. Logo em seguida, o presidente
passou a fazenda para os nomes do filhos, embora seja de sua propriedade, pois
é ele quem usa e manda no pedaço.
A imprensa chapa
branca, naturalmente, incorporou essa operação toda sem maiores
questionamentos. Tanto é que trata da fazenda como sendo dos filhos do
presidente e nem questiona porque ela deveria ter proteção especial com status
presidencial. E jamais foi atrás investigar como a fazenda foi adquirida.
O acerto com a viúva
Motta envolve também imóveis em Paris, mas isso é outra história. O que precisa
ficar claro é que a fazenda ocupada pelos trabalhadores sem terra é apenas um
bem simbólico ? a fazenda do presidente ? que foi obtido de forma ilícita, como
tantas fazendas apropriadas pelas elites espertinhas do País. Na verdade, a
propriedade deveria ser chamada mais adequadamente de Fazenda Caixa Dois, em
homenagem à sua origem.
***
Hamilton Octavio de
Souza é jornalista e professor de Jornalismo da PUC-SP.
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