O que poderia ter em
comum a agenda programática do partido Rede, de Marina Silva, e as ambições
políticas do governador de Pernambuco? - O que teria justificado o aceite da
ex-senadora para ingressar nos quadros do PSB, na condição de simples cabo
eleitoral do presidenciável do partido, abrindo mão da publicização da novel
organização partidária, num momento crucial de sua autoafirmação política? -
Essas, as perguntas que os crentes da Assembléia de Deus, os agnósticos,
socialistas e ateus devem estar se fazendo a esta hora pelo Brasil afora.
Como foi possível que
uma pré-candidata de confissão pentecostal, avessa às relações homoeróticas, ao
aborto, aos métodos contraceptivos e à pesquisa com célula tronco, com
finalidades terapêuticas, aceitasse de bom grado o convite de um político
"soi dissant" socialista, agnóstico, que só se preocupa com o poder
pura e simplesmente, sem veleidades éticas, republicanas, democráticas, como o
nosso sinhorzinho de Pernambuco? Em outros tempos de cruzada, diríamos que
seria o casamento de uma missionária de Deus com o representante do demo, tema
bom para a literatura surrealista de cordel, apresentada nas praças públicas do
interior do nordeste. Infelizmente, a realidade é outra: a ex-senadora e irmã,
Marina da Silva, pela segunda vez em sua carreira dá mostras de que não está à
altura de uma verdadeira líder de um grande, novo, autêntico movimento de
mudança na sociedade brasileira. Desde sua clamorosa omissão no 2º turno das
eleições presidenciais, quando ela teve 20 milhões de votos, permitindo a
dispersão dos votos para as várias legendas, já se percebia que o idealismo
político da irmã tinha um fôlego curto. Seu projeto político era pessoal, dela,
de seu imaginado carisma, de sua história de vida, dos percalços de sua
formação. A líder era um engodo, embalada numa aura de santidade e louvor. Nada
mais do que isso.
No sábado passado, na
ocasião de anunciar a sua decisão - esperada em clima de Copa do Mundo - disse
a irmã Marina, em alto e bom som, que era uma gesto de pragmatismo político,
aceitar o convite do sinhorzinho agnóstico ou cético, pois o partido "rede
e sustentabilidade" ia continuar, talvez em busca de um momento mais
favorável para ressurgir na cena política brasileira. Por enquanto, aceitava
ser um mero cabo eleitoral (do voto evangélico, dos descontentes com a política
do PT, da oposição realmente existente no país etc.) Belo papel para uma líder
reformadora do sistema partidário brasileiro: ser cabo eleitoral de uma
aventura política, de um oligarca regional, que não encontra unanimidade nem em
seu próprio partido e na sua base aliada. Nada desautoriza, por sua vez, a
hipótese de que esse acordo já não existisse, por debaixo dos planos, na
possibilidade bem concreta do partida da irmã não ser autorizado pela Justiça
Eleitoral. E que haja um outro acordo com o candidato mineiro do PSDB, Aécio
Neves, de quem o sinhorzinho é um declarado fã. É bem possível que em face da
posição relativa dos dos pré-candidatos na corrida presidencial haja sim um
pacto de reciprocidade no apoio mútuo de um a outro. Do nosso pequeno
Maquiavel, tudo é possível, menos a sinceridade e a transparência.
Ora, o que une a irmã
Marina Silva ao autodeclarado socialista de Pernambuco é o puro e simples
pragmatismo político, na primeira ainda de forma acanhada e envergonhada: no
segundo sem limites, sem pudor, abertamente escancarado. O avô ainda alimentava
o apego ao "povo" e a "nação". O neto, globalizou-se.
Michel Zaidan
Cientista político da UFPE
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