sábado, 17 de maio de 2014

Repórteres da grande mídia combinam pauta contra Lula


Não é fácil cobrir política no Brasil, segundo repórter de um dos grandes veículos de mídia que cobriram a palestra que o ex-presidente Lula deu a centenas de blogueiros na última sexta-feira. Informações que tal repórter me deu sem saber com quem falava serão úteis para a compreensão da manchete sobre o evento que ganhou as capas dos grandes jornais de sábado (17/05).
A grande imprensa compareceu em peso ao hotel Braston, no centro velho de São Paulo, onde está acontecendo o 4º Encontro Nacional de Blogueiros e Ativistas Digitais. Havia repórteres de vários grandes meios de comunicação – O Globo, Folha de São Paulo, O Estado de São Paulo, G1, UOL, Terra, IG… Só não foi visto repórter da Veja.
O corredor que dá acesso ao salão de convenções na sobreloja do hotel estava intransitável. Por ali, misturavam-se os participantes do evento e a imprensa. Esta, porém, tinha uma porta de acesso exclusiva ao salão, que desembocava em um cercadinho feito para os repórteres.
Salvo um ou dois incidentes entre blogueiros menos pacientes com as manipulações midiáticas e repórteres, a imprensa foi bem recebida. Porém, esses “operários da notícia” estavam tensos e este blogueiro descobriu que não era por medo do público que ali estava, mas devido à pressão que um desses “operários” – que, por razões óbvias, não será identificado – insinuaria que todo repórter de política sofre quando tem que cobrir Lula.
Para extrair sinceridade de um dos membros da imprensa que ali estavam, a solução foi este que escreve dissimular a razão de sua presença no local fingindo que participava de outro evento no salão de convenções contíguo àquele em que Lula palestraria. Travou-se, então, o seguinte diálogo com um dos repórteres:
Blogueiro — O que está acontecendo aí?
Repórter – O Lula vem falar.
Blogueiro – Quem é toda essa gente?
Repórter – São blogueiros aliados do PT; Lula vem falar pra eles.
Blogueiro – Lula é sempre notícia, né?
Repórter – Notícia cabeluda. Dá um trabalho danado.
Blogueiro – Por quê?
Repórter – A gente tem que achar a “pauta certa”…
(…)
Infira você, leitor, qual é a “pauta certa”.
A palestra em questão foi excelente. Lula estava inspirado, como sempre. Enquanto encantava a plateia com suas tiradas engraçadas, fiquei pensando o que a imprensa poderia encontrar para comprometê-lo. A presença maciça de repórteres em mais um encontro do ex-presidente com blogueiros certamente se destinava a encontrar algo que pudesse servir para a mídia tentar desgastá-lo publicamente.
Ao fim da fala de Lula, achei que ele não oferecera matéria-prima para que os robôs teleguiados pela grande mídia pudessem usar. E não havia mesmo. Por isso, foi preciso inventar.
Após Lula falar, participantes do Encontro de Blogueiros relataram uma cena inusitada presenciada por vários deles: repórteres de vários veículos distintos reuniram-se para discutir que pauta comum todos entregariam às suas respectivas redações.
Um repórter sugeria distorcer, omitir ou destacar este ponto, outro contestava aquela ideia e dava outra. Alguns dos blogueiros que presenciaram a cena aproximaram-se do grupo de repórteres inquirindo-os sobre se era comum fazerem aquilo, reunirem-se e combinarem o que iriam divulgar sobre o que haviam presenciado.
A interpelação dispersou os repórteres, que foram se reunir em outra parte. O resultado dessa reunião, porém, começou a ser visto no mesmo dia nos portais G1, UOL etc., e ganhou maior repercussão nos jornais de sábado (17). Abaixo, uma das manchetes principais de primeira página que decorreram de uma distorção criminosa da fala do ex-presidente.
Chega a ser inacreditável que a mídia tenha pinçado e distorcido uma frase de Lula dessa forma. O ex-presidente disse o seguinte:
Nós nunca reclamamos de ir a pé (ao estádio). Vai a pé, vai descalço, vai de bicicleta, vai de jumento, vai de qualquer coisa. A gente está preocupado? Ah não, porque agora tem que ter metrô até dentro do estádio. Que babaquice que é essa?
O que Lula disse foi que, no Brasil, nunca ninguém pediu que estações de metrô fossem construídas dentro de estádios de futebol e que agora estavam cobrando alguma coisa que nunca foi pedida no Brasil. E emendou dizendo que brasileiro, para ver futebol, não mede esforços.
As palavras do ex-presidente, da forma como foram expostas, dão a entender que ele acha que o povo não merece ter estação de metrô dentro de estádio de futebol, o que seria não só uma “babaquice”, mas um desperdício de recursos públicos, pois o povo não vai a estádios todo dia, mas usa metrô todo dia e por certo os locais para construir estações devem ser mais adequados.
Pode-se construir estação de metrô em um hospital, em shoppings e em terminais rodoviários ou de trens porque são locais de grande afluxo diário de pessoas, mas não faz sentido construir dentro de um estádio de futebol. Durante a Copa até seria útil, mas e depois?
O que fica desse episódio é a confirmação de um procedimento da velha mídia que todo mundo conhece, mas que nem todos devem se lembrar. Em 2006, por exemplo, quando foi apreendido o dinheiro dos “aloprados”, aconteceu a mesma coisa – repórteres e policiais armaram um cenário com o dinheiro apreendido que fez seu volume físico parecer maior.
Infelizmente, mais uma vez se confirma que a luta para agradar as chefias leva jovens repórteres a praticar toda sorte de trapaças com a notícia. E que esta é “tratada” para dizer aquilo que os patrões desses jovens querem que seja dito, obviamente em prejuízo do direito do público a receber fatos em vez de versões e interpretações subjetivas como essa de que trata o post.


Eduardo Guimarães

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