segunda-feira, 6 de outubro de 2008

ESSE CÃO TEM PLUMAS


Ah, esses baianos. Assim fala a mãe de Jards Macalé, que abrigou Maria Bethânia por meses, quando ela veio ao Rio nos 70's para cantar e atuar, junto com Macalé, na peça Opinião. Assim falo eu, depois de ler a crônica de João Ubaldo Ribeiro, que acumula prêmios na mesma proporção com que sua escrita se deteriora. Escrever é pensar, argumentar, e por isso às vezes me enjoam escritos desfibrados, sem verve, sem tesão, frases acavaladas sobre outras, num esteticismo vazio e pretensioso. Mas escrever também é apenas escrever - no sentido de organizar frases com um ritmo próprio, original, interessante e singular. A crônica de Ubaldo hoje, no Estadão (a mesma no Globo, já que os jornalões do país inteiro se tornaram tão tediosamente iguais que agora usam os mesmos colunistas), tem todos os vícios ideológicos e sintáticos de suas anteriores. Ou seja, um saco. Por que leio? Talvez por ressaca. Os melhores remédios para ressaca, no meu caso, é beber coca-cola e ler jornal. Meu cérebro funciona precariamente em dias de ressaca e nada melhor do que uma leitura leve e idiota, ou seja, uma coluna de João Ubaldo Ribeiro.

A coluna de hoje é sobre eleições. Refere-se aos políticos como aqueles que "mandam em nós", o que é uma tristonha tentativa de surfar literariamente no preconceito que a mídia para onde escreve está sempre requentando. Manda em quem, cára-pálida! Vai me dizer que a raça humana é mandada por vereadores do DEM? Ele prossegue no mesmo tom, em seu estilo quebrado com tantas vírgulas e palavras e digressões banais & inúteis & desnecessárias que dá vontade de jogar um busto do Graciliano sobre sua cabeça. Ubaldo enche linguiça com preposições, apostos, parênteses, cacos semânticos, tão irritantemente desnecessários que dá vontade de lançar um outro busto do Graciliano sobre sua careca. Seus textos são sempre sobre o mesmo tema: Lula. Morder Lula. O outrora grande escritor baiano encerra sua carreira fazendo parte do bando de desdentados que esqueceram a arte, a política (enquanto dialética ideológica superior), o nacionalismo, o internacionalismo, a paz, a guerra, para ganhar dinheiro falando mal de Lula. Qualque frase de Lula, desde as mais singelas manifestações, é mote para longas, intermináveis, eternas, dissertações críticas. Lula, por exemplo, afirmou que a crise americana não iria atravessar o Atlântico. Até hoje, (sempre os mesmos) os neo-colunistas tentam nos convencer que a frase seria um absurdo lógico, porque EUA e Brasil estão do mesmo lado do Atlântico. A tentativa é melancólica triplamente: primeiro porque é óbvio que sabemos disso; segundo porque "atravessar" pode significar perfeitamente ir de um extremo a outro, no caso do norte para o sul do Atlântico; terceiro porque essa perseguição expõe debilidade ideológica, falta de consistência crítica e mais uma vez preconceito linguístico. Lembro de uma barriga pavorosa de Ancelmo Góes, quando Lula usou o termo "principismo", ao referir-se a sua mudança de posição quanto à importância da CPMF. Góes lançou notínha sarcástica como se a palavra houvesse sido inventada por Lula e como se fosse mais uma agressão ao português feita pelo presidente operário. Espantei-me porque o termo era totalmente plausível e lógico. Sou um filólogo amador, um amante das palavras, da etimologia e formação das palavras. Fui procurar nos dicionários e vi que alguns tinham o termo, outros não. Mas é um termo comumente usado em teoria política, possuindo sentido pejorativo ou positivo, a depender do contexto. No sentido pejorativo, principista é aquele que se agarra dogmaticamente a seus princípios, não entendendo aí os grandes princípios fundamentais, mas também os periféricos (embora importantes), como por exemplo: ser contra ou a favor da CPMF, a favor ou contra a independência do Banco Central, a favor ou contra a privatização. Um político, de esquerda ou direita, realmente não deve ser principista, neste sentido, porque estará recusando, de antemão, a discussão política e o debate democrático. Mas certamente há um sentido positivo para o termo. De qualquer forma, a palavra existe, é um termo importante no vocabulário político. O fato de ser pouco usado lhe dá um valor original, erudito, que soou estranho na boca do presidente operário.

Essas implicâncias mesquinhas apenas deslustram seus autores, porque passam a impressão de que suas críticas se tornaram viciosas, repetitivas e, portanto, artificiais. Voltando à crônica de Ubaldo, o ponto que mais me incomodou, e que na verdade é o único motivo de eu ter resolvido comentá-lo por aqui é que ele afirma que a preferência dos brasileiros por Obama é equivocada (isso depois de dizer que o brasileiro vota errado sempre), porque um governo republicano nos EUA seria mais vantajoso para o Brasil. Tal disparate me irritou. Ubaldo pensou pequeno, provincianamente, ao fazer tal afirmação. O brasileiro é, antes de tudo, um cidadão do mundo, e o governo direitista, conservador, belicista, incompetente de George Bush, representou um mal para todo planeta. Como Ubaldo pode afirmar que os republicanos seriam melhores para o Brasil? Ubaldo agora assinou sua carteirinha de burro reacionário. E a crise financeira americana, Ubaldo? É boa para o Brasil?

Esses são os EUA. Quando os países pobres começam, finalmente, a crescer num ritmo acelerado e sustentável, os EUA inventam uma crise financeira que está sorvendo centenas de bilhões de dólares para um verdadeiro buraco negro sem fim.

O que acho impressionante é que, enquanto nos EUA, o pais interessado e que supostamente seria o mais prejudicado ou beneficiado com a adoção ou não do tal plano de US$ 700 bilhões (e que agora saltou para US$ 850 bilhões), há uma forte rejeição ao uso de dinheiro público para salvar grandes bancos falidos. Acadêmicos respeitados, políticos conservadores, analistas econômicos, e a maior parte dos americanos, são contra o plano. No Brasil, não vi um analista econômico, dentre os convocados pela grande mídia, claro, que fosse contra o plano. No Estadão, há artigos críticos ao plano, mas de autoria de jornalistas norte-americanos.

Pois bem, eu sou contra esse plano. Acho simplesmente absurdo que qualquer Estado use dinheiro dos contribuintes para salvar bancos falidos. O máximo que o Estado poderia fazer era ampliar o valor segurado dos depósitos individuais. Hoje o cidadão americano tem segurado, pelo Estado, US$ 100 mil em depósitos bancários. Se ele tiver US$ 150 mil depositados e o banco quebrar, o Estado garante US$ 100 mil. Com esse novo plano, alguns senadores conseguiram acrescentar uma cláusula que amplia o seguro estatal de US$ 100 mil para US$ 250 mil. Aí tudo bem. O Estado garante depósitos. É por essas e outros que uso o Banco do Brasil. É por isso que acho que as pessoas deviam saber que o mais seguro é ter dinheiro em bancos do Estado, e que esses bancos devem sempre existir. Hoje essa é uma verdade mais poderosa ainda, pois é o Banco do Brasil e o BNDES que estão mantendo o volume de crédito estável no Brasil, já que o compromisso dos bancos privados com a estabilidade econômica do país só vale enquanto a estabilidade lhe proporciona lucros recordes. No primeiro sobressalto, os lucros recordes são esquecidos e o banco fecha seus cofres para os cidadãos e empresários que precisam de capital para continuar tocando suas vidas e negócios. A vantagem dessa crise é que ela está proporcionando uma revisão ideológica do capitalismo moderno. Ela representa o fracasso da versão neo-liberal norte-americana e aponta a necessidade de existir um Estado forte, regulador.

Por exemplo, o anarquismo, a meu ver, precisa repensar seu pricípio anti-estatal, porque o mesmo se consolidou num tempo em que o Estado europeu ainda não tinha amadurecido suas qualidades democráticas. Bakunin era russo, um Estado dominado por um czarismo absolutista. O Estado moderno é democrático e como tal flexível a mudanças legislativas constantes. As tecnologias modernas permitem que tenhamos um Estado eficiente, leve, ágil, e forte.

E caiu o mito de que havíamos chegado ao fim do emprego, devido ao custo tributário excessivo ao empregador. A realidade estatística mostra o contrário: o emprego formal cresceu e bateu recorde no país. Os tributos são pesados, mas os empresários pagam e os empregados respondem com melhor produtividade porque se sentem mais confiantes. Mente-se muito sobre a questão tributária. Os impostos são altos no Brasil, mas o Brasil é um país caro. É fácil ter tributo pequeno num país como a Suíça, com 7,5 milhões de habitantes e área de 41,3 mil quilômetros quadrados do que no Brasil, com 190 milhões de pessoas e 8 milhões de quilômetros quadrados. E o curioso é que a carga tributária na Suíça, assim como em toda Europa, é muito superior à do Brasil! Assim como o aluguel de uma casa grande é maior, nós temos que pagar mais caro. A carga tributária nos EUA é menor porque lá todos pagam impostos. Não há sobrecarga sobre a classe média, como ocorre no Brasil, porque a classe média americana é, há muitas décadas, majoritária na sociedade americana. Os pobres que não pagam impostos é que são minoria. Aqui é o contrário. Conforme o país se desenvolva, como está acontecendo, a carga tributária sobre a classe média poderá ser gradualmente reduzida. Mas o mito do Estado mínimo acabou.

Particularmente, sou contra imposto de renda, imposto sobre salário e imposto sobre o faturamento das empresas sem considerar a taxa de lucro. O imposto deveria incidir somente sobre o consumo, na ponta do varejo, aliviando produção, emprego e libertando o cidadão da condição de eterno devedor do Estado. O imposto de renda é cruel porque temos que pagar por um dinheiro que ganhamos há tempos e que, em alguns casos, não existe mais. E deveria haver regimes tributários bastante diferentes para empresas grandes, médias e pequenas.


Como o mundo dá voltas! Quem te viu, quem te vê! Uma série de lugares-comuns desfilou em meu cérebro quando vi a manchete do caderno de Economia do Estadão de hoje: Brasil é um dos maiores credores dos EUA! E a preocupação de economistas agora é com a possibilidade de um calote do governo ianque! Segundo a reportagem, o Brasil é o quarto maior credor dos EUA, depois de Japão, China e Grã-Bretanha. O governo brasileiro tem US$ 148,4 bilhões em títulos do Tio Sam. Os economistas, diante da crise americana, aconselham diversificar... Por isso, quando o dólar dispara, nossa dívida já não aumenta, mas diminui radicalmente!

Não entendo, aliás, os colunistas que agora reclamam da alta do dólar. Ora, não eram os mesmos que reclamavam da sobrevalorização do Real? Diante do volume das exportações brasileiras, a alta do dólar aumenta a nossa competitividade internacional e injeta ânimo nas milhares de empresas brasileiras que vendem produtos para o exterior. A economia brasileira, portanto, atingiu um ponto-de-equilíbrio fenomenal, em que ganha com dólar baixo (que beneficia o controle da inflação, permite reduzir o custo de vida e facilita a importação de tecnologia) ou dólar alto (que beneficia nossas exportações e os empregos por elas gerados e aumenta o valor de nossas polpudas reservas internacionais).

Miguel do Rosário

Nenhum comentário: