Pelo jeito, só quem gosta de Mendes são os tucanos, os DEMOs, e a mulher dele.
Mendes e a serpente
Quando o ministro Gilmar Mendes se apresenta, sem que ninguém tenha lhe delegado tal função, como artífice de "um novo pacto republicano", estamos diante do quê? De um magistrado para quem o texto normativo é apenas uma moldura suscetível a várias interpretações ou de um ativista que põe em risco a própria noção de Estado Democrático de Direito?
Quando, com total apoio da grande imprensa, Mendes ignora a individualidade harmônica dos Poderes e constrange o Legislativo, mandando tirar da página da TV Câmara um programa que contraria seus interesses, qual a hierarquia de princípios que ilumina suas disposições pessoais? A idéia de uma justiça que se exerce em nome de toda a nação ou o arcabouço legal que privilegia grupos e estamentos particulares? Ao atacar frontalmente movimentos sociais como o MST, o presidente do Supremo Tribunal Federal age como magistrado ou preposto de velhas pretensões oligárquicas?
Sabemos que as classes dominantes brasileiras gostam de falar uma linguagem liberal enquanto exercem formas autoritárias de governo. Se há de fato uma ação orquestrada desestabilizadora, sua novidade estaria no novo arranjo do poder, com a crescente primazia do judiciário tentando anular o poder Legislativo e Executivo. Repete-se a história de sempre: os ideais liberais de alguns setores sucumbem aos velhos artifícios dos segmentos reacionários.
A ”intempestividade” do ministro tem raízes em antagonismos que nascem do jogo das forças sociais que repõem o jogo dialético da história. É preciso calar os novos personagens oriundos do movimento popular. Negar reivindicações e lutas de sujeitos até então destituídos de direitos: camponeses, índios e trabalhadores que protestam contra as suas condições de trabalho e vida no âmbito de uma sociedade desde sempre patrimonialista.
Nessa dinâmica o STF, com indiscutível caráter classista, age como importante ator político para a manutenção do status quo, em aliança com forças políticas que se movem com vistas à 2010. Não se trata apenas de atingir o presidente Lula, mas de resgatar a agenda que realiza o desenvolvimento capitalista sem realizar a democracia.
Ainda em fase de articulação, o movimento conta com uma base militante: a parcela da classe média que, na perfeita definição do saudoso Milton Santos, "é mais apegada ao consumo que à cidadania, sócia despreocupada do antigo poder com o qual se confundia".
Assim, o que mobiliza a oposição ao atual governo pode ser descrito de forma simples: não deixar que se conclua a implantação de uma democracia que não seja apenas eleitoral, mas também econômica, política e social. O ativismo exacerbado guarda sintonia com o senso de urgência.
Ao cobrar agilidade do Ministério Público na investigação de repasses de recursos públicos para o MST, Gilmar Mendes não poderia ser mais explícito: “É bom que haja então uma atuação do Ministério Público, fazendo essa distinção, dizendo quando o repasse é legítimo. Ele vai nos ensinar em relação a isso. Mas é preciso haver decisão. Porque do contrário, por exemplo, nós estamos já há dois anos do final do governo Lula, essas investigações vão ser feitas para o próximo governo?"
Ao cobrar agilidade do Ministério Público na investigação de repasses de recursos públicos para o MST, Gilmar Mendes não poderia ser mais explícito: “É bom que haja então uma atuação do Ministério Público, fazendo essa distinção, dizendo quando o repasse é legítimo. Ele vai nos ensinar em relação a isso. Mas é preciso haver decisão. Porque do contrário, por exemplo, nós estamos já há dois anos do final do governo Lula, essas investigações vão ser feitas para o próximo governo?"
Uma faxina prévia para um eventual governo Serra ou aflição da serpente com a resistência da casca do ovo? É preciso responder à pergunta que se insinua como retrocesso possível.
Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro.
Publicado originalmente no site da Carta Maior.
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