Está em cartaz nos cinemas o filme Cidadão Boilesen, do diretor Chaim Litewski. Resultado de 15 anos de pesquisas, ele já foi premiado no Festival Internacional de Documentários É Tudo Verdade e foi aplaudido de pé na Mostra de São Paulo e no Festival do Rio de Janeiro.
Por Altamiro Borges
O filme retrata a trajetória sinistra de Henning Boilesen, dinamarquês naturalizado brasileiro, executivo do Grupo Ultra (Ultragaz, Ultralar, etc.), e revela os porões da Operação Bandeirantes, a Oban, o principal centro de tortura montado pelo Exército durante os tempos sombrios da ditadura militar no país.
O documentário prova, com entrevistas, fatos e nomes, que industriais e banqueiros financiaram a Oban. Boilesen foi além. Anticomunista sádico, ele se destacou por participar diretamente das sessões de tortura.
Ele inventou até uma máquina capaz de controlar, com teclados, a intensidade dos choques elétricos. Em sua homenagem, o aparelho foi batizado de “pianola Boilesen” pelos carrascos torturadores. Em 15 de abril de 1971, o sádico empresário foi morto por militantes da Ação Libertadora Nacional (ANL) e do Movimento Revolucionário Tiradentes (MRT).
A resposta ridícula do ombudsman
Num dos trechos, o filme confirma o envolvimento direto do Grupo Folha nos anos de chumbo da ditadura. Indignado com a revelação, o procurador Renato Khair enviou carta ao ombudsman do jornal solicitando explicações. A mensagem não foi sequer publicada, mas merece ser lida:
“No ótimo documentário Cidadão Boilesen, de Chaim Litewski, há uma citação expressa de que este jornal teria colaborado diretamente com a Operação Bandeirantes (Oban), da ditadura militar. A Folha teria cedido as suas caminhonetes aos membros da Oban, na repressão aos opositores da ditadura. É uma acusação grave e séria. Até agora, não vi nenhuma resposta da Folha, negando veementemente qualquer tipo de participação ou apoio ao regime militar. O mínimo que se espera é que se manifeste, seja para refutar ou para confirmar tais afirmações”.
A resposta do ombudsman, que também não apareceu nas páginas da Folha, foi ridícula: “Caro Sr. Renato, durante o período ditatorial, a direção da Folha não foi informada da utilização dos seus caminhões pelos órgãos de repressão. No entanto, investigações posteriores constataram que, de fato, alguns veículos do jornal foram usados por equipes do DOI-Codi. Esses atos foram praticados à revelia dos acionistas da empresa. Atenciosamente, Carlos Eduardo Lins da Silva”.
Ditadura funcional à famíglia Frias
O ombudsman, talvez para preservar o seu posto, parece desconhecer as ligações entre o dono do Grupo Folha, Octávio Frias de Oliveira, e o setor “linha dura” dos generais. Ele também não cita que os editoriais da Folha clamaram pelo golpe militar de 1964. Até parece que não leu o livro Ditadura Escancarada, de Élio Gaspari, que hoje serve ao jornal e também resolveu silenciar sobre o seu apoio à “ditabranda”. Na página 395, ele afirma: “Carros da empresa [Folha] eram emprestados ao DOI, que os usava como cobertura para transportar presos na busca de ‘pontos’”.
É uma mentira grotesca afirmar que o apoio à ditadura “foi praticado à revelia dos acionistas da empresa”. Octávio Frias de Oliveira foi um dos mentores intelectuais do golpe militar e, durante anos, utilizou seus órgãos de imprensa para apoiar as barbaridades cometidas pela ditadura.
Só nos estertores do regime, quando já tinha dizimado as forças de esquerda e sofria forte desgaste, é que a famíglia Frias encampou a bandeira das Diretas-Já. A ditadura foi bastante funcional para a elite burguesa e Octávio Frias construiu seu império midiático à custa dela. Não dá para negar!
“Frias colaborou com a ditadura”
Quando do abjeto editorial da Folha qualificando de “ditabranda” a sanguinária ditadura militar, o jornalista Rodrigo Vianna, do blog Escrevinhador, publicou entrevista com Carlos Eugênio Paz, ex-dirigente da ANL e um dos personagens do filme Cidadão Boilesen. A conversa ajuda a desmentir a grotesca resposta do ombudsman da Folha. Reproduzo trechos da entrevista:
RV- Durante o período em que você esteve à frente da ALN (1970/1972), soube do envolvimento direto do Grupo Folha com a Oban e o DOI-Codi?
O Grupo Folha, que apoiou o golpe de Estado de direita de 31 de março de 1964 desde suas primeiras horas — basta ver as manchetes, as reportagens e os editoriais da Folha de S.Paulo da época —, colaborou diretamente com a repressão política. Carros de suas publicações eram usados para disfarçar investigações e cercos e chegaram inclusive a transportar companheiros presos para o DOI-Codi. Agentes da Operação Bandeirantes serviam-se dos carros do grupo para transitarem sem serem identificados por nós como policiais.
RV- A ALN chegou queimar carros da Folha? Por quê?
Sim, a Ação Libertadora Nacional queimou vários carros da Folha como represália à participação do Grupo Folha no financiamento da repressão e o uso de seus carros na repressão direta. Ao fazer isso, o Grupo Folha, participando diretamente da guerra, era passível de sofrer as sanções e as represálias da guerra.
RV- A ALN chegou a elaborar lista com nomes dos principais financiadores da Oban? Quem estava nessa lista? Alguém ligado à Folha constava?
A ALN tinha conhecimento de vários financiadores da Oban. Entre eles estavam o senhor Frias, presidente do Grupo Folha, o presidente da Ultragaz, Henning Albert Boilesen, o presidente do Grupo Ultra, Peri Igel, o presidente do Bradesco, Amador Aguiar, o presidente da Fiesp, Theobaldo de Nigris, que inclusive cedia a sede desta entidade para reuniões arrecadatórias, e muitos outros. Havia provas cabais e contundentes. Uma amostra disso foi o justiçamento de Boilesen, que mesmo na época ficou claro ser um quadro do sistema repressivo. Hoje, com o filme Cidadão Boilesen, de Chaim Litewski, fica mais ainda.
RV- Em seu livro Viagem à Luta Armada, você relata o caso de Solange (militante que foi torturada na Oban, sobreviveu, e depois ajudou a reconhecer Boilesen como torturador). Você lembra algum militante de esquerda ter dado informações diretas, semelhantes às de Solange, sobre a presença de carros da Folha nas operações da Oban?
Lembro sim. Houve companheiros que, presos nas mãos do DOI-Codi, foram transportados em carros da Folha. Assim como fiz no caso da companheira Solange, reservo-me o direito de não citar seus nomes, por respeito a eles e às normas de segurança. Quero dizer que compreendo o desejo de sigilo por parte de todos os companheiros da ALN e sempre o respeitarei.
RV- Como avaliou o fato da Folha — que nunca se pronunciou sobre esses episódios nebulosos — ter se referido à ditadura como “ditabranda”, em recente editorial?
O Grupo Folha apoiou o golpe de Estado, financiou e participou diretamente da repressão e jamais fez autocrítica disso. Aliás, comportamento adotado pela direita brasileira em seu conjunto. Hoje falam de democracia como se tivessem sido democratas a vida inteira. Roberto Marinho, por ocasião de seu falecimento, foi saudado como um democrata, Frias também. Grupos econômicos que financiaram a repressão hoje saúdam a democracia. Um dos defensores e redatores do AI-5, o coronel Jarbas Passarinho, posa de tolerante e democrata.
Ao mesmo tempo, quando falamos de abrir os arquivos da ditadura, quando pedimos os corpos de nossos desaparecidos para que suas famílias possam, enfim, chorá-los e descansar, quando queremos saber como esses assassinatos foram perpetrados, muitas vozes se levantam nos acusando de revanchistas. O Grupo Folha está, quando fala de “ditabranda”, onde sempre esteve, à direita da sociedade, e defende a ditadura. Talvez eles achem que se devesse, na época, ter cometido ainda mais e mais graves crimes contra o povo brasileiro.Portal Vermelho,
Por Altamiro Borges
O filme retrata a trajetória sinistra de Henning Boilesen, dinamarquês naturalizado brasileiro, executivo do Grupo Ultra (Ultragaz, Ultralar, etc.), e revela os porões da Operação Bandeirantes, a Oban, o principal centro de tortura montado pelo Exército durante os tempos sombrios da ditadura militar no país.
O documentário prova, com entrevistas, fatos e nomes, que industriais e banqueiros financiaram a Oban. Boilesen foi além. Anticomunista sádico, ele se destacou por participar diretamente das sessões de tortura.
Ele inventou até uma máquina capaz de controlar, com teclados, a intensidade dos choques elétricos. Em sua homenagem, o aparelho foi batizado de “pianola Boilesen” pelos carrascos torturadores. Em 15 de abril de 1971, o sádico empresário foi morto por militantes da Ação Libertadora Nacional (ANL) e do Movimento Revolucionário Tiradentes (MRT).
A resposta ridícula do ombudsman
Num dos trechos, o filme confirma o envolvimento direto do Grupo Folha nos anos de chumbo da ditadura. Indignado com a revelação, o procurador Renato Khair enviou carta ao ombudsman do jornal solicitando explicações. A mensagem não foi sequer publicada, mas merece ser lida:
“No ótimo documentário Cidadão Boilesen, de Chaim Litewski, há uma citação expressa de que este jornal teria colaborado diretamente com a Operação Bandeirantes (Oban), da ditadura militar. A Folha teria cedido as suas caminhonetes aos membros da Oban, na repressão aos opositores da ditadura. É uma acusação grave e séria. Até agora, não vi nenhuma resposta da Folha, negando veementemente qualquer tipo de participação ou apoio ao regime militar. O mínimo que se espera é que se manifeste, seja para refutar ou para confirmar tais afirmações”.
A resposta do ombudsman, que também não apareceu nas páginas da Folha, foi ridícula: “Caro Sr. Renato, durante o período ditatorial, a direção da Folha não foi informada da utilização dos seus caminhões pelos órgãos de repressão. No entanto, investigações posteriores constataram que, de fato, alguns veículos do jornal foram usados por equipes do DOI-Codi. Esses atos foram praticados à revelia dos acionistas da empresa. Atenciosamente, Carlos Eduardo Lins da Silva”.
Ditadura funcional à famíglia Frias
O ombudsman, talvez para preservar o seu posto, parece desconhecer as ligações entre o dono do Grupo Folha, Octávio Frias de Oliveira, e o setor “linha dura” dos generais. Ele também não cita que os editoriais da Folha clamaram pelo golpe militar de 1964. Até parece que não leu o livro Ditadura Escancarada, de Élio Gaspari, que hoje serve ao jornal e também resolveu silenciar sobre o seu apoio à “ditabranda”. Na página 395, ele afirma: “Carros da empresa [Folha] eram emprestados ao DOI, que os usava como cobertura para transportar presos na busca de ‘pontos’”.
É uma mentira grotesca afirmar que o apoio à ditadura “foi praticado à revelia dos acionistas da empresa”. Octávio Frias de Oliveira foi um dos mentores intelectuais do golpe militar e, durante anos, utilizou seus órgãos de imprensa para apoiar as barbaridades cometidas pela ditadura.
Só nos estertores do regime, quando já tinha dizimado as forças de esquerda e sofria forte desgaste, é que a famíglia Frias encampou a bandeira das Diretas-Já. A ditadura foi bastante funcional para a elite burguesa e Octávio Frias construiu seu império midiático à custa dela. Não dá para negar!
“Frias colaborou com a ditadura”
Quando do abjeto editorial da Folha qualificando de “ditabranda” a sanguinária ditadura militar, o jornalista Rodrigo Vianna, do blog Escrevinhador, publicou entrevista com Carlos Eugênio Paz, ex-dirigente da ANL e um dos personagens do filme Cidadão Boilesen. A conversa ajuda a desmentir a grotesca resposta do ombudsman da Folha. Reproduzo trechos da entrevista:
RV- Durante o período em que você esteve à frente da ALN (1970/1972), soube do envolvimento direto do Grupo Folha com a Oban e o DOI-Codi?
O Grupo Folha, que apoiou o golpe de Estado de direita de 31 de março de 1964 desde suas primeiras horas — basta ver as manchetes, as reportagens e os editoriais da Folha de S.Paulo da época —, colaborou diretamente com a repressão política. Carros de suas publicações eram usados para disfarçar investigações e cercos e chegaram inclusive a transportar companheiros presos para o DOI-Codi. Agentes da Operação Bandeirantes serviam-se dos carros do grupo para transitarem sem serem identificados por nós como policiais.
RV- A ALN chegou queimar carros da Folha? Por quê?
Sim, a Ação Libertadora Nacional queimou vários carros da Folha como represália à participação do Grupo Folha no financiamento da repressão e o uso de seus carros na repressão direta. Ao fazer isso, o Grupo Folha, participando diretamente da guerra, era passível de sofrer as sanções e as represálias da guerra.
RV- A ALN chegou a elaborar lista com nomes dos principais financiadores da Oban? Quem estava nessa lista? Alguém ligado à Folha constava?
A ALN tinha conhecimento de vários financiadores da Oban. Entre eles estavam o senhor Frias, presidente do Grupo Folha, o presidente da Ultragaz, Henning Albert Boilesen, o presidente do Grupo Ultra, Peri Igel, o presidente do Bradesco, Amador Aguiar, o presidente da Fiesp, Theobaldo de Nigris, que inclusive cedia a sede desta entidade para reuniões arrecadatórias, e muitos outros. Havia provas cabais e contundentes. Uma amostra disso foi o justiçamento de Boilesen, que mesmo na época ficou claro ser um quadro do sistema repressivo. Hoje, com o filme Cidadão Boilesen, de Chaim Litewski, fica mais ainda.
RV- Em seu livro Viagem à Luta Armada, você relata o caso de Solange (militante que foi torturada na Oban, sobreviveu, e depois ajudou a reconhecer Boilesen como torturador). Você lembra algum militante de esquerda ter dado informações diretas, semelhantes às de Solange, sobre a presença de carros da Folha nas operações da Oban?
Lembro sim. Houve companheiros que, presos nas mãos do DOI-Codi, foram transportados em carros da Folha. Assim como fiz no caso da companheira Solange, reservo-me o direito de não citar seus nomes, por respeito a eles e às normas de segurança. Quero dizer que compreendo o desejo de sigilo por parte de todos os companheiros da ALN e sempre o respeitarei.
RV- Como avaliou o fato da Folha — que nunca se pronunciou sobre esses episódios nebulosos — ter se referido à ditadura como “ditabranda”, em recente editorial?
O Grupo Folha apoiou o golpe de Estado, financiou e participou diretamente da repressão e jamais fez autocrítica disso. Aliás, comportamento adotado pela direita brasileira em seu conjunto. Hoje falam de democracia como se tivessem sido democratas a vida inteira. Roberto Marinho, por ocasião de seu falecimento, foi saudado como um democrata, Frias também. Grupos econômicos que financiaram a repressão hoje saúdam a democracia. Um dos defensores e redatores do AI-5, o coronel Jarbas Passarinho, posa de tolerante e democrata.
Ao mesmo tempo, quando falamos de abrir os arquivos da ditadura, quando pedimos os corpos de nossos desaparecidos para que suas famílias possam, enfim, chorá-los e descansar, quando queremos saber como esses assassinatos foram perpetrados, muitas vozes se levantam nos acusando de revanchistas. O Grupo Folha está, quando fala de “ditabranda”, onde sempre esteve, à direita da sociedade, e defende a ditadura. Talvez eles achem que se devesse, na época, ter cometido ainda mais e mais graves crimes contra o povo brasileiro.Portal Vermelho,
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