Folha de S. Paulo - 02/01/2010
Senador Heráclito Fortes adota prática, mas diz que ações punham em risco seu mandato
Verba indenizatória deve ser usada apenas para pagar despesas parlamentares; envolvidos negam uso do dinheiro para fim particular
Deputados federais e senadores usaram a verba indenizatória para pagar advogados que os defendem em processos que tramitam na Justiça.
Levantamento da Folha localizou ao menos 11 deputados e dois senadores que adotaram a prática em 2009. Desde abril, pagaram R$ 283.850,00 a escritórios de advocacia a título de consultoria legislativa ou "trabalho técnico". A constatação foi feita a partir do cruzamento dos escritórios citados nas prestações de contas com os advogados responsáveis pelas ações de congressistas divulgadas em sites da Justiça.
O senador Heráclito Fortes (DEM-PI), primeiro-secretário da Casa, usou R$ 3.500 da verba de setembro e outubro para pagar o escritório Eduardo e Eduardo Advogados Associados, de Teresina. Ele disse que os advogados o representam em ações judiciais relativas ao exercício de seu mandato.
O senador respondeu a uma ação de impugnação do mandato por abuso de poder econômico no TSE (Tribunal Superior Eleitoral), que transitou em julgado em novembro.
Para Heráclito, não há impedimento em usar a verba no caso, pois a ação punha em risco seu mandato. Segundo a assessoria, o escritório ainda acompanha ações movidas por ele contra ataques a seu mandato.
Os demais deputados e o senador Flávio Arns (PSDB-PR) negaram que dinheiro público tenha sido usado para interesses pessoais. Eles afirmam que os escritórios foram contratados para elaborar pareceres ou notas técnicas que auxiliam na proposição de projetos de lei.
Em outubro, há registro de um pagamento de R$ 16.000 do deputado Edmar Moreira (PR-MG) ao escritório Santos Rodrigues Advogados, que consta como seu defensor em um inquérito que está no STF (Supremo Tribunal Federal).
Neste ano, Edmar, conhecido por ter um castelo em Minas, foi alvo de processo na Câmara por exibir notas de suas empresas para justificar gastos com verba indenizatória. A repercussão do caso contribuiu para a Câmara passar a divulgar detalhes do uso do recurso.
Normas
As normas de uso da verba não impedem que um advogado que defenda um congressista também preste a ele consultoria paga com dinheiro público. Um ato da Câmara diz apenas que o deputado deve se "responsabilizar pela compatibilidade" do gasto feito com a verba indenizatória.
Para Arns, que pagou R$ 6.650 em novembro a um escritório de Curitiba, "não é recomendável" que um mesmo advogado preste consultoria ao mesmo tempo em que defende o congressista, para "evitar possíveis interpretações".
Ele afirma que o advogado que o representou na ação de prestação de contas das eleições de 2006 não é mais sócio do escritório que aparece em sua prestação de contas.
Para o advogado Alexandre Jobim, professor de direito constitucional e eleitoral da UnB, a contratação de um mesmo escritório para prestar consultoria jurídica e acompanhar as ações na Justiça exige mais explicações do congressista.
"Se verificado que serviços foram efetivamente prestados, não vejo incompatibilidade de um escritório fazer duas atuações, desde que fiquem em pagamentos separados", diz.
"O que pode acontecer é que parte [do valor] seja para defender a ação e parte para consultoria. Com tanta coisa acontecendo no país, somos levados a suspeitar que isso ocorra."
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