Por Gilberto de Souza - do Rio de Janeiro
O Movimento dos Trabalhadores Sem Terra está, novamente, no centro dos debates nacionais, por conta do Programa Nacional de Direitos Humanos. Os avanços previstos no novo texto são visíveis o suficiente para arrepiar grileiros e latifundiários de plantão, fazendo-os recorrer à força máxima dos meios de comunicação que detém, e não são poucos, nem desprezíveis do ponto de vista da audiência, e apenas da audiência, para tentar deter tais avanços sociais. Sem sucesso, crêem aqueles que querem esse país mais justo e equânime.
Cedenir de Oliveira, porta-voz nacional do MST, em entrevista a jornalistas no Sul do país, disse há pouco que a terra ocupada por militantes do Movimento não é de propriedade individual, "ela permanece como propriedade do Incra. O Incra dá uma concessão do uso à pessoa, que não é proprietária da terra. O órgão regulador que vê se essa pessoa que está no assentamento está utilizando a terra para o devido fim é o próprio Incra".
Ora, se a terra ocupada pelo MST é do Incra, que 'terceiriza' – por assim dizer – o lote ao posseiro para, no futuro, carimbar a escritura definitiva de propriedade, aquele terreno terminará, um dia, privatizado para aquele que, no passado, considerava o chão um bem coletivo. Aqui não está incluído o determinismo do posseiro, futuro proprietário, em lavrar e colher o que a terra dá, nos melhores níveis de produtividade da área. Não. A questão aqui é de fulcro. Fazer o possível para que a produção seja sustentável, econômica, social e ecologicamente, não é nada além da obrigação de quem recebe um eito para viver dele, junto com a família.
Diante da legislação atual, por mais socialista que seja o discurso do MST, o resultado será, no final, a vitória do sistema que, por obter do governo, logo, do coletivo, uma fatia da terra contida nestas gigantescas fronteiras, a transformará em um futuro não tão distante em uma propriedade privada. Não estranharia se um posseiro d'antanho estivesse hoje, ainda que timidamente, metido nas lides dos latifundiários para não ver qualquer risco ao que se considera 'o direito sagrado à propriedade'. Pois é assim que a extrema direita encara a questão, como se alqueires fossem matéria divina regulada por tribunais celestiais, resolvida aqui na Terra na base das armas.
Seria interessante saber, junto aos assentados, quantos não sonham com o título definitivo de propriedade da terra ocupada, ainda que isso não signifique, de imediato, que o ilustre lavrador tenha pretensões ao mercado de real state ou pense, em curto prazo, transformar-se em um fazendeiro dos moldes tradicionais. É possível, no entanto, acreditar que, nas noites de muito frio e pouco cobertor, não pense lá o homem do campo, sob um teto mínimo, muitas vezes de plástico preto, quanto seria bom ser o portador do Título de Domínio. Esse, por si mesmo, já estaria ótimo. Ser-lhe-ia a promessa de que, por 17, 20 anos, pagaria ao Erário o valor daquele terreno e este lhe pertenceria, e à família, por séculos e séculos, amém.
Ano passado, no Amapá, o Incra entregou 27 desses títulos de Domínio às famílias rurais dos assentamentos Bom Jesus, Cedro e São Benedito do Aporema, no município de Tartarugalzinho, e no assentamento Cujubim, no município de Pracuuba. A entrega dos documentos aconteceu na Vila de São Benedito do Aporema. "Com o título de domínio em mãos, o assentado torna-se o dono da parcela de terra, mas só depois que for registrado no Cartório de Registro de Imóveis da comarca. Em seguida, ele terá de pagar as prestações anuais pela terra" diz, orgulhoso, o comunicado de imprensa distribuído pelo Instituto e saudado pelo MST.
"O período de carência para o pagamento da primeira prestação é de três anos, tendo 17 anos para quitar. Com o pagamento em dia e mantendo os filhos na escola, o assentado tem um desconto de 50% sobre o valor da prestação anual. De acordo com a Divisão de Desenvolvimento do Incra/AP, já está programada para segunda quinzena do mês de julho a entrega de mais 55 títulos definitivos para o assentamento Perimetral", conclui o texto. Ora, se 17 anos depois a terra ocupada passa a ser de propriedade dos felizes moradores de São Benedito do Aporema ou sabe-se lá mais de onde, outro um passo foi consolidado na privatização do solo deste país, distante portanto da vertente socialista apregoada por dirigentes do MST.
Trata-se, então, do engodo. O discurso que se distancia da prática. O socialismo incluído na ata de fundação do MST vai até o momento em que o integrante do Movimento se torna, por ele mesmo, o latifundiário que tanto combateu. E aí também não importa o tamanho do latifúndio, mas a sua existência em si. Enquanto existirem as cercas, o dono do pedaço faz o que melhor lhe aprouver, desde que cumpra lá umas cláusulas quaisquer do Estatuto da Terra, pague um advogado e não lhe encham mais a paciência. Caem por terra, assim, o planejamento plurianual, as escolas coletivas, o plantio solidário, a idéia de uma nação que trabalha por todos os brasileiros.
Para pagar por esse pecadilho, o de dizer uma coisa que vai acabar em outra completamente diferente do que foi dito no início, o MST pode aproveitar a onda de sensatez em que o Brasil surfa há nove anos e propor ao Incra que os tais Títulos de Domínio não sejam mais lavrados em nome do ocupante, mas do próprio Movimento, tornando-se este, assim, o responsável legal pela terra conquistada. Os sem-terra, pela própria democracia interna do movimento, passariam a gerir de maneira eficaz e solidária as terras ocupadas dos ex-latifundiários que, a essa altura dos acontecimentos, estariam loucos para ingressar nas fileiras que marcham às beiras das rodovias e tomar-lhes o poder para, de novo, privatizar o solo nacional.
Gilberto de Souza é editor-chefe do Correio do Brasil.
O Movimento dos Trabalhadores Sem Terra está, novamente, no centro dos debates nacionais, por conta do Programa Nacional de Direitos Humanos. Os avanços previstos no novo texto são visíveis o suficiente para arrepiar grileiros e latifundiários de plantão, fazendo-os recorrer à força máxima dos meios de comunicação que detém, e não são poucos, nem desprezíveis do ponto de vista da audiência, e apenas da audiência, para tentar deter tais avanços sociais. Sem sucesso, crêem aqueles que querem esse país mais justo e equânime.
Cedenir de Oliveira, porta-voz nacional do MST, em entrevista a jornalistas no Sul do país, disse há pouco que a terra ocupada por militantes do Movimento não é de propriedade individual, "ela permanece como propriedade do Incra. O Incra dá uma concessão do uso à pessoa, que não é proprietária da terra. O órgão regulador que vê se essa pessoa que está no assentamento está utilizando a terra para o devido fim é o próprio Incra".
Ora, se a terra ocupada pelo MST é do Incra, que 'terceiriza' – por assim dizer – o lote ao posseiro para, no futuro, carimbar a escritura definitiva de propriedade, aquele terreno terminará, um dia, privatizado para aquele que, no passado, considerava o chão um bem coletivo. Aqui não está incluído o determinismo do posseiro, futuro proprietário, em lavrar e colher o que a terra dá, nos melhores níveis de produtividade da área. Não. A questão aqui é de fulcro. Fazer o possível para que a produção seja sustentável, econômica, social e ecologicamente, não é nada além da obrigação de quem recebe um eito para viver dele, junto com a família.
Diante da legislação atual, por mais socialista que seja o discurso do MST, o resultado será, no final, a vitória do sistema que, por obter do governo, logo, do coletivo, uma fatia da terra contida nestas gigantescas fronteiras, a transformará em um futuro não tão distante em uma propriedade privada. Não estranharia se um posseiro d'antanho estivesse hoje, ainda que timidamente, metido nas lides dos latifundiários para não ver qualquer risco ao que se considera 'o direito sagrado à propriedade'. Pois é assim que a extrema direita encara a questão, como se alqueires fossem matéria divina regulada por tribunais celestiais, resolvida aqui na Terra na base das armas.
Seria interessante saber, junto aos assentados, quantos não sonham com o título definitivo de propriedade da terra ocupada, ainda que isso não signifique, de imediato, que o ilustre lavrador tenha pretensões ao mercado de real state ou pense, em curto prazo, transformar-se em um fazendeiro dos moldes tradicionais. É possível, no entanto, acreditar que, nas noites de muito frio e pouco cobertor, não pense lá o homem do campo, sob um teto mínimo, muitas vezes de plástico preto, quanto seria bom ser o portador do Título de Domínio. Esse, por si mesmo, já estaria ótimo. Ser-lhe-ia a promessa de que, por 17, 20 anos, pagaria ao Erário o valor daquele terreno e este lhe pertenceria, e à família, por séculos e séculos, amém.
Ano passado, no Amapá, o Incra entregou 27 desses títulos de Domínio às famílias rurais dos assentamentos Bom Jesus, Cedro e São Benedito do Aporema, no município de Tartarugalzinho, e no assentamento Cujubim, no município de Pracuuba. A entrega dos documentos aconteceu na Vila de São Benedito do Aporema. "Com o título de domínio em mãos, o assentado torna-se o dono da parcela de terra, mas só depois que for registrado no Cartório de Registro de Imóveis da comarca. Em seguida, ele terá de pagar as prestações anuais pela terra" diz, orgulhoso, o comunicado de imprensa distribuído pelo Instituto e saudado pelo MST.
"O período de carência para o pagamento da primeira prestação é de três anos, tendo 17 anos para quitar. Com o pagamento em dia e mantendo os filhos na escola, o assentado tem um desconto de 50% sobre o valor da prestação anual. De acordo com a Divisão de Desenvolvimento do Incra/AP, já está programada para segunda quinzena do mês de julho a entrega de mais 55 títulos definitivos para o assentamento Perimetral", conclui o texto. Ora, se 17 anos depois a terra ocupada passa a ser de propriedade dos felizes moradores de São Benedito do Aporema ou sabe-se lá mais de onde, outro um passo foi consolidado na privatização do solo deste país, distante portanto da vertente socialista apregoada por dirigentes do MST.
Trata-se, então, do engodo. O discurso que se distancia da prática. O socialismo incluído na ata de fundação do MST vai até o momento em que o integrante do Movimento se torna, por ele mesmo, o latifundiário que tanto combateu. E aí também não importa o tamanho do latifúndio, mas a sua existência em si. Enquanto existirem as cercas, o dono do pedaço faz o que melhor lhe aprouver, desde que cumpra lá umas cláusulas quaisquer do Estatuto da Terra, pague um advogado e não lhe encham mais a paciência. Caem por terra, assim, o planejamento plurianual, as escolas coletivas, o plantio solidário, a idéia de uma nação que trabalha por todos os brasileiros.
Para pagar por esse pecadilho, o de dizer uma coisa que vai acabar em outra completamente diferente do que foi dito no início, o MST pode aproveitar a onda de sensatez em que o Brasil surfa há nove anos e propor ao Incra que os tais Títulos de Domínio não sejam mais lavrados em nome do ocupante, mas do próprio Movimento, tornando-se este, assim, o responsável legal pela terra conquistada. Os sem-terra, pela própria democracia interna do movimento, passariam a gerir de maneira eficaz e solidária as terras ocupadas dos ex-latifundiários que, a essa altura dos acontecimentos, estariam loucos para ingressar nas fileiras que marcham às beiras das rodovias e tomar-lhes o poder para, de novo, privatizar o solo nacional.
Gilberto de Souza é editor-chefe do Correio do Brasil.
3 comentários:
Não entendi tu é contra ou a favor?
Andres, claro que defendo o MST.Não obstante, concordo quando o MST critica o fato de a parcela expropriada petencer, inicialmente, ao INCRA e, pós longos anos, ao assentado. Este discurso do MST contém um pecado original.O que o jornalista afirma é que, para sair do pecadilho, MST deveria propor ao Incra que os Títulos de Domínio não sejam mais lavrados em nome do ocupante, mas do próprio Movimento, tornando-se este, assim, o responsável legal pela terra conquistada. Os sem-terra, pela própria democracia interna do movimento, passariam a gerir de maneira eficaz e solidária as terras ocupadas dos ex-latifundiários.
Andes, mais:O jornalista esqueceu de dizer que, no mais das vezes, o assentado "repassa" a terra ganha a outra pessoa, muitas delas sem ter nada a ver com a agricultura.Se esta propriedade pertencesse ao MST isso não ocorreria.Portanto, o jornalista critica, pelo que leu da entrevista do representante do MST, é que este comete um pecado ao criticar o INCRA pelo fato de este ficar por longos anos com o DOMINIO da terra destinada ao trabalhador.
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