A maior parte das denúncias de
corrupção levadas ao conhecimento do povo, nesses dias, tem sido feita
por aquela parte da mídia, porta-voz tradicional das “virtudes morais e
patrióticas” de grandes grupos econômicos. Empresárias/os ricas/os,
dotadas/os de um empreendedorismo típico do capital indispensável ao
progresso do país, seriam vítimas inocentes de um Estado corrupto,
ineficiente, perdulário, adversário disfarçado do livre mercado.
Essa campanha “civilista” ganhou um
impulso extraordinário nos últimos tempos por força do caso Petrobras.
Qualquer indício de mal feito chega a sociedade como prova indiscutível
de imoralidade, a merecer de todas/os as/os brasileiras/os a execração
pública da/o denunciada/o e do “mar de lama” onde está se afogando o
governo do país.
Esse veneno começa a ser ingerido
agora por quem mais tem se dedicado a tornar manifesto seu passado de
moral ilibada, o seu zelo pelo respeito devido à ética, seja a pública,
seja a privada, a pureza de suas intenções em punir as pessoas
responsáveis por tais crimes.
O Correio do povo deste sábado, 18
de março, indicando como fonte o Estadão, noticia estar a Polícia
Federal apurando desvios de R$ 19 bilhões na Receita de bancos e
empresas:
“Os bancos Bradesco, Santander,
Safra, Pactual e Bank Boston, as montadoras Ford e Mitsubishi, além da
gigante da alimentação BR Foods são investigados por suspeita de
negociar ou pagar propina para apagar débitos com a Receita Federal no
Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). Na relação das
empresas listadas na operação Zelotes também constam Petrobras, Camargo
Corrêa e a Light, distribuidora de energia do Rio.”
“O grupo de comunicação RBS é
suspeito de pagar R$ 15 milhões para obter redução de débito fiscal de
cerca de R$ 150 milhões. No total, as investigações se concentram sobre
débitos da RBS que somam R$ 672 milhões, segundo investigadores. O grupo
Gerdau também é investigado pela suposta tentativa de anular débitos
que chegam a R$ 1,2 bilhão. O banco Safra, que tem dívidas em discussão
de R$ 767 milhões, teria sido flagrado negociando o cancelamento dos
débitos.” “Estão sob suspeita, ainda, processos envolvendo débitos do
Bradesco e da Bradesco Seguros no valor de R$ 2,7 bilhões; do Santander
(R$ 3,3 bilhões) e do Bank Boston (R$ 106 milhões). A Petrobras também
está entre as empresas investigadas. Processos envolvendo dívidas
tributárias de R$ 53 milhões são alvo do pente-fino, que envolve a
Polícia Federal, o Ministério Público Federal e as corregedorias da
Receita Federal e do Ministério da Fazenda.”
Na edição de março do Le Monde
Diplomatique, igualmente, Silvio Caccia Bava exibe dados relativos aos
expedientes utilizados por poderosas empresas e pessoas ricas, valer-se
da prática da corrupção para sonegar o pagamento de impostos. Embora sem
poupar a responsabilidade do Poder Público em bem fiscalizar e impedir
tais ilícitos, afirma:
“Existem também, mecanismos
utilizados pelas grandes empresas multinacionais que atuam no Brasil,
que se valem de expedientes de sub e sobrefaturamento para promover a
evasão fiscal. Isto é, deixar de pagar impostos e transferir ilegalmente
riqueza para fora do país. A Tax Jusfice Network identifica, com base
em dados do Banco Mundial, que a evasão fiscal no Brasil, em 2011, foi
de 13,4% do PIB, algo como US$ 280 bilhões. Os impostos mais sonegados
são o INSS, o ICMS e o Imposto de Renda. Mas não para por aí. As dívidas
reconhecidas pela Receita Federal de impostos das multinacionais que
operam no Brasil, em 2012, somam R$680 bilhões.” (…) “Em meio ao
escândalo do SBC, o segundo maior banco do mundo, identificaram-se 8.667
brasileiros que sonegaram ou o lavaram dinheiro fora do país por meio
dessa instituição. São bilhões de dólares por ano. Eles são parte da
elite econômica do nosso país, acostumada a tudo poder. O que vai
acontecer com eles?”
Diante de uma realidade como essa,
pelo que se está apurando até agora, os valores de desvio de dinheiro da
Petrobras são até significativamente inferiores, mas a conveniência de
serem expostos como únicos e reprováveis se vale do exemplo de inocência
do quero-quero, para até isso deturpar. Gritando estridentemente bem
longe do ninho justamente para esconder o lugar onde esse se encontra, a
avezinha despista agressores, defende e salva a vida dos seus filhotes.
A corrupção moral desses poderosos grupos econômicos, bem ao contrário,
grita para esconder seus ninhos de reprodução, cirando injustiça social
e morte, pelo volume do dinheiro público que eles roubam, dessa forma
retirando do que é devido ao povo, em serviços públicos de qualidade, os
recursos necessários para garantir sua dignidade, cidadania, bem-estar e
bem viver.
A sonegação de imposto é crime,
previsto em várias leis, uma delas ainda de 1965 (lei 4729) e pode fazer
cair sobre esses grupos econômicos uma espécie de “ficha suja”
suficiente para servir de impedimento – note-se a ironia dessa palavra
para quantos desses grupos, direta ou indiretamente, estão defendendo o
impeachment da Presidenta Dilma – para muitos dos seus negócios.
Essa, entre muitas outras
evidentemente, uma das razões de não se imitar, nem como represália, a
conduta imoral de algumas dessas empresas, grupos de mídia e pessoas,
antecipando como verdadeiros os fatos ora investigados pela Polícia
Federal contra elas. A existência de razões, porém, para a sua pregação
moral já se encontrar sob suspeita de hipócrita e cínica, não há como
negar. Se andou usando e abusando da tão proclamada liberdade de
iniciativa, fazendo o que fez, e da não menos defendida liberdade de
expressão, para mentir, não vai dar mais para recolher as pedras que
andou lançando sobre a moral alheia e a conduta política do governo.
Se a própria moral delas estiver sem
a mesma ou pior condição dos pecados por ela atribuídos às outras, com a
mesma ou maior publicidade impõe-se agora ser provada.
* Jacques Távora Alfonsin é procurador aposentado e advogado de movimentos populares
Nenhum comentário:
Postar um comentário