segunda-feira, 9 de março de 2015

Uma reposta a Miguel Reale Júnior


JEAN MENEZES DE AGUIAR

Enquanto políticos enrolados na mirrada Lista Janot e seu inquérito criminal, todos sem exceção, se dizem injustiçadíssimos e sugerem que o Ministério Público surtou; enquanto Collor-forever reaparece triunfalmente na suspeita de ilícito; enquanto o vovô Sarney jura que sua filha envolvida é só fruto de ‘vingança’; enquanto uma deliciosa charge circula de um Paulo Maluf indignado reclamando que a Lista não é confiável porque seu nome não aparece; o jurista Miguel Reale Júnior vai à imprensa (Estadão, 7.3.15) com uma bravata moralista portátil.

Falando em ‘descalabro moral do governo’ exige imediata e incondicional renúncia de Dilma Rousseff. Em nome da moral e do civismo, da ética e das pessoas de bem, praticamente da tradição, da família e da propriedade. Ou algo do gênero.

Miguel Reale Júnior contradiz o parecer de Ives Gandra sobre o impeachment

Com o título de ‘Renúncia já’, ninguém menos que Reale Júnior acabou contradizendo frontalmente o parecer de Ives Gandra (perceba isto!): só pode haver impeachment de Dilma de fatos ocorridos no atual mandato, ou seja janeiro a março de 2015, e neste tempo não há fato concreto para impeachment, afirma Reale Júnior. Mas mesmo assim exige, oniricamente, o que político nenhum faria: renúncia, já.

Qual é o político que, ante a uma crise, renunciou? A história mostra que renúncias são sempre a uma hora de um cadafalso institucional, ou a prisão, ou o impeachment, ou um golpe de Estado. Isto sem considerar um distúrbio emocional convulsivo qualquer.

Reale requenta depoimentos de Zé Dirceu à imprensa, sobre impeachment, da década de 90, para legitimar sua própria exigência pós-carnavalesca-2015 de renúncia de Dilma.

Inacreditavelmente, após poucos meses da vitória da presidente afirma haver uma ‘revolta em face da imoralidade do desgoverno’. Não está totalmente errado aqui. Parece que alguns ou muitos eleitores de Aécio Neves resolveram fazer um movimento. Totalmente legítimo e para isto não há hora boa ou hora má.

Mas não se pode esquecer que um número ‘só um pouquinho maior’ elegeu Dilma. Reale adota um comportamento presunçoso de falar pela parcela menor do copo, os eleitores de Aécio, mas também pela parcela maior do copo, os eleitores de Dilma. É uma jactância moralesca que não se sustenta, principalmente quando se imagina que o nobre professor, do conforto aveludado de sua reluzente vida, ausculte, naturalmente, um ‘tipo’ de gente. Estima-se que também uma gente com a mesma vida ‘confortável’.

O Brasil não é feito somente de Avenidas Paulistas, ciclovias ‘descoladas’, estudantes com seus carrões e festinhas alcoólicas. O Brasil, é óbvio, é feita de gente triste, deprimida, feliz, maluca, ‘normal’, trabalhadora, crackeada, doente e velha.

Sempre se soube que o Estado brasileiro é, historicamente, recheado de mazelas, falcatruas e problemas éticos, em todos os campos, poderes e funções de mando, com vantagens, comissões, benefícios e outros nomes canalhas para burlar e atender a protegidos. A Lista Janot parece ser uma ‘escolha’, um misto de conveniência e oportunidade. Não se vai corrigir toda a corrupção histórica do Estado em um inquérito. A mídia já se prepara para o Bbb-STF-2. Mas exigir uma renúncia de um presidente recém-eleito normalmente é uma violência que não se coaduna com os princípios regulares do Direito.

Ainda bem que Reale Júnior em seu artigo, lá no finzinho, se lembrou de falar na ‘presunção de inocência’ em relação ao inquérito. Mas mesmo assim, não perdeu a viagem, também exigiu a ‘renúncia já’ de Renan e Cunha.

Parece que o autoritarismo subiu de vez à cabeça do professor. Jean Menezes de Aguiar/OBSERVATÓRIO GERAL.


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