Que país é esse, onde Juízes, promotores, lideres de movimentos, senadores, deputados, ex-governadores que pedem o fim do governo Dilma cometem toda sorte de maracutaia e não ocorre nada?
Ah! Ainda viro tucano para nunca ir preso, e, se algum dia for, demorar pouco tempo na cadeia.
Blog do Esmael Morais
- O juiz substituto em 2.º grau Márcio José Tokars, da 2.ª Câmara
Criminal do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR), que concedeu ontem à
noite um Habeas Corpus liberando o lobista Luiz Abi Antoun, primo do
governador Beto Richa (PSDB), da prisão após uma semana, foi às ruas no
último dia 15 de março contra o PT e o governo "corrupto" de Dilma
Rousseff.
Quem relata isso é o próprio Tokars em seu perfil no Facebook, datado
de 12 de março — véspera da manifestação que reuniu 80 mil pessoas em
Curitiba. No texto, o juiz defende o panelaço da classe média e
espinafra o jornalista Juca Kfouri que viu ódio da classe média contra a
petista no artigo "O panelaço da barriga cheia e do ódio".
O diabo é que Luiz Abi, o primo de Richa, esteve preso por fraude em
licitações no governo do Paraná. Praticou corrupção. O parente do tucano
foi solto mesmo com o magistrado reconhecendo a gravidade do delito.
Tokars defendeu "medidas alternativas à prisão preventiva" do "chefe da
quadrilha", nas palavras do Grupo de Atuação Especial de Combate ao
Crime Organizado (Gaeco).
Deputados perguntavam na manhã de hoje, nos corredores da Assembleia
Legislativa, se o juiz Márcio José Tokars vai à próxima manifestação
pelo impeachment de Dilma acompanhado de Luiz Abi Antoun, pois, como se
sabe, os protestos contra o PT e a presidenta são engendrados dentro do
Palácio Iguaçu. Mas os palacianos disfarçam bem sob o manto do
"apartidarismo".
A seguir, leia a íntegra da carta aberta do juiz Márcio José Tokars ao jornalista Juca Kfouri:
Resposta ao texto atribuído a Juca Kfouri ("O panelaço da barriga cheia e do ódio")
Sou fã do Juca Kfouri. E continuarei sendo. Mas, como analista
político, ele se revelou um grande conhecedor do futebol brasileiro. É
capaz de recitar de memória a escalação do Corinthians nas oitavas de
final do campeonato paulista de 1982, mas não de descrever a
profundidade e gravidade do momento pelo qual nosso país está passando.
As diatribes que lança são tão desconexas da realidade que não podem
ser respondidas de forma linear. Somente de forma fragmentada, e talvez
mesmo desajeitada, podem ser analisadas. Segue minha tentativa:
1. A legitimidade do panelaço foi atacada pelo fato de advir de uma
"elite branca" temerosa de perder seus privilégios. Esta defesa em forma
de ataque está errada principalmente por duas razões:
a) a indignação à corrupção deslavada (que, somada à empáfia e à
evidente incapacidade técnica de nossa presidente para dirigir a
economia) não está limitada à classe média. Ainda ontem, Dilma foi
ruidosamente vaiada em um evento em São Paulo. E foi vaiada por um grupo
de 200 operários bastante distantes do conceito de elite branca; e
b) as pessoas com quem convivo e que manifestam, como eu, uma
indignação plena por estarmos sendo representados e conduzidos por
alguém como Dilma Roussef, de fato pertenceriam, na visão de Juca, a uma
elite (se ainda fosse sociologicamente aceitável a estratificação). Mas
a condição de elite atribuível a este grupo não decorre do fato de
equiparmos nossas cozinhas com panelas de teflon, ou ainda de podermos
viajar mais. Decorre de termos estudado mais, trabalhado mais e de
estarmos mais comprometidos com nossos princípios éticos do que as
pessoas que nos governam. Neste cenário, temos que confessar: somos a
elite intelectual, laboral e ética do país. E essa elite é gigantesca.
2. O ingrediente racial adicionado à fórmula de ataque proposta por
Juca Kfouri beira ao ridículo. É, em si, racista. Provavelmente não
mereceria um comentário mais atento. Qualquer pessoa minimamente
civilizada sabe que quantidade de melanina em nossas células epiteliais
não faz qualquer diferença. Mas, se a pigmentação for mesmo relevante
neste momento, talvez valha a lembrança de que nós, integrantes da
classe média preocupada, somos descendentes diretos e próximos de
verdadeiros red necks. Só fica a duvida: a pigmentação solar de quem
veio para os trópicos há um século para, literalmente, lavorar, vale
como argumento de legitimação?
3. Não estamos defendendo privilégios, mas conquistas. Tenho orgulho
de poder oferecer aos filhos mais possibilidades de vida, sob o ponto de
vista material, do que aquelas que tive (sem prejuízo do orgulho de
poder preservar um ambiente doméstico de amor por aos filhos, que não
poderia ser maior do que eu tive à disposição em minha infância). Tenho
orgulho de ter uma casa confortável. Tenho orgulho de poder receber meus
amigos e oferecer-lhes bons vinhos. Tenho orgulho de tudo isso. Mas
também tenho a consciência de que nada disso é privilégio. É conquista.
Conquista cujas principais características também devem ser destacadas:
a) não foi produzida ou maximizada pelas pelo governo do PT. O
crescimento econômico que facilitou as coisas até 2010 não é obra de
Lula/Dilma, mas de um cenário internacional tremendamente favorável (que
gerou taxas de crescimento incríveis e contínuas em países como a
Irlanda, a Ucrânia, a Colômbia e o México), e que foi bastante
impulsionado pela exportação de commodities à China. Atribuível ao PT é a
iminente recessão (que não é fruto do cenário internacional, mas da
inanição interna – veja-se que os EUA, que levaram o maior tombo entre
os países atingidos em 2008, estão crescendo 4,4% em uma economia que
continuou sendo gigante); e
b) estão acessíveis a todos que disponham da vontade de trabalhar.
Para estudar, basta um cérebro (equipamento de série em nossa espécie,
mesmo que algumas pessoas levem a crer que não). Como muitos que hoje
dispõem de suas varandas gourmet, estudei em escolas públicas (do
pré-primário ao doutorado), cresci em casa de madeira com cheiro de cera
Canário e vi buracos surgirem na sola de meus Ki-Chutes e Congas. As
conquistas vieram de muito esforço, e não da capacidade ou da bondade do
PT.
4. Temo, realmente, pela perda de minhas conquistas. Não confio em
uma estrutura de poder que, sim, é corrupta (alguém pode explicar a
fortuna de Lula?), que, sim, é ignorante (reclassificaram o substantivo
"presidente" por absoluta falta de leitura e hoje são representados por
uma ex?-assaltante de bancos cuja vida empreendedora se resume à
falência de uma loja de bugigangas chinesas), e que, sim, já demonstrou
não ter limites ou escrúpulos na preservação de seus privilégios (sim,
privilégios, por não advirem de seu mérito, mas de seu poder).
5. Não há problema em os aeroportos estarem, na visão de Juca, cheios
de gente humilde (aliás, vivo em aeroportos lotados por outras razões).
Não há problema em as classes mais simples estarem na Universidade
(ainda que a política de quotas parta de um preconceito essencial – sei
disso: sempre estudei em escola pública e todos os meus colegas tinham
capacidade de estudar). Não há problema para a elite branca se menos
pessoas não estão morrendo de fome (palmas para o Bolsa Família, mesmo
não sendo uma invenção petista ou brasileira). Ninguém se compraz com a
miséria alheia. Ninguém aceita a preservação da miséria material (que é a
menos complicada de sanar). Mas as misérias intelectual e ética, que
parecem estar na essência de nossos políticos, revoltam porque não são
fruto do ambiente; são pessoais e opcionais.
6. O PSDB é culpado por existir? Por que a defesa petista se limita a
atacar o PSDB? Eu até levaria a sério, se estivéssemos investigando
objetivamente a corrupção tucana. Mas estamos sendo apresentados a um
colossal esquema de corrupção criado e alimentado (muito bem alimentado)
nas entranhas do governo petista. Se o PT deseja se defender, que fale
de si. Caso contrário, vamos culpar Pedro Álvares Cabral de uma vez e
acabar com o problema (retirar seus despojos de onde estiverem e
enfiá-los no sal seria uma ideia).
7. Não tenho ódio. Tenho medo. Medo de um ex-presidente que, transloucado, diz que fará "o diabo" para manter o PT no poder.
8. O panelaço não é antidemocrático. O Juca que me desculpe, mas
minha agenda está apertada hoje (tenho que trabalhar). Assim, não vai
dar pra citar um monte de gente. Mas tem um que é fácil por estar na
memória: Friedrich Muller. Ele deixou claro que a democracia, quando vai
além da legitimação artificial do poder pelo voto, é algo que não se
encontra nas eleições, mas nos períodos que as separam. A eleição é
menos exercício de poder do que renúncia (nunca vi grande vantagem em
escolher qual dos inaptos vai me governar). A verdadeira democracia
existe quando a população manifesta sua opinião de forma legítima,
exatamente como está ocorrendo agora. A verdadeira democracia existe
quando a população acredita em sua capacidade de construir a própria
história. E a verdadeira democracia se consolida historicamente quando
somos capazes de abandonar nossa zona de conforto para lutar por aquilo
que é correto.
Enfim, estarei na rua no domingo. E não vou defender nenhum privilégio. Vou defender um país mais decente.
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