sexta-feira, 6 de março de 2015

O PROTEGIDO


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Ninguém deve ser condenado por antecipação, mas tratamento de Rodrigo Janot a Aécio Neves mostra um lamentável traço seletivo na Lava Jato

Deve-se reconhecer que até agora o procurador geral Rodrigo Janot tem demonstrado uma postura de equilíbrio que contrasta com seus antecessores, responsáveis pela Ação Penal 470.
O PGR Antonio Carlos Fernando — que hoje é advogado do deputado Eduardo Cunha — criou o termo “organização criminosa” para designar 40 acusados. Seu sucessor imediato, Roberto Gurgel, lançou a teoria do domínio do fato, sob medida para atingir o principal alvo político da investigação, José Dirceu, contra quem não havia prova alguma.

Até onde a vista pode alcançar, a atuação de Janot está longe deste patamar.

Mas a exclusão a priori de Aécio Neves da lista de políticos que merecem ser investigados, confirmada pelos principais veículos do país, indica uma lamentável preferência seletiva. Seria absurdo imaginar que apareceram provas robustas para condenar, desde já, o senador de Minas Gerais. Mas chega a ser escandaloso registrar a falta de curiosidade diante de determinados fatos, relatados pelo Estado de S. Paulo. Conta o jornal:

“Em delação premiada, o delator Roberto Yousseff afirmou que Aécio Neves teria recebido dinheiro fruto de propina de Furnas, estatal do setor elétrico, por meio “de sua irmã”, sem citar nomes ou detalhes.” No “termo de colaboração número 20,” registrado no final do ano passado, que tem como tema Furnas e o “recebimento de propina pelo Partido Progressista e pelo PSDB,” Yousseff diz que “cerca de dez vezes” recolheu dinheiro de propina. Numa dessas vezes, prossegue, foi informado que o repasse não seria feito integralmente – faltariam R$ 4 milhões porque “alguém do PSDB” havia coletado essa quantia antes.” O relato do Estadão prossegue: Indagado pelos procuradores, Youssef declarou não ter informação de quem havia retirado parte da comissão, mas afirmou “ter conhecimento” de que o então deputado federal Aécio Neves teria influência sobre a diretoria de Furnas e que o mineiro estaria recebendo o recurso “através de sua irmã”, segundo o texto literal da delação. O delator disse “não saber como teria sido implementado o ‘comissionamento’ de Aécio Neves”.
Como escrevi três parágrafos acima, não se trata de condenar ninguém por antecipação. Como todo cidadão, Aécio tem direito a ser considerado inocente até que se prove o contrário. Mas estamos falando de fatos que deveriam ser melhor esclarecidos, como é obrigação de todo trabalho de investigação que se preze. Antes disso, ninguém pode ser considerado mais suspeito ou mais inocente do que os outros.
Na delação, o doleiro descreve que “de 1994 a 2001 o PSDB era responsável pela diretoria de Furnas”. Yousseff está falando dos dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso. Nos bastidores políticos brasileiros, rumores e suspeitas em torno de Furnas alimentam o cotidiano político brasíleiro há décadas. Delator da AP 470, Roberto Jefferson já foi acusado de ter negociado uma lista de propinas com a direção de Furnas, nome a nome, quantia a quantia — logo depois da posse de Lula, no tempo em que fazia parte da base aliada do governo petista. Para dirigentes do PT, a recusa de Lula em avalizar essa negociação é que estaria na origem das denúncias de Jefferson contra seus aliados de véspera.
O nome de Aécio Neves surgiu na Lava Jato em função de um negócio de 2012 com a participação da MO Consultoria, uma das empresas de fachada do doleiro Alberto Yousseff, usada para movimentar o pagamento de propinas. A quantia, no valor de R$ 4,3 milhões, envolvia a venda de ativos da Light, estatal de energia do Rio de Janeiro que é controlada pela Cemig, estatal que é a jóia da Coroa do governo de Minas Gerais. Embora houvesse a suspeita de que os contratos e notas pudessem ser fraudulentos, o juiz Sérgio Moro decidiu excluir o caso da Lava Jato.
Num despacho Sério Moro cita o inquérito referente à Cemig. Diz ele: “trata-se de negócio que, embora suspeito, não estaria relacionado aos desvios na Petrobras”. Conforme o despacho, a investigação não seguiu adiante porque era um “negócio que, embora suspeito, não estaria relacionado aos desvios na Petrobrás.”

Vamos combinar: é um argumento estranho como o mensalão mineiro, aquele caso que, mais antigo do que a AP 470, sequer chegou a conclusão em primeira instância.
Não é a primeira vez que Aécio recebe decisões favoráveis em casos relevantes. Carlos Ayres Britto, ministro do STF que presidiu o julgamento da AP 470 em sua fase inicial, saiu em socorro de Aécio em agosto do ano passado. Naquele momento, quando surgiu a denúncia de que o governo mineiro havia investido R$ 13,9 milhões na construção da pista de um aeroporto na fazenda de um tio de Aécio, Ayres Britto prestou um serviço profissional ao então candidato presidencial do PSDB. Assinou um parecer — avaliado em R$ 65 000 — no qual disse “nada ver de juridicamente inválido” na obra. Carlos Veloso, também ex-ministro do STF, contribuiu com um segundo parecer favorável a Aécio.
Nenhum desses fatos demonstra que o senador do PSDB é culpado de coisa alguma.
Mas desmente a tese, tão cara ao PGR, de que o “pau que bate em Chico é o mesmo que bate em Francisco.”

A decisão de Janot não só poupou Aécio dos constrangimentos de uma investigação. Também lhe deu espaço para partir para o ataque, acusando o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, de agir como um “militante do PT”, sugerindo que atuar nos bastidores para tentar prejudicá-lo — acusação absurda contra um ministro que frequentemente é acusado de ser republicano demais em suas ralações com a Polícia Federal. O lance seguinte foi o previsível. Em vez de debater uma denúncia contra Aécio, os meios de comunicação passaram a debater seu ataque a Cardozo.
Isso é que é ter “amigos na mídia,” não é mesmo?

A inclusão ou exclusão de determinado político numa relação de suspeitos num inquérito de repercussão pode ser tão decisiva para seu futuro como uma condenação no julgamento final.
Implica em dezenas de “reportagens,” “notinhas,” “fofocas”, numa campanha negativa que, pelo efeito acumulativo, cria uma nova identidade política. Falsos amigos estranham, eleitores não entendem, vizinhos se afastam, a pessoa é vaiada na rua, de repente aparece uma camara de celular que registra tudo e envia para um telejornal — e assim por diante.
Reu na AP 470, na qual acabou inocentado inteiramente, com direito inclusive a um pedido de desculpas no tribunal, Luiz Gushiken viveu um inferno de sete anos desde que foi denunciado. Disposto a lutar até o fim por sua honra, processou veículos que não podiam provar o que escreviam — e chegou a ser humilhado por sentenças que traiam o gosto de fazer média com jornais e jornalistas. Nas salas de aula, seus filhos ouviram sermões patrioteiros de professores que não sabiam do que estavam falando — mas faziam questão de apontar o dedo para adolescentes que não tinham condições de defender-se.

A forma saudável de evitar injustiças desse tipo é contar com meios de comunicação que assumem um comportamento prudente. Só publicam uma denúncia quando o trabalho de apuração está em fase de conclusão e os fatos foram bem investigados, as partes foram ouvidas e as principais dúvidas foram esclarecidas.
Erros acontecem porque estamos falando de uma atividade humana — mas são assumidos e noticiados com mesmo espaço e vigor do que a notícia original. Falsários costumeiros do jornalismos podem ser denunciados, identificados. O direito de resposta faz parte dos usos e costumes da democracia.

O problema é que, para funcionar, essa regra teria de valer para todos. Não pode ser seletiva, o que dificulta operações políticas acobertadas pelo mau jornalismo. Imagine falar nisso onze meses depois de vazamentos da Lava Jato.
Esta é a diferença.

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