Que sina infeliz é essa que parece perseguir sem descanso o ex-ministro, ex-deputado e ex-todo-poderoso José Dirceu? O homem não tem sossego.
Passou a vida inteira numa luta desesperada para chegar ao poder; quando chegou, enfim, não conseguiu ficar lá mais que dois anos, quando foi jogado para fora sem a menor cerimônia pelo ex-presidente Lula, em quem tinha apostado até seu último tostão.
Tudo dá errado para ele. Lula, conforme os fatos não param de provar, trouxe para o centro do governo brasileiro, dez anos atrás, uma tropa de batedores de carteira como raramente se viu neste país; qualquer exame de laboratório mostra que está aí, quando se raspa o verniz da propaganda, o DNA de sua passagem pela política nacional.
Esse bonde não para. Começou a andar em 2003, antes de se completar o primeiro mês de governo Lula, com a dupla Marcos Valério-Delúbio Soares já funcionando a toda na montagem da coleção de crimes à qual se deu o nome de mensalão.
Continua andando até hoje; sua última aparição é neste miserável escândalo dos “bebês de Rosemary”, episódio que serve como uma das melhores fotografias jamais tiradas do dia a dia da governança petista, tal como ela é na vida real.
Mas a verdade é que vivemos num mundo imperfeito. Lula conserva seus belos 100% de popularidade, já é apontado como próximo governador de São Paulo e continua sendo considerado por seus admiradores como o homem mais perfeito que o mundo conheceu desde Adão e Eva.
Já o seu sócio Dirceu, que não fez nem mais do que ele, hoje é apenas um cidadão condenado por corrupção ativa e formação de quadrilha, com uma sentença de onze anos de cadeia nas costas.
Mal pode sair à rua. Sua prioridade, no momento, é tentar manter-se do lado de fora do sistema penitenciário.
A última coisa de que Dirceu precisava, a esta altura, era mais um caso de ladroagem no governo – mas é justamente o que acaba de lhe acontecer, ao ver seu nome metido logo na cena inicial do escândalo do dia.
A Rosemary dessa história é uma certa Rosemary Nóvoa de Noronha, chefe de gabinete da Presidência da República em São Paulo até ser posta na rua dias atrás, e seus bebês são os irmãos Paulo e Rubens Vieira, que encaixou em cargos com alto potencial de rentabilidade no governo e hoje estão no xadrez – todos indiciados pela Polícia Federal por grossas suspeitas de corrupção, tráfico de influência, falsificação e sabe-se lá o que mais ainda.
Rosemary, ou Rose, é produto de procedência garantida: trata-se de puro Lula, que a nomeou para o cargo em 2003, levou consigo em trinta viagens internacionais e aceitava suas indicações para empregos gordos na administração pública.
Sua traficância não se fazia num subúrbio remoto do poder, mas praticamente dentro do gabinete de Lula e da presidente Dilma Rousseff.
Nestes dez anos de bonança, junto com a dupla de irmãos, transformou o escritório paulista da Presidência num bazar de compra e venda onde oferecia à sua clientela uma extensa gama de mercadorias – licenças, pareceres, cargos, senhas de acesso, verbas, documentos falsos e por aí afora, em troca de dinheiro ou de presentes como cirurgias plásticas, camarotes de carnaval ou cruzeiros marítimos.
Era uma operação multimarcas: negociava-se ali com contêineres, celulose, privatização de ilhas, faculdades particulares, terminais portuários.
Rose também não se esqueceu, é claro, de socar uma penca de parentes em empregos no governo.
Quem diz Rose, diz Lula, mas sobrou, como de costume, para José Dirceu.
Mal se falou o nome dessa nova heroína do PT e já vinha junto o carimbo “JD” – a moça trabalhou durante 12 anos na copa e cozinha de Dirceu. E foi ele o primeiro protetor a quem Rose telefonou quando apareceu a polícia.
Desta vez o ex-homem forte nem teve ânimo para fingir que continua forte; disse apenas que não podia ajudar em nada.
E Lula? Como sempre acontece nessas horas, ele sumiu do mapa e deixou claro que a amiga deve se virar sozinha; não pediu que Dilma a segurasse na cadeira, e se pediu não foi atendido, nem insistiu.
Porque haveria de fazer algo diferente?
Vai ficar tudo na conta de Zé Dirceu, ou da “mídia golpista”, embora, desta vez, a mídia não tenha tido a menor ideia do que estava acontecendo – foi a própria presidente quem fez o rapa na área, antes que saísse uma única palavra na imprensa.
Tanto faz.
O que interessa a Lula é uma coisa só: que todos continuem fazendo de conta que ele não tem nada a ver com a usina de corrupção inaugurada no Brasil em janeiro de 2003.
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