Só crise ameaça popularidade de Lula, diz cientista político
Apesar de Lula, Fábio Wanderley Reis vê dificuldades na manutenção da candidatura de Dilma para 2010
Daiene Cardoso e Guilherme Meirelles, da Agência Estado
SÃO PAULO - Em meio à mais grave crise econômica de seus dois mandatos como presidente da República, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve manter seu prestígio em alta em 2009. É o que prevê o cientista político Fábio Wanderley Reis, doutor pela Universidade Harvard e professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). "Acho que seria preciso que o País fosse afetado pela crise de maneira profunda e continuada para que Lula viesse a ter uma queda mais acentuada em relação ao prestígio popular de hoje", afirma o cientista. Em entrevista à Agência Estado, Reis analisa o cenário político em 2009, prevê uma relação instável entre PT e PMDB (principal partido da base aliada do governo) e dificuldades na manutenção da candidatura de Dilma Rousseff para 2010. Quanto à oposição, o cientista não vê futuro na candidatura de Aécio Neves à Presidência e, na hipótese de José Serra ser o candidato tucano em 2010, ele aposta em Gilberto Kassab como herdeiro de Serra no governo paulista. Independente dos nomes que despontarem em 2009 como candidatos à sucessão de Lula, se a crise econômica mundial não atingir profundamente a economia brasileira o presidente certamente terá um papel fundamental na escolha de seu sucessor, acredita.
Com a crise econômica, alguns governadores já pedem o adiamento da reforma tributária, com medo de perda de receitas. Como o governo deverá se comportar frente a este novo quadro? Ceder às pressões políticas ou seguir em frente em um caminho desenvolvimentista?
Não há como deixar de reconhecer que é preciso ter em conta as limitações trazidas pela crise, o que, com o ineditismo das proporções e do alcance dela, envolve uma avaliação técnica muito complicada sobre a qual não me parece haver ninguém muito seguro. O desejável é que o governo consiga separar esse aspecto técnico do aspecto correspondente a pressões de motivação meramente política, usando todo o espaço disponível para avanços no desenvolvimento sem correr riscos que eventualmente viessem a comprometer justamente a continuidade do desenvolvimento. Mas não creio que o projeto de reforma tributária em andamento deva ser percebido como envolvendo tais riscos, até pelo apoio obtido de entidades empresariais.
Até o momento, o presidente Lula tem se mantido imune a todas as crises políticas, principalmente graças ao "momento exuberante" da economia e ao aumento do poder de compra do brasileiro. Com a restrição ao crédito, o prestígio do presidente Lula corre risco de perder pontos junto à população? O discurso simplista e cheio de metáforas usado até agora continuará funcionado em um período continuado de crise?
Certamente isso vai depender de até onde chegue a imersão do Brasil na crise mundial. Apesar de me parecer claro que o prestígio de Lula tem um importante componente de "imagem" popular e de identificação pessoal do eleitorado popular com ele, os benefícios que as pessoas têm, vindos de uma economia dinâmica e das políticas sociais (diminuição do desemprego, aumento de renda, acesso ao crédito, Bolsa Família), são também, naturalmente, parte importante da explicação da alta popularidade. De todo modo, acho que seria preciso que o País fosse afetado pela crise de maneira profunda e continuada para que Lula viesse a ter uma queda mais acentuada em relação ao prestígio popular de hoje.
O senhor acredita ser possível haver uma reforma política já para 2010? Uma reforma que contemple financiamento público de campanha, fidelidade partidária e lista partidária, por exemplo? Seria um avanço para o País?
Não tenho dúvida de que seria um avanço ou, pelo menos, de que as medidas indicadas correspondem a experiências que o País deveria fazer. Apesar da novidade representada pela democratização do financiamento privado conseguido por Barack Obama nos EUA, com recurso à internet (que provavelmente seria difícil reproduzir aqui por enquanto, com o eleitorado mais pobre e o acesso menos difundido à internet), sou em princípio inteiramente favorável ao financiamento público de campanhas como forma de eventualmente neutralizar o peso do acesso desigual a recursos privados (o direito de votar está assegurado igualmente para todos, mas o mesmo não se pode dizer do direito de ser votado) e o fator de corrupção que se tem aí. Por outro lado, seria necessário combinar o financiamento público com o voto em lista para que, com a responsabilidade dos partidos, e não de cada candidato, se pudesse ter fiscalização eficaz. Acho que não há razão para que as "oligarquias partidárias" (de que se fala sempre quando o assunto é este) fossem mais temidas com o voto em lista do que nas condições atuais e pode-se tratar, além disso, de criar legislação adequada a respeito das convenções partidárias e seus processos de decisão sobre candidaturas e composição de listas. Também acho bom que se estabeleçam regras que estimulem a fidelidade partidária, apesar de ter reservas sobre a maneira como o TSE e o próprio STF têm agido a respeito, que me parece inconsistente. Mas a questão de saber se vamos ter uma reforma nesses termos até 2010 é outra história. A experiência recente com o bom projeto proposto pela comissão chefiada pelo deputado Ronaldo Caiado é desanimadora.
O sucesso de uma possível candidatura Dilma está diretamente relacionado ao andamento das obras do PAC. Havendo uma retração no cronograma, e levando-se ainda em conta a baixa popularidade da ministra, qual seria o caminho a ser tomado pelo presidente Lula? Buscar outro nome próprio ou tentar uma coligação com um nome palatável ao governo?
Minha impressão é que Dilma seria uma candidata difícil de "vender" ao eleitorado mesmo com bom andamento do PAC. Creio que a participação do PT na disputa da Presidência em 2010 é um problema complicado e em aberto, mesmo na hipótese de que Lula mantenha o forte apoio que tem hoje.
As eleições municipais de 2008 fortaleceram o PMDB, que agora reivindica mais espaço no governo e a presidência da Câmara e do Senado. Considerando o assédio tucano visando 2010, como o presidente Lula deve lidar com o PMDB para garantir a presença do partido no palanque de Dilma?
Acho que com o PMDB a única coisa a fazer é barganhar, se for mesmo preciso, e confiar desconfiando.
Em recente reunião com tucanos no Congresso, o governador de Minas Aécio Neves fez críticas duras ao governo Lula, acusando-o de "por a ética sob o tapete". O senhor acredita que, com uma estratégia mais crítica em relação ao governo Lula, Aécio terá mais chances de se consolidar como candidato do PSDB ao Planalto?
Não sei. Minha impressão é que a movimentação de Aécio tem sido inconsistente. Acho que a idéia da aproximação PSDB-PT num campo social democrático (tentada por ele e Pimentel na disputa da Prefeitura de BH) faz perfeitamente sentido em abstrato, apesar do enfrentamento a que os dois partidos foram levados circunstancialmente e das dificuldades que isso cria na realidade da política cotidiana. Mas Aécio combinou esse experimento com contatos muito mais variados, e agora experimenta também dar pancada em Lula. Acaba passando ao eleitor um recado confuso (que provavelmente foi uma das razões das dificuldades que de repente surgiram na campanha de Márcio Lacerda), e não sei até que ponto o recado é também confuso, e talvez pouco crível, para seus companheiros de partido.
O DEM foi o grande derrotado nas eleições municipais de 2008. A derrota só não foi maior porque o partido conquistou a Prefeitura de São Paulo (com a grande ajuda do tucano José Serra). Considerando que o partido vem sendo nos últimos anos o grande parceiro dos tucanos, que papel terá o DEM nas eleições de 2010?
Não creio que a conquista da Prefeitura de São Paulo por Kassab possa ser realmente vista, nas circunstâncias em que se deu, como um feito do DEM. O papel do partido em 2010 será provavelmente modesto.
Caso Serra seja confirmado candidato do PSDB à Presidência da República, quais seriam os candidatos com reais chances de substituí-lo no governo paulista? O senhor acredita que Marta Suplicy teria chances de ser governadora após duas derrotas na Prefeitura de São Paulo?
Acho pouco provável que Marta Suplicy consiga se viabilizar como candidata a governadora, depois de duas derrotas sucessivas para a Prefeitura. Mas não me parece que se possa falar tampouco de outros candidatos com chances claras a esta altura. Talvez o próprio Kassab (à parte seu compromisso de ficar na Prefeitura), que se beneficiou da identificação com Serra e do antipetismo na capital e poderia vir, quem sabe, a penetrar eleitoralmente o interior do Estado.
Os resultados das últimas eleições mostraram que o presidente não tem conseguido transferir votos aos seus aliados como se esperava. Qual deverá ser a estratégia de Lula para garantir que seu sucessor seja um aliado?
Acho que, quanto à questão da eficácia do apoio de Lula, as condições da disputa da Presidência são diferentes das que tivemos na eleição municipal. Se Lula mantiver a popularidade de agora, ele provavelmente terá um peso importante, ainda que não seja o caso de aderir sem mais à tese do "poste" ou de que ele elegeria quem quer que fosse. Quanto à questão de estratégia, o problema de 2010 para o PT, sem um candidato "natural" e com resistências a composições mais amplas (eventualmente com uma chapa liderada por gente de outros partidos), me parece complicado e em aberto.
Comentário.
Simplesmente porque não ocorerá crise no Brasil.
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