23 de Setembro de 2009
O secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), José Miguel Insulza, disse nesta quarta-feira (23) que a atuação do governo brasileiro na crise de Honduras tem o apoio de toda – "toda com letras maiúsculas" – a comunidade internacional. O diplomata falou à BBC em Nova York. A declaração incisiva de Insulza contrasta com as críticas de setores brasileiros, capitaneados pelas Organizações Globo e os demo-tucanos, de que o governo Lula estaria "criando um problema" em Honduras.
"Eu acredito que o Brasil agiu bem. O governo do Brasil está atuando bem e atuou com o respaldo de toda – toda com letras maiúsculas – a comunidade internacional", disse Insulza, de Nova York, em entrevista por telefone ao serviço em espanhol da BBC.
Os passos do governo brasileiro
O Brasil passou ao primeiro plano da crise na madrugada desta segunda-feira (21), quando o presidente de Honduras, Manuel Zelaya – que retornara clandestinamente ao seu país 86 dias depois de expulso por um golpe militar – escolheu a embaixada brasileira em Tegucigalpa para abrigar-se.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva hipotecou apoio a Zelaya, em conversa telefônica. E também formalizou, a posição em seu discurso de abertura da Assembléia Geral da ONU, nesta quarta-feira (23): "A comunidade internacional exige que Zelaya reassuma imediatamente a Presidência de seu país e deve estar atenta à inviolabilidade da missão diplomática brasileira na capital hondurenha", disse Lula, bastante aplaudido. O Brasil também pediu uma reunião de emergência do Conselho de Segurança da ONU sobre a crise hondurenha.
Por "um diálogo sem condições"
Insulza condenou como "muito danosa" a agressão à embaixada brasileira Zelaya pelos golpistas hondurenhos. O fornecimento de água e luz à representação diplomática chegou a ser cortado na terça-feira, o prédio foi cercado por tropas e atingido por bombas de gás lacrimogêneo, atiradas contra manifestantes pró-Zelaya.
O dirigente executivo da OEA defendeu "um diálogo sem condições prévias" entre as partes em Honduras. Também afirmou que "não descarta" uma viagem sua a Tegucigalpa nos próximos dias. Havendo condições de diálogo, "partiríamos de imediato", afirmou.
Leia abaixo a entrevista de Insulza à BBC.
BBC – O senhor sabia que Manuel Zelaya voltaria a Honduras?
José Miguel Insulza – Não, não tinha nenhuma informação. Ele havia falado várias vezes sobre a possibilidade de fazer isso. Há alguns dias, inclusive, ele disse que queria estar em Honduras no final do mês. Mas na realidade todo mundo tomava isso como uma afirmação otimista, imaginando que as coisas iam se abrir e permitiriam o seu retorno. Mas eu não tinha nenhum indício que me faria supor que ele iria retornar da maneira que fez.
BBC – Segundo informações que circularam recentemente, o senhor estaria pretendendo viajar a Tegucigalpa nas próximas horas. É verdade?
Insulza – Até ontem os aeroportos continuavam fechados. Até agora não se pode viajar. Mas não descarto que eles sejam reabertos e depois tenhamos a possibilidade de fazer uma missão que tenham algum significado, ou seja, em que não se mantenha a atitude de fechar todas as formas de diálogo, como faz agora o regime de fato.
Naturalmente, nós queremos promover um diálogo; queremos ajudar. Sabemos que é uma tarefa difícil, mas estamos disponíveis para isso e eu iria com vários representantes de outros países membros (da OEA) na medida que se mantenham as condições. Isso vamos saber hoje pela manhã ou durante o dia. Se for assim, partiríamos de imediato.
Nós queremos promover um diálogo; queremos ajudar. Sabemos que é uma tarefa difícil, mas estamos disponíveis para isso.
BBC – O senhor poderia nos dizer quem o acompanharia nesta viagem?
Insulza – Não no momento, porque primeiro vou consultar os que me acompanharam na viagem anterior, mas naturalmente quase todos os ministros têm suas obrigações na Assembleia Geral (da ONU), então eu teria que ver com quem vou. Eu não poderia dizer.
BBC – O senhor considera que a OEA continua sendo um mediador legítimo da crise hondurenha?
Insulza - Acredito que desde o começo isso foi reconhecido por todo mundo. Se apresentou várias vezes uma falsa dicotomia entre o presidente (da Costa Rica) Oscar Arias como mediador e a Organização (dos Estados Americanos), e na realidade o esforço do presidente Arias sempre tem sido o nosso esforço também.
Ontem (terça-feira) conversei bastante com ele e estamos de acordo com a necessidade de intensificar a negociação, tomando juntos as medidas para poder levar adiante esta negociação.
BBC – Quais foram estas últimas medidas e os últimos contatos?
Insulza - Conversamos várias vezes com diferentes personalidades em Honduras, mas não posso entrar em detalhes.
BBC – O senhor teve contato ultimamente com Zelaya ou com Micheletti?
Insulza – Falei com Zelaya. Ele me ligou muito pouco depois de ter entrado na embaixada do Brasil. E ele segue disponível e ontem ratificou por seus representantes estar disposto a assinar o acordo de San José, o acordo proposto pelo presidente Arias, tal como havia dito antes.
BBC - A propósito da presença de Manuel Zelaya em Tegucigalpa, como o senhor acredita que isso possa influir no processo de resolução da crise?
Insulza – Há duas alternativas; dois caminhos. Um, com o qual eu concordo, é que é preciso tomar isso como uma oportunidade. Havia ressalvas ao diálogo, pouca disposição a se sentar e conversar, mas agora Zelaya está ai e o tema terá que ser enfrentado. E é possível que com isso se abra um caminho de diálogo e de busca por uma saída para a crise, conversada e negociada por hondurenhos.
Acredito que é necessário seguir nessa direção. É claro que também pode haver um aumento das tensões e dificuldades, mas esperamos que não seja assim. Nós acreditamos que, se há boa vontade das partes, isso pode conduzir, em vez de à confrontação, a uma boa negociação.
BBC - Micheletti assegurou à BBC que não descarta falar com Zelaya se ele aceitar um processo eleitoral em novembro. Se Zelaya aceitar esta condição, o senhor acredita que a OEA reconheceria a legitimidade destas eleições?
Insulza – Veja, é preciso esperar todo o processo. Eleições com estado de sítio durante todo o dia, com toque de recolher todo o dia, dificilmente poderão ocorrer. A única possibilidade de se realizar as eleições é normalizando a democracia antes. Se estivermos seguindo nesta direção, me parece muito bom. Mas eu acredito que o melhor é que se tenha um diálogo sem condições prévias, que se sente para conversar.
BBC - E quais seriam as condições que permitiriam um início de diálogo entre as partes?
Insulza – Nunca se pode colocar pré-condições para se sentar e falar sobre um tema. "Eu me sento, mas primeiro você tem que aceitar um, dois e três." Acho que assim não se avança. Eu não colocaria condições, com exceção que haja disposição para se sentar e conversar.
BBC - Isso do ponto de vista político. Mas no ponto de vista social, me parece que a situação em Honduras está cada dia mais complexa. O senhor pode apontar algumas medidas necessárias para criar um clima social para o diálogo?
Insulza – A agitação acontece precisamente porque a crise está emperrada. Se desbloquearmos a crise, as pessoas vão esperar um resultado. Em Honduras, ninguém quer confrontos.
BBC – O presidente da Costa Rica, Oscar Arias, apontou a possibilidade de que a situação leve a um derramamento de sangue. O senhor, na OEA, compartilha deste medo?
Insulza – O temor eu compartilho. Mas não houve choques, enfrentamentos. Fala-se de vítimas, mas não comprovamos isso. Nossa comissão de direito humanos está trabalhando nisso, mas, no entanto, não houve uma conflito da magnitude que poderia haver. Esperamos que exista diálogo antes disso.
BBC – Que mensagem o senhor mandaria da OEA para os atores implicados?
Insulza - Que é preciso conversar. Que nós estamos disponíveis para realizar as intermediações se for o caso, para observar. Mas o primeiro passo quem tem que dar são os hondurenhos envolvidos. O presidente do constitucional, Manuel Zelaya e o regime de fato.
BBC – E às ruas, ao exército e à sociedade civil?
Insulza – Que todos acatem o que ficar acertado e mantenham a calma, que não haja conflitos. Ontem, felizmente, o bloqueio que houve na embaixada do Brasil foi resolvido, se religou a eletricidade e a água. Que não haja mais ameaças sobre tudo. Que não haja esta atitude ameaçadora que houve na embaixada do Brasil, que também é muito danosa.
BBC – Ontem conversamos com a vice-chanceler do governo de fato, Martha Lorena Alvarado, e ela acusou o Brasil de ingerência em Honduras. Qual é a sua opinião sobre o papel de Brasil nesta crise?
Insulza – Não vamos a entrar em polêmicas. Eu acredito que o Brasil agiu bem. O governo do Brasil está atuando bem e atuou com o respaldo de toda – toda com letras maiúsculas – a comunidade internacional.
BBC - Como a situação vai se desenvolver nos próximos dias, na sua opinião?
Insulza – Não quero fazer um prognóstico, quero que as coisas se tranquilizem, que não se siga ameaçando a embaixada do Brasil. O Brasil é um membro da nossa organização e não nos parece tolerável o que se fez com a embaixada do Brasil. Mas agora as coisas parecem ter se acalmado. Que se mantenha esta calma e se comece a conversar. Mas isso não significa que acredito necessariamente que vai acontecer o mesmo que eu quero que aconteça.
BBC Brasil
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