Coisas da Política - Mauro Santayana
Jornal do Brasil - 13/01/2010
A autonomia do Distrito Federal foi um erro da Assembleia Constituinte de 1988. Brasília é a sede da República Federativa, não é um estado. Trata-se de território neutro, como passou a ser a cidade do Rio de Janeiro, a partir do Ato Adicional de 1834, até a inauguração de Brasília. A cidade não se pertence, nem pertence aos estados de que a área foi desmembrada, de acordo com a Constituição de 1891. A cidade pertence ao Brasil como um todo, aos cidadãos de todos os estados federados. Sendo a sede da República, não pode ser sede de nenhum outro poder político. Sua razão de ser é o todo, não a parte.
Isso não implica que a cidade não disponha de uma câmara de vereadores, como havia no velho Distrito Federal, que proponha medidas de interesse da comunidade e fiscalize o cumprimento de posturas municipais. Todas as outras ações de governo, entre elas os investimentos de infraestrutura, terão que ser decididas e fiscalizadas pelo Parlamento, em nome da Federação. Não são os cidadãos de Brasília, mediante governos que elejam, os senhores para decidir sobre a urbanização da cidade e, muito menos, sobre as suas relações com o governo federal. O governo federal terá de ser soberano sobre o território de sua sede.
A autonomia política (porque se trata de autonomia política) do Distrito Federal é uma ofensa ao senso comum e uma agressão ao pacto federativo nacional. A primeira objeção a essa autonomia é de natureza política essencial. A cidade fará 50 anos em abril; sua história não se sedimentou, nem se nutre de raízes antigas. Os servidores públicos que trabalham em Brasília quase sempre votam em seus estados de origem, em que têm famílias e interesses, e raramente se preocupam com a participação direta na política local. Isso transforma o Distrito Federal em terreno fértil para o aventureirismo demagógico. Logo depois da autonomia, na formação da Câmara Distrital, houve alguns candidatos de bom nível, ainda que poucos se elegessem. A partir de então, de eleição em eleição, esse nível foi caindo, até chegar ao descalabro da atual legislatura, em que poucos representantes podem ser vistos como probos.
Esses vereadores, porque disso não passam, gastam o dinheiro da Federação – de onde saem quase todos os recursos do Distrito Federal – em projetos absolutamente inúteis, entre eles a construção de suntuosa sede para eles mesmos. Isso sem falar nos gastos de manutenção da casa que são proporcionalmente muito superiores aos do Congresso Nacional, já em si estratosféricos.
Os vereadores de Brasília, nessa ilusão de que a torção da semântica estabelece a realidade, intitulam-se “deputados”. O Poder Executivo comunga do mesmo non sense, ao dar às secretarias administrativas da cidade a denominação de “secretarias de Estado”. O governo federal não interfere – em negligência condenável – nos assuntos do Distrito Federal, limitando-se, em nome de interpretação literal da Constituição, a repassar ao governo local os recursos para o custeio da parte mais onerosa das despesas com seu funcionalismo – o mais bem pago do país.
Para usar os adjetivos certos, não se trata apenas de corruptos, corruptores e corrompidos – como os acusados pela Polícia Federal e pelo Ministério Público – mas de pessoas com escasso conhecimento de seus limites constitucionais e do que seja o Estado republicano. Em 2006, o MPF considerou que, das 287 leis aprovadas pela Câmara Distrital, 207 eram inconstitucionais. O STF julgou, em 80% dos casos, procedentes as ações de declaração de inconstitucionalidade contra leis da Câmara do Distrito Federal. Chegamos ao paradoxo constrangedor: a mais incompetente e, provavelmente, mais indesejada “classe política” do Brasil – no apodrecimento da definição de Gaetano Mosca – se encontra na direção da mais importante cidade brasileira, Brasília, a capital da República.
É hora certa para que a Federação reaja. É chegado o momento para que os deputados federais e senadores, representantes do Brasil inteiro, aprovem emenda constitucional que devolva o Distrito Federal aos brasileiros de todo o país, ao revogar o ato de insensatez que deu autonomia política à cidade.
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