quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

A Dama de 1964

Eu tenho um grande respeito pela nobre senadora do DEM e presidente da Confederação Nacional da Agricultura, Kátia Abreu. Por este motivo considero prudente tecer algumas observações sobre o seu artigo “Direitos Humanos ou gato por lebre?”, publicado no jornal Folha de São Paulo (12/01/10).

Por Antônio Neto*

Afora a tradicional tentativa de criticar cada ato ou vírgula editada pelo governo – somando-se aos milhões de provérbios despejados ao vento pela oposição – o texto da senadora, destaque do DEM, partido geneticamente ligado ao golpe de 1964, diga-se de passagem, faz um ataque desproporcional aos movimentos sociais, sobretudo ao MST e aos sindicatos, e tenta igualar os métodos democráticos do governo Lula aos usados pelos signatários da ditadura militar.

Em que pese a fato de estar tentando se cacifar para ocupar a vaga de candidata a vice-presidência da República do governador José Serra (PSDB), posto este anteriormente reservado para o governador e seu correligionário José Roberto Arruda, a nobre senadora ultrapassou certos limites do bom senso, dos fatos históricos e da prudência.

É natural que toda tentativa de se avançar em pontos cruciais da nossa sociedade crie debates acalorados. Jamais os setores privilegiados aceitariam perder as vantagens que acumularam ao longo de séculos através da exploração da imensa maioria dos brasileiros.

Embora possua algumas poucas reservas com relação ao 3º Programa Nacional de Direitos Humanos, ele é, fundamentalmente, progressista, especialmente nos pontos criticados pela senadora do DEM, isto é, ao falar do direito do homem ao trabalho, à terra e sobre a necessidade de democratização dos meios de comunicação.

Na opinião de Kátia Abreu, o programa em debate atenta contra a propriedade e à liberdade de imprensa, que ficaria dependente de um grupo de sindicalistas com uma “velha visão esquerdista e ideológica”. Usando palavras e chavões clonados da velha TFP, a nobre senadora diz que a democracia exige “tolerância”, além de apelar para o direito à propriedade, conquista garantida pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, fruto absoluto da Revolução Francesa.

Já que a Declaração Universal dos Direitos Humanos veio à tona, não é demasiado neste momento lembramos de alguns pontos que, em muitos casos, são esquecidos pelos correligionários que desfrutam da amizade da articulista.

Um deles é emblemático: “Ninguém será mantido em escravidão ou servidão, a escravidão e o tráfico de escravos serão proibidos em todas as suas formas”. Existe outro que também é importante, sobretudo para lembrarmos de um tempo não muito distante. “Ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante”.

Antes de prosseguir, vamos, então, citar outros artigos: “Toda pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego; Toda pessoa, sem qualquer distinção, tem direito a igual remuneração por igual trabalho; Toda pessoa que trabalhe tem direito a uma remuneração justa e satisfatória, que lhe assegure, assim como à sua família, uma existência compatível com a dignidade humana, e a que se acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção social; Toda pessoa tem direito a organizar sindicatos e neles ingressar para proteção de seus interesses”.

Mesmo tendo uma idéia vaga sobre o que estes pontos representam para a senadora do DEM, eu gostaria de ter mais claro o que ela quer dizer com direito à propriedade, à igualdade de direitos perante a Justiça, à tolerância ou à liberdade de imprensa.

Contudo, para iluminarmos ainda mais nossa compressão, seria salutar esclarecermos o que a senadora quer dizer com tolerância. Estaria ela se referindo à tolerância contra os trabalhadores sem-terra posta em prática em 1996, em Altamira, no Pará? Ou à tolerância exercida contra os sindicalistas que são assassinados no país todos os anos? Talvez podemos lembrar da tolerância exercida por outro correligionário seu, Hildebrando Pascoal?

Portanto, ao falar em igualdade de direitos perante a Justiça, estaria a nobre senadora se referindo ao tratamento dispensado pelas cortes superiores ao banqueiro Daniel Dantas? Ou aos grileiros de terras públicas que permanecem impunes diante de liminares garimpadas na calada da noite?

Ao se referir à Revolução Francesa e ao direto à propriedade, a senadora estava se referindo ao avanço que este ponto representou para dar um basta nos feudos que impediam o povo, o homem simples, o camponês, de possuir uma pequena gleba de terra para trabalhar e alimentar a sua família?

O direito à propriedade foi importante para mudar a relação de poder existente, onde poucos detinham muito, e muitos não tinham nada. “O nascimento, a tradição e o sangue já não podiam continuar a ser os únicos critérios utilizados para distinguir socialmente os homens. Na prática, tais critérios foram substituídos pelo dinheiro e pela propriedade, que, a partir daí, passam a garantir a seus detentores prestígio social (*)”.

Ao falar em liberdade de imprensa, estaria a articulista defendendo o direito dos monopólios conservadores, que detêm concessões públicas, de mentir, manipular e ainda sugar os recursos públicos que seriam melhor aproveitados em outros meios?

Mesmo que a sociedade brasileira não tenha acumulado condições suficientes para dar o salto de qualidade necessário nestes pontos, o debate gerado pelo 3º Programa Nacional de Direitos Humanos será de extrema importância para clarear quais são os princípios que norteiam as elites do nosso país.

Antônio Neto é presidente da CGTB

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