DAVIS SENA FILHO
"Seus gestos são mal estudados
A sua pose é militarista
Ele se acha o intocável
Senhor de todas as cadeiras
Derruba tudo pra ficar estável
Ele não está aí para brincadeira"
A sua pose é militarista
Ele se acha o intocável
Senhor de todas as cadeiras
Derruba tudo pra ficar estável
Ele não está aí para brincadeira"
(O Eleito — Lobão)
Na década de 1980, auge do rock brasileiro, morava no Rio de Janeiro. A partir de 1982, as bandas de rock começaram a surgir aos borbotões, no Rio de Janeiro, Brasília, São Paulo e Porto Alegre. O Brasil vivia uma atmosfera de redemocratização, apesar de ainda estar em plena ditadura militar. Contudo, foi no ano de 1982 que se realizaram as primeiras eleições realmente livres para governadores, porque contou com a participação dos exilados e dos perseguidos políticos, a exemplo de personalidades simbólicas das estaturas políticas de Leonel Brizola e Miguel Arraes.
Entretanto, o regime mantinha alguns casuísmos, como o voto vinculado. O eleitor teria que escolher candidatos de um mesmo partido para todos os cargos em disputa, sob pena de anular o voto. A propaganda política na televisão também ficou restrita, pois os candidatos dos partidos somente poderiam aparecer por meio de fotos, sendo que uma voz em off anunciava o currículo de cada candidato a cargo político. Eram os tempos da Lei nº 6.339, que ficou conhecida como a Lei Falcão, alusão a Armando Falcão, ministro da Justiça do governo do general Ernesto Geisel, criador da famigerada Lei, que, propositalmente, engessava as eleições, por ter o propósito de esvaziar o interesse do povo brasileiro pelo horário eleitoral.
Sarney, entre outras coisas, concedeu rádios e televisões a parlamentares para aumentar seu mandato para cinco anos — e conseguiu. Era visível o embate entre o ex-mandatário e o presidente da Câmara dos Deputados e da Constituinte, deputado Ulysses Guimarães, que não tolerava o José Sarney, mas o engoliu em nome da normalidade democrática e da paz entre as instituições, porque não cabia, naquele momento, provocar os militares, muitos deles radicais de direita e inconformados com a perda de poder para os civis.
A década de 1980 foi realmente uma década especial, Quem viveu nessa época nunca a esquecerá. E quem não a viveu ficará sabendo das histórias através de seus pais. O rock explodiu no Brasil, apesar de nas décadas de 1960 e 1970 o estilo musical estar presente, por intermédio da Jovem Guarda e de roqueiros da envergadura de Rita Lee, Secos e Molhados, 14 Bis e o grande Raul Seixas — o Raulzito.
Os espaços roqueiros começaram a pipocar no Rio e em todo o Brasil. Em terras cariocas surgiram dois grandes locais de diversão e entretenimento, que foram importantes para a cultura e a música do Rio — o Noites Cariocas, que se localizava no Morro da Urca, sendo que os fãs de rock para chegarem ao local tinham que se locomover pelo bondinho do Pão de Açúcar, o que era um atrativo a mais. O Noites Cariocas oferecia vários ambientes, além de ter uma vista espetacular, de onde as pessoas vislumbravam a Baía de Guanabara.
O outro espaço fantástico e que até hoje compõe o imaginário dos cariocas era o Circo Voador, que, posteriormente, foi fechado, mas anos depois voltou a funcionar. A verdade é que eu considero o Circo Voador o "útero" do rock dos anos 1980. Lá surgiram bandas que revolucionaram o meio musical brasileiro, a exemplo das cariocas Blitz, Barão Vermelho, Cazuza, Lobão e Os Ronaldos, Biquíni Cavadão, Dr. Silvana e Cia, Kid Abelha e os Abóboras Selvagens e Os Paralamas do Sucesso, dentre muitos outros, como os paulistas Titãs, RPM, Ultraje a Rigor, Ratos do Porão, Gang 90 e as Absurdettes, além dos brasilienses da grandeza do Legião Urbana, Capital Inicial e Plebe Rude, bem como os mineiros Pato Fu e Sepultura e os gaúchos Engenheiros do Hawaii, Almôndegas e Nenhum de Nós. Foram criadas dezenas e dezenas de bandas que, no decorrer do tempo, foram extintas. A década de 1980 foi, realmente, a explosão do rock.
Eis que o roqueiro Lobão nega o rock e afirma que "O Rock Errou", título de seu disco de 1986, ano que ficou preso durante três meses, período que teve o pedido de habeas corpus diversas vezes negado. Considero que a Polícia Federal do governo do presidente José Sarney perseguiu o artista. Lobão ficou no xilindró por posse de drogas, e, na cadeia, compôs o álbum Vida Bandida, que vendeu muito e talvez seja uma de suas melhores criações.
Entretanto, acredito que o roqueiro não foi somente perseguido por usar drogas. Na época de sua prisão desconfiava que o Lobão foi também perseguido pela Polícia Federal de José Sarney pelo motivo de ser autor da música "O Eleito", na qual o artista ironizava e criticava veementemente o ex-presidente Sarney, um dos líderes civis da ditadura militar e que no decorrer dos anos 1987 e 1988 liderou, do Palácio do Planalto, o "Centrão", grupo influente de parlamentares de direita, que tinha o propósito de combater e até mesmo paralisar os trabalhos da Constituinte, pois temiam que a nova Constituição a ser elaborada e depois efetivada no País fosse "exageradamente" progressista.
Outro detalhe. Lobão quando cantava "O Eleito" se apresentava vestido de casaca e cartola, com uma faixa presidencial no peito. Vi dois shows do ex-roqueiro a vestir essa indumentária. A galera vibrava, e eu também, porque o Brasil já respirava política e eu percebia, nitidamente, a luta entre Sarney e Ulysses, bem como os fortes resquícios autoritários da ditadura militar durante o Governo Sarney.
Contudo, o tempo passou, e Lobão, ao que parece, sempre almejou ser reconhecido como um ser intelectualizado, a ocupar o lugar, por exemplo, do talentoso cantor e compositor Caetano Veloso, que, para mim, está longe de ser um intelectual, mas que, há anos, bate boca com o Lobão em público. Trata-se da fome com a vontade de comer, em uma luta narcisista, na qual os dois competem, para ver quem consegue falar mais bobagens e aparentar quem é mais porra-louca, extravagante e sem qualquer sensatez ou autocrítica para avaliar as realidades e a comentar sobre as pessoas, que eles nem ao menos conhecem, como aconteceu, agora, no caso da presidenta Dilma Rousseff.
Lobão disse, ao se posicionar contra a Comissão da Verdade, que "ela {Dilma} foi terrorista, sequestrou avião, ela pode ter matado". O jaz músico e roqueiro rebelde e contestador se une às vozes da escuridão e se alinha aos algozes da democracia e do pensamento de extrema direita, que no comando do estado brasileiro utilizou as Forças Armadas, as policias civil, militar e federal, além do Judiciário para perseguir, demitir, prender, torturar, exilar e matar os adversários do regime ditatorial, casuístico, e, por si só, violento.
O que o Lobão e muitos outros não compreendem é que não há termos de comparação entre a esquerda guerrilheira e as forças regulares armadas e de repressão. O estado se tornou terrorista e, consequentemente, um verdugo assassino de quem o questionava e o combatia. Engana-se, terrivelmente e lamentavelmente, aquele ou aquela que pensa que os fascistas que ocuparam ilegalmente e criminosamente os poderes da República durante 21 anos prendiam, torturavam e matavam apenas quem pegou em armas. Muitos brasileiros foram mortos e perseguidos sem, inclusive, participar de grupos políticos. A tortura seguida de assassinato e de sumiço de cadáveres é uma ignomínia — a sordidez em toda sua plenitude. Ponto!
Quando um artista como o Lobão incorre em um erro grave desse é sinal que ele perdeu o discernimento, se algum dia o músico o teve. Porque hoje eu duvido. A vaidade e a vontade de ser causador de polêmicas artificiais, sobretudo, tem de ter limites, mesmo quando a pessoa atua no segmento artístico, que por si só é um mundo repleto de vaidade, porque a profissão expõe o artista ao público, que, por seu turno, é o seu verdadeiro holofote.
São descabidas, inconsequentes e, por sua vez, levianas as declarações de Lobão, ao dizer ainda que "Não acredito em vítima da ditadura, quero que eles se fodam. Me botaram por três meses na cadeia. Nem por isso eu pedi indenização ao Estado. Devo ter sofrido muito mais do que 90% desses caras que dizem que foram torturados". E completou: "Como que ela {Dilma} pode criar uma Comissão da Verdade e, como presidenta, não se colocar? Deveria ser a primeira pessoa a ser averiguada. Você vai aniquilar a história do Brasil? Vai contar uma coisa totalmente a favor com esse argumento nojento? Porque eles mataram, esquartejaram pessoas vivas, deram coronhadas, cometeram crimes", para logo finalizar: ..."A causa da ditadura militar foram eles. Desde 1935, desde a coluna Prestes, começaram a dar golpes de Estado. Em 1961, começaram a luta armada. Era bomba estourando, eu estava lá. Minha mãe falava: você vai ser roubado da gente, o comunismo não tem família".
O pequeno burguês que vestiu a pele de rebelde nos idos dos anos 1980, enfim, deixa de ser dúbio e camaleônico e, tal qual a Caetano Veloso, mostra sua índole de classe média conservadora de perfil e essência lacerdista, que deturpa a história do Brasil para dar razão àqueles que sempre promoveram golpes de estado e desestabilizaram os poderes constituídos. Se o Lobão quer dar uma de idiota para se dar bem e vender seus livros, conseguir programas de televisão, bem como comercializar seus discos de péssima qualidade, porque o artista se divorciou do seu talento e do rock no início dos anos 1990, dá até para entender. Porém, defender o indefensável, justificar o injustificável e "estuprar" a história do Brasil para puxar o saco do establishment do qual ele quer fazer parte, aí são outros quinhentos.
Se o cantor Lobão se tornou um reacionário (ou sempre o foi) e até mesmo um oportunista para falar em prol daqueles que se aproveitaram de uma ditadura sanguinária para enriquecer e conquistar o poder sem disputa eleitoral e democrática, o problema é dele. Todavia, não é aceitável que o Lobão, um porra-louca dos quatro costados, transforme a Vida Bandida que os generais e os empresários implementaram no Brasil, com a cooperação, inclusive, dos norte-americanos, o que é uma grave traição, inverta os fatos para deturpar os acontecimentos da história. O estado, quando retira os direitos fundamentais do cidadão, torna-se terrorista e deixa a sociedade indefesa, porque ela não tem onde recorrer.
Lobão deveria saber disso. Afinal, ele foi vítima do estado. Só que ele é mais um Fernando Gabeira da vida, sem, contudo, ter noção do que pensa e fala. Lamentável o senhor João Luís Woerdenbag Filho — o Lobão, criador de polêmicas artificiais, desprovidas de inteligência, mas repletas de leviandades. O ex-roqueiro mudou os versos do início deste artigo? O rock não errou. Quem errou foi o Lobão. Vida Bandida! Vida Bandida! É isso aí.
Um comentário:
FHC, na Revista Piauí/agosto/2007: "EU TRAÍ OS INTERESSES DA PÁTRIA"
Lobão, musicalmente falando é uma aparição do acorde fantasma.
O que os dois têm em comum: seria a maconha!?!?
Postar um comentário