O Programa Social está mudando costumes, tradições e
provocando revolução sociocultural em Alagoas. Tudo isso graças ao benefício
mensal que gira em torno de R$ 155. Com os cartões nas mãos as mães que, na
grande maioria nunca tiveram uma renda fixa na vida, agora têm uma vida melhor
e mais independência.
Gazeta de Alagoas/Maurício Gonçalves - O sol na cabeça, o
cabo da enxada e o chão esturricado do Sertão de Inhapi sempre fizeram Quitéria
Ferreira da Silva, 41 anos, sofrer calada. Presa ao destino numa das áreas mais
pobres (e machistas) do país, era obrigada a suportar as agressões e vontades
do marido. Até o dia em que levou um chute no rosto e resolveu se rebelar. Como
um juiz de futebol, levantou um cartão amarelo de advertência: o cartão do
Bolsa Família.
Quitéria mandou o agressor para fora de casa e ficou
separada por cinco meses, algo impensável antes de começar a receber o dinheiro
para alimentar os três filhos. “Foram cinco meses de sossego, momentos felizes em
que me senti muito melhor”, recorda a sertaneja, com sorriso triste. Até hoje
diz que só aceitou o companheiro de volta por causa dos apelos das crianças.
Mas agora é outra mulher. Se vier nova falta grave, puxa o segundo cartão
amarelo, equivalente a uma expulsão definitiva.
O boato sobre o fim do Bolsa Família provocou um levante
popular e muitos debates sobre o maior programa de transferência de renda do
mundo. Além do impacto financeiro na vida de mais de 54 milhões de brasileiros
situados abaixo da linha da pobreza (menos de R$ 140 per capita), o benefício
mensal que gira em torno de R$ 155 está mudando costumes, tradições e provoca
uma revolução sociocultural. Tudo isso porque os cartões são entregues a mães
que, na grande maioria, nunca tiveram uma renda fixa na vida.
Mulheres priorizam bem-estar da família
A pesquisa da antropóloga da Universidade de Campinas,
Walquíria Leão Rêgo, aponta que as beneficiárias do programa experimentam certo
grau de liberdade e autonomia porque podem escolher a forma de empregar o
dinheiro. Também têm ganhos de dignidade perante os demais membros da
comunidade porque se tornam confiáveis: “O cartão do Bolsa Família é a única
coisa que me deu crédito na vida, antes não tinha nada”, diz uma das
entrevistadas.
“O estudo deita por terra certos preconceitos, como aquele
segundo o qual não se deve dar dinheiro aos pobres, que não saberiam como
empregá-lo. As mulheres ouvidas na pesquisa demonstram o contrário: em geral
elas gastam prioritariamente com alimentos, em especial para as crianças. Uma delas
informa que pôde comprar, finalmente, um inalador para um filho que sofre de
crises asmáticas”, descreve um trecho da sinopse do livro.
Para a antropóloga, o estudo também desafia outro
preconceito: o de que as mulheres que recebem o Bolsa Família ficam acomodadas.
“As mulheres ouvidas almejam muito mais do que uma renda mínima proveniente de
um programa governamental: todas as entrevistadas afirmaram que gostariam mesmo
é de ter trabalho regular e carteira assinada”, constatou a pesquisadora.
A catadora de lixo que virou empreendedora
O dinheiro é pouco, mas as mães do Bolsa Família sabem
multiplicá-lo. Há dez anos, quando começou a receber R$ 98 por mês, Rosineide
dos Santos começou a poupar e sonhar. Queria deixar de ser catadora de lixo
para abrir um negócio. Era preciso guardar cada centavo que sobrava das compras
de comida. Garantida pela renda fixa formal, pediu um empréstimo de R$ 3 mil,
mas o banco só liberou R$ 80. Mesmo assim aceitou, melhor do que nada.
Pegou o dinheiro e comprou uma porca. Se o suíno dos
cofrinhos é o símbolo da economia, da poupança, o animal adquirido por
Rosineide trouxe prosperidade. A porca estava prenha e teve 16 porquinhos. De
cara, a empreendedora vendeu logo quatro crias por R$ 200, quitou a dívida com
o banco, adquiriu um empréstimo maior e comprou roupas usadas que estendia no
chão e vendia no meio da feira do Benedito Bentes 2, em Maceió.
Da roça à conquista da estabilidade financeira
Após uma vida inteira de labuta na roça, Maria Clara dos
Santos se valeu da ajuda do Bolsa Família para investir no fornecimento de
quentinhas. Hoje, aos 51 anos, a mãe de oito filhos conseguiu abrir uma empresa
com Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ), atende encomendas de até 250
refeições e tem clientes importantes como a ONG Visão Mundial.
Com tudo isso, pediu para deixar de receber o benefício
social. “Pensei que havia outras pessoas precisando mais do que eu. O Bolsa me
ajudou bastante, mas eu não estava sendo digna de estar com esse cartão com
tanta gente precisando mais do que eu”. A consciência e a honestidade falaram
mais alto.
Índia da etnia Koiupanká, Maria começou no mundo dos
negócios com a produção de doce de leite. O pai tinha três vacas e lhe dava
sempre um pouco de leite. Trabalhava duro na roça e começou a vender parte da
colheita com o marido, filhos e parentes. Com o apurado e a ajuda do Bolsa
Família, montou seu primeiro barraco na feira, quando passou a ser mais
conhecida como “Maria do Barraco”.
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