por Miguel Martins
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publicado
24/04/2015
Aécio e Anastasia encerram seu ciclo com despesas superiores às receitas
Implantado pelo ex-governador Aécio Neves, o “choque de gestão”, vitrine dos três últimos mandatos do PSDB
em Minas Gerais, ganhou fama por buscar aplicar um modelo de
administração pública inspirado no setor privado. O enxugamento da
máquina, a bonificação de servidores de acordo com os resultados
alcançados e a obsessão pela redução de despesas eram os pontos
centrais. Se cumpriu seu papel de atingir o déficit zero ao longo dos
anos, ao menos segundo o Tribunal de Contas do Estado, o modelo dá a
impressão de ter perdido fidelidade a seus propósitos após a derrota
tucana nas urnas em 2014.
Em 6 de abril, a equipe do governador
Fernando Pimentel, do PT, divulgou um balanço realizado pela
Controladoria-Geral do Estado (CGE) sobre a situação das contas
públicas. A auditoria foi coordenada por Mário Spinelli, convidado para
chefiar o órgão após seu trabalho no desmantelamento da máfia dos
fiscais que desviou bilhões de reais da prefeitura de São Paulo. Ao
contrário do déficit zero previsto no Orçamento enviado à Assembleia
Legislativa pelo governo anterior, o diagnóstico apresentado pelos
secretários Helvécio Magalhães, do Planejamento e Gestão, e José Afonso
Bicalho, da Fazenda, estima um rombo de 7,2 bilhões de reais nos cofres
públicos neste ano. O novo Orçamento elaborado pelo governo de Pimentel
reduziu em mais de 4 bilhões de reais a perspectiva de receitas, incluiu
2 bilhões em despesas e apontou a existência de uma dívida de 1,1
bilhão herdada da administração anterior.
Sucessor de Antonio Anastasia, do PSDB, o
ex-governador Alberto Pinto Coelho, do PP, enviou em outubro do ano
passado a peça orçamentária para a Assembleia Legislativa com a previsão
de uma receita de 72,4 bilhões de reais e um conjunto de despesas de
mesmo valor. Naquela época, o governo federal ainda não revisara a
previsão do PIB para 2015. A perspectiva de crescimento foi reduzida de
3% para 2% em novembro de 2014. Como o projeto baseava-se em cálculos
superados, o valor de arrecadação do Imposto sobre Circulação de
Mercadorias e Serviços, variável conforme a atividade econômica, foi
superestimado. Segundo a equipe de Pimentel, previu-se 1 bilhão de reais
a mais na arrecadação do tributo.
Em nota conjunta,
o PSDB e o PP mineiros condicionam a distorção no ICMS às mudanças nas
projeções macroeconômicas. “A peça orçamentária teve como cálculo os
mesmos indíces e indicadores adotados pelo governo federal em seu
orçamento”, afirmam os partidos. “Minas teve ainda uma perda de receita
da ordem de 3,5 bilhões de reais em desonerações e reduções de repasses
pelo governo federal.” Os partidos argumentam ainda que a atual
administração não considerou em sua conta os ganhos de ICMS provenientes
do aumento das tarifas de energia elétrica, que podem gerar uma
arrecadação extra de 1,54 bilhão de reais.
Magalhães reconhece que a estimativa de
ICMS pode ter sido sobrevalorizada pela gestão anterior por causa das
previsões otimistas de crescimento do governo federal. “É a única
distorção que está diretamente relacionada à atividade econômica”,
afirma o secretário a CartaCapital. Ainda assim, diz não
compreender os motivos de o governo anterior ter superestimado os
repasses de estatais em 3,6 bilhões de reais. “O máximo que o estado
recolheu em sua história nesse tipo de transferência foi 1 bilhão de
reais.”
Segundo o secretário, o rombo foi uma surpresa. Durante a
transição, diz, o Sistema Integrado de Administração Financeira saiu do
ar e impediu o acompanhamento do escalonamento das despesas. A equipe de
Pimentel destaca como motivo principal para o déficit os aumentos
concedidos a servidores pela gestão anterior, que incrementaram os
custos em 2,7 bilhões de reais. “Uma coisa é buscar atingir o piso
nacional dos professores, pois o salário é baixo e trata-se da principal
categoria. Mas o aumento para certas carreiras foi desproporcional.”
A CGE iniciou uma investigação de
possíveis irregularidades na folha de pagamento e revelou que a gestão
anterior cancelou ao menos 806 convênios com cidades do interior,
assinados antes das eleições. O órgão afirma que a prática tem
responsabilidade sobre a paralisação de parte de 354 obras.
Para contornar a situação, Magalhães afirma ser possível
economizar 10 milhões de reais por mês com os gastos da Cidade
Administrativa, sede do governo estadual e de suas secretarias, diminuir
regimes especiais de tributação e agilizar cobranças judiciais e
investigações sobre sonegação. “Não haverá aumento de impostos”,
promete.
O diagnóstico
apresenta ainda dados negativos sobre os indicadores sociais em Minas. A
equipe de Pimentel afirma que apenas 26% das escolas estaduais possuem
estrutura adequada e calcula um rombo de 1,5 bilhão de reais na Saúde. O
relatório indica ainda que o número de homicídios cresceu 52,3% entre
2002 e 2012, ante uma média nacional de 13,4%, segundo o Mapa da
Violência elaborado pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais.
Não é a primeira vez que a maquiagem do
choque de gestão desbota. Em 2013, Anastasia criou um site para divulgar
as vitórias da política administrativa tucana. O portal foi alvo de
críticas por ter manipulado as séries históricas dos dados. Embora
apontassem para uma melhora sensível da educação, saúde e segurança
pública, cada indicador amparava-se em um intervalo de tempo distinto.
Se analisados a partir de 2003, nenhum deles superava a média nacional.
Derrotado nas urnas, o PSDB mineiro vê agora sua principal
vitrine ser questionada por seus opositores e atingida por um órgão que
antes estava sob seu controle. Ser pedra era fácil, dífícil é ser
vidraça.
*Reportagem publicada originalmente na edição 845 de CartaCapital, com o título "Em estado de choque"
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