Os 50 anos da TV Globo foram lembrados ao longo da semana que passou e
celebrados no domingo (26/4), com uma festa para centenas de
funcionários no Rio de Janeiro. As inserções de um quadro especial no
Jornal Nacional, comandado pelo apresentador e editor William Bonner,
serviram para apresentar em doses diárias um resumo da história da
emissora, com destaque para alguns episódios controversos em que foi
protagonista.
Na terça-feira (21/4), por exemplo, Bonner personificou o mea-culpa
da Globo por haver tentado ocultar, em 1984, o comício que marcou, em
São Paulo, a campanha pelas eleições diretas para presidente da
República. A reportagem sobre a manifestação foi aberta, na ocasião, por
Marcos Hummel, então âncora do Jornal Nacional, com o seguinte texto:
"Um dia de festa em São Paulo. A cidade comemora seus 430 anos com mais
de 500 solenidades. A maior foi um comício na Praça da Sé". Quem estava
lá sabia que aquele era um protesto contra a ditadura, pelas eleições
diretas, realizado sob ameaça das forças de segurança – e não uma festa
de aniversário.
No dia seguinte, foi a vez de tratar da manipulação que ajudou a
eleger Fernando Collor de Mello na disputa contra Lula da Silva, na
eleição presidencial de 1989. Na ocasião, a Globo concedeu um minuto e
meio a mais para Collor, com um texto tendencioso no qual escondeu os
melhores argumentos de Lula no debate da noite anterior e exibiu seu
oponente como um estadista. Na revisão histórica da semana passada, tudo
não passou de um erro de edição, e um compungido Bonner lamentou a
"falta de equilíbrio" daquela cobertura.
Mas, fora do quadro mágico da tela, a verdade é que a história da emissora está recheada de atos de má-fé e manipulações.
Embora se possa dizer que a mais poderosa rede brasileira de
televisão se tornou um pouco mais sutil em sua interpretação da
realidade nacional, não há como fugir ao fato de que segue produzindo
diariamente exemplos de um jornalismo tendencioso que ancora o conteúdo
claramente partidário dos outros grandes veículos de comunicação.
O socorro do BNDES
Como o bicheiro que precisa comprar um título de comendador quando
chega a maturidade, a Globo tem necessidade de corrigir, eventualmente,
sua trajetória, para que a mão da História lhe seja leve. No entanto,
essa espécie de autocrítica conduzida em tom de convescote ao longo da
semana não tem peso e seriedade suficientes para um registro nos
arquivos do jornalismo, digamos, mais sério.
Essa função foi cumprida, na sexta-feira (24/4), em uma longa entrevista concedida ao jornal Valor Econômico (ver aqui)
pelos principais acionistas do Grupo Globo, os irmãos Roberto Irineu,
João Roberto e José Roberto Marinho, a uma dupla insuspeita de
jornalistas, Matías Molina e Vera Brandimarte.
Além disso, o jornal que pertence ao Grupo Globo em parceria com o
Grupo Folha também publica uma reportagem sobre bastidores da poderosa
organização, com destaque para o processo de reestruturação financeira
que evitou sua falência no começo deste século.
Matías Molina, veterano jornalista que ajudou a formar alguns dos
melhores repórteres brasileiros de Economia nas últimas décadas, é autor
do livro Os Melhores Jornais do Mundo e lançou recentemente o primeiro
volume da trilogia História dos Jornais no Brasil. É com esse currículo
que ele conduz a retrospectiva dos 50 anos da Globo no Valor.
Mas a leitura da entrevista decepciona em alguns aspectos: a história
controvertida da maior potência da imprensa latino americana fica
diluída em meio a uma conversa amena à qual faltou rigor crítico. As
perguntas servem como alavancas para os irmãos Marinho amenizarem o
papel decisivo da empresa em episódios polêmicos da história nacional.
Um de seus momentos mais importantes – o processo de recuperação
financeira ocorrido entre 2002 e 2006 – passa quase em branco.
Questionado sobre aquele período, quando a empresa teve que vender parte
da rede, livrou-se do controle das operadoras Sky e Net e foi socorrida
pelo BNDES, os entrevistadores se satisfazem com a resposta de Roberto
Irineu Marinho, de que a situação foi resolvida "sem recursos do BNDES
ou de bancos estatais".
O socorro do BNDES ao Grupo Globo foi amplamente noticiado na época (ver aqui) e motivou até mesmo um pedido de audiência pública no Senado Federal (ver aqui)
e até hoje segue sendo uma das chaves para se entender a relação entre a
empresa e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, em seus dois
mandatos.
Quem sabe nos próximos 50 anos essa história seja contada.
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