Por Paulo Moreira Leite
João Vaccari Neto, tesoureiro do Partido dos Trabalhadores desde
2010, foi preso quando saía de casa para caminhar, hoje de manhã. Num
despacho sobre a prisão, o juiz Sérgio Moro associou Vaccari a
pagamentos a uma gráfica responsável por publicações da CUT e dois
sindicatos de trabalhadores, metalúrgicos e bancários.
"Observo que, para esses pagamentos à Editora Gráfica Atitude, não há
como se cogitar, em princípio, de falta de dolo dos envolvidos, pois
não se tratam de doações eleitorais registradas, mas pagamentos
efetuados, com simulação, total ou parcial, de serviços prestados por
terceiros, a pedido de João Vaccari Neto", afirmou o magistrado.
Ouvido pelo 247, o advogado Pedro Serrano, professor de Direito
Constitucional da Pontifícia Universidade de São Paulo, e uma das vozes
mais acatadas em sua especialidade, afirma que:
— É uma decisão a ser respeitada. Mas se o fundamento for apenas
este, parece que há uma antecipação da pena, sem respeito pelo direito
de defesa e ao devido processo legal, com grave atentado aos direitos
fundamentais previstos em nossa Constituição.
Em bom português, Pedro Serrano está dizendo que Sergio Moro
autorizou uma prisão sem submeter a acusação ao contraditório. Só
prestou atenção a um lado — da acusação — sem demonstrar a postura
equilibrada que cabe a um juiz. A prisão se baseia essencialmente na
delação premiada de Augusto Mendonça, empresário da Setal ÓIeo e Gás,
que acusa Vaccari de ter pedido um pagamento de R$ 2,5 milhões em
prestações mensais, entre 2011 e 2013, à gráfica Atitude. Não por acaso,
Sérgio Moro atesta as denúncias da delação premiada "em princípio."
Preso sem sequer ter sido julgado, sem receber nem ao menos uma
denúncia precisa — da qual poderia defender-se — desde a manhã de hoje
Vaccari se encontra dentro de uma cela em Curitiba. Ninguém sabe até
quando permanecerá detido — executivos e empresários foram presos em 15
de novembro de 2014 e continuam atrás das grades até hoje — e em quais
circunstâncias poderá ser colocado em liberdade. Será coagido a fazer
uma delação premiada? Para denunciar quem?
Conforme o jornal O Globo, o delator "Mendonça confirmou ter assinado
contratos de prestação de serviços de publicidade entre suas empresas e
a gráfica." Embora Vaccari já esteja atrás das grades, o jornal admite
que nem tudo foi esclarecido: "os investigadores querem saber se os
serviços foram realmente executados e se os valores estão dentro dos
preços executados pelo mercado."
Uma semana antes, Vaccari prestou um depoimento à CPI. Apesar das
provocações, de um jogo sujo que incluiu a aparição de ratos em plenário
— uma das inúmeras contribuições do nazismo às técnicas macabras de
manipulação política — e de uma tortura moral que envolveu inúmeras
tentativas de humilhação acompanhadas olimpicamente pelos parlamentares
que deveriam dirigir os trabalhos, não entrou em contradições nem se
desmentiu.
A origem das acusações se encontra no trabalho de delegados que nunca
esconderam a preferência política pelo PSDB — partido jamais
investigado de verdade por denúncias correlatas e até mais graves — e
procuradores que, perdendo qualquer apego às garantias individuais, são
capazes de defender que a Justiça passe a aceitar provas obtidas de modo
ilícito, caminho tradicional para a legalização de abusos condenáveis.
(O ponto máximo dessa tolerância com a ilegalidade ocorreu nos Estados
Unidos, no governo de George W Bush, quando a Casa Branca elaborou um
projeto que legalizava a tortura por afogamento — e conseguiu juristas
capazes de defender a legalidade desse procedimento).
A prisão de Vaccari não é um drama individual, é bom ter clareza. Nem
de um deslize, ou erro judiciário, inevitável em toda obra humana.
É parte de um plano elaborado e detalhado, a partir de passos frios e
calculados, constituindo o novo movimento — ou nova etapa — de uma
engrenagem que pouco a pouco assume o domínio efetivo da política e do
estado brasileiro hoje — a Vara de Justiça Criminal de Curitiba, sob
comando do juiz Sérgio Fernando Moro.
Isso foi assinalado por observadores com um inegável poder de
análise, como o escritor e jornalista Bernardo Kucinski, em entrevista
ao programa Espaço Público, em 17 de março, e André Motta Araújo, no
portal GGN. Falando do Brasil real de 2015, André Araújo escreveu: "Hoje
um juiz de 1ª instância governa o país, atuando de Norte a Sul, faz o
que bem entender, quebra empresas, prende pessoas em qualquer lugar,
incontrastável, por acovardamento do centro de poder. Todos morrem de
medo."
Falta assinalar um aspecto importante: atuando muito além da esfera
de um magistrado de primeira instância, o degrau inferior da complexa
estrutura do Judiciário brasileiro, Moro exerce um poder político fora
de controle, inteiramente usurpado, num novo passo de um projeto
político-jurídico que ele próprio cunhou em 2004.
Conforme foi assinalado outras vezes neste espaço, é possível
encontrar um rascunho pronto e acabado da Lava Jato num texto chamado
"Considerações sobre a Operação Manni Pulite". Ali, Sérgio Moro dá sua
versão para a história da Operação Mãos Limpas, iniciada como uma
investigação de denúncias de corrupção política para culminar, 1200
prisões e doze suicídios depois, na ditadura midiática de Sylvio
"Bunga-Bunga" Berlusconi.
O colapso da economia italiana, um reflexo direto dos passos
desencontrados da política, foi registrado pela revista conservadora
Economist, para quem em uma década a Itália acumulou o pior desempenho
da Europa, incluindo a Grécia (edição de 3/1/2015).
Comparando Brasil e Itália, Moro permite-se observar, já naquela
época, que em nosso país "encontram-se presente várias das condições
institucionais necessárias para a realização de ação judicial
semelhante."
Uma dessas condições, registra, é que a "classe política não goza de
grande prestígio junto à população. "Isso ocorre", escreve o juiz em
2004, um ano depois da posse de Luiz Inácio Lula da Silva no Planalto,
porque é "grande a frustração pelas promessas não cumpridas após a
restauração democrática."
Sem disputar um único voto popular, Sergio Moro administra um projeto
que tem produzido mudanças no poder político, procurando deslegitimar —
o termo é dele próprio – o sistema democrático duramente construído no
final da ditadura.
Em um ano de existência, a Lava Jato gerou alterações no sistema
econômico, em grande parte já arruinado pelas prisões sem julgamento e
por inúmeras acusações até agora não provadas definitivamente contra a
Petrobras, por prejuízos alarmistas que ninguém é capaz de calcular
corretamente, mas que fazem a delícia dos especuladores de sempre.
Com apoio dos grandes meios de comunicação, que fingem não perceber a
brutalidade do que ocorre, manipula-se amplos setores da sociedade
civil — mas nem por isso um dos procuradores envolvidos na investigação
deixa de cobrar, sem jamais ser criticado por isso, o permanente apoio
da mídia.
No Brasil de 2015, Sérgio Moro é a autoridade que autoriza prender e
soltar, castigar e punir, vigiar e perseguir. Controla o poder de Estado
em seu grau máximo, que diz respeito à liberdade dos cidadãos.
Estabelece as duas fronteiras do mando — aquilo que se exerce por
consenso, quando a sociedade aceita o que o Supremo Mandatário deseja,
aquilo que se cumpre por coerção, que envolve o uso da força.
Além de manter o Executivo em alerta e frequente paralisia, a Lava
Jato enquadrou as lideranças principais do Legislativo, onde Eduardo
Cunha e Renan Calheiros tornaram-se não passam de fantoches à mercê das
investigações da Polícia Federal, das denúncias do Ministério Público — e
do aval de Sérgio Moro. Não vamos nos iludir quanto ao Judiciário. Uma
primeira instância exageradamente forte implica num Supremo fraco
demais. Em dezembro de 1968, os brasileiros passaram a ter certeza de
que viviam sob uma ditadura, depois que o regime militar suspendeu o
habeas corpus, que permitia a um juiz determinar a soltura de um preso
sem culpa formada. Em 2015, o fim do habeas corpus é uma realidade
estatística. Nenhuma das dezenas de pedidos de habeas corpus para os
presos da Lava Jato, encaminhados aos tribunais superiores, foi
acolhido. O único caso positivo, que envolvia o preso Renato Duque, foi
revogado.
Estamos assistindo a um processo de esvaziamento contínuo das
instituições democráticas brasileiras a partir da exacerbação contínua
dos poderes da Justiça. Neste processo, a Lava Jato oferece, na bandeja
da oposição, instrumentos para restrição da principal liberdade que
diferencia a democratização nascida em 1985 — a liberdade de organização
dos trabalhadores e da população pobre.
Anunciado por Aécio Neves, respaldado por Carlos Sampaio da CPI e
repetido por Ronaldo Caiado após a prisão de Vaccari, a extinção do PT é
um projeto que volta a frequentar os projetos da oposição brasileira —
herdeira da mesma família política que, em 1947, colocou o PCB na
ilegalidade. Nos anos seguintes, sabem os brasileiros, a democracia
tornou-se tão frágil que ocorreram pelo menos três conspirações
militares até que, 17 anos depois, ocorreu o golpe que durou 20 anos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário