domingo, 7 de dezembro de 2008

MAURÍLIO:UM GRANDE DEFENSOR DA DEMOCRACIA


Acerto de Contas - Aquelas manifestações espontâneas de classe média nas eleições no Brasil, que tivemos até o início da década de 90, não existem mais, não é verdade?

Isso é um fenômeno internacional, que eu chamo de a morte das utopias. Com a queda do Muro de Berlim, as utopias foram abaladas, então isso tirou os sonhos, e a atividade política passou a ser algo considerado danoso à sociedade. E as pessoas passaram a desconhecer, que em qualquer país do mundo, o Congresso Nacional reflete a sociedade. Se você tem uma sociedade relaxada moralmente, então você tem um Congresso representativo de uma sociedade desta ordem. Você encontra lá assassinos, marginais, traficantes, tráfico de influência, bandidos que não matam, mas que roubam, sanguessugas, tem de tudo.


Mas e quem representa as pessoas de bem?

Você também tem no Congresso pessoas altamente decentes. Entre os deputados e senadores, se botar no papel as pessoas decentes, se você listar 60 pessoas, tem dificuldades de citar mais uma. Porque daquilo ali, só um pequeno número faz a máquina funcionar. O resto pode passar no corredor que não chega nem um jornalista, e nem uma pessoa que vá pedir opinião. Então, as pessoas ficam ali traumatizadas porque daqui a pouco vem a eleição, que vai custar 2 ou 3 milhões de dólares.



Você participou de eleições antes e depois de 1990, e como deputado sempre se elegeu, ou ficou como suplente e assumiu depois. O que ficou diferente?

Você tinha um eleitor de classe média, que votava por opinião, que participava, você lembra muito bem, por exemplo, das carreatas. Hoje temos um desencanto da classe média, que teve estreitamento do seu poder aquisitivo. Então esse segmento se reduziu bastante, e isso acompanhou uma substituição na sociedade. Antes você votava no MDB, porque este era o depositário de todos os sonhos, esperanças e utopias, e abrigava as sementes de toda vida partidária que temos no Brasil, o PSDB, por exemplo, nasceu de uma costela do MDB. Os partidos comunistas viviam abrigados no MDB.

Quando o PMDB esvaziou sua função, e se transformou no que é hoje, quase uma associação de malfeitores, aí toda a esperança foi carreada para o PT.

Lula hoje reconhece que a sorte do Brasil era não ter sido eleito em 1989, porque não estava preparado politicamente e emocionalmente para governar o país.

Mas você apoiou Lula em 1989.

Apoiei, e hoje vi uma entrevista, ele se referindo a um episódio, que considera como o maior erro político de sua vida. Uliysses (Guimarães) era deputado, e tinha perdido a eleição para presidente. Como eu era muito amigo de Gushiken, disse a ele que Lula deveria procurar Ulysses. Ele concordou, e perguntou o que fazer. Eu disse que falaria com Jarbas, para ele fazer o encontro no meu apartamento. Com Ulysses só ficou mesmo Jarbas, Jorge Moreno, Celso Furtado e Renato Archer. Não dava prá lotar um jatinho.

Aí Jarbas foi para meu apartamento, e fiquei esperando Gushiken, para fazer essa intermediação. Ele ligou, e avisou que o PT não deixaria nem ele nem Lula pedir o voto para Ulisses.

Por que você resolveu apoiar Lula, e não Ulysses Guimarães?

Quando Lula esteve no meu gabinete para me conhecer e agradecer o apoio de um deputado do PMDB para ele, antes eu falei para Ulysses.

- Dr. Ulysses, eu vou dizer para o senhor uma coisa que todos os seus amigos mais íntimos, que o senhor confia, como Renato Archer, Jarbas e Celso Furtado gostariam de lhe dizer, e ficam inibidos, pelo peso da sua liderança e pela dignidade política que o senhor representa. Não dá para continuar nesta campanha, pois o senhor vai ter uma decepção nesta campanha, que é incompatível com a imagem de liderança e serviços prestados ao país. Vai ser uma coisa muito dolorosa, pois vai ter uma votação insignificante.

Aí eu disse isso prá ele, da fase que a América Latina estava vivendo, da necessidade da pluralidade política, e esta só se dá quando setores sociais desfavorecidos passam a participar. Então o Brasil tem um partido que saiu da produção, o PT, com um candidato operário. Então a presença de um operário dava ao país a oportunidade de efetivamente criar pluralidade política, permitindo que alguém que não fosse das elites dominantes disputasse a eleição, então eu acho importante que Lula dispute a Presidência.

Aqui em Pernambuco você foi o único que o apoiou em 1989, não foi?

Foi, mas depois apareceu Osvaldinho (ex-deputado), e Arraes. Disse a ele (Lula), que essa pluralidade social era importante. Ele achava que ia ganhar a eleição, mas aqueles 5% de indecisos era formado em parte de pessoas que não queriam uma opção de esquerda.

No começo da década de 90, um grupo do PMDB, liderado por Jarbas rompeu com Arraes, na formação da famosa “chapinha”, e levou a um rompimento definitivo posteriormente. Você inclusive teve forte atrito com o ex-governador.

Aquilo é um episódio totalmente superado, que o tempo vai corrigindo as opiniões. Eu acho hoje, por exemplo, que Miguel Arraes foi uma das figuras mais importantes da vida política brasileira, e que teve um papel altamente positivo.

Mas vocês foram bem próximos.

Fomos. Eu morei no exílio na casa dele quase um ano. Quando menino eu fui chefe de gabinete dele na Prefeitura do Recife, e depois trabalhei no primeiro Governo dele.

Arraes entrou na história pelo seu 1 ano e 1 mês de Governo. Não entrou para a história de Pernambuco e virou um mito, porque foi Governador 3 vezes. Ele só conseguiu isso neste primeiro Governo, pois verificou que os tempos estavam mudando, e fez uma transformação social violentíssima em apenas um ano, melhorando as condições de maneira fundamental dos camponeses, se aproximando de Gregório e se afastando de Julião na relação com o campo.

Você disputou seu primeiro mandato quando?

Em 1966, antes de ser exilado, dois anos após assumir. Fui exilado logo na primeira lista, com Carlos Lacerda, Evandro Lins e Silva, Renato Archer.

Voltando ao assunto, o restante dos anos que Arraes governou Pernambuco só fez desgastá-lo. Arraes quando voltou ao Brasil, tinha uma grande antipatia pelo MDB, porque achava que quem tinha ficado aqui no Brasil tinha se confraternizado com a ditadura.

Isso foi na verdade o que provocou no final o racha com o grupo de Jarbas. Eu sempre achei que o MDB tinha prestado serviços, e tinha sido um instrumento que o povo brasileiro teve para derrotar a ditadura, e foi de fato na luta do MDB que nós pudemos voltar ao Brasil. Arraes nunca reconheceu isso.

No exílio, Arraes pensou durante algum tempo que a coisa se resolvia com a luta armada. Aí deu outro conflito, porque eu dizia a ele na Argélia, que o movimento chamado APL, que ele queria organizar no Brasil, não existia. Ele mostrava um mapa com os núcleos de luta armada, e eu dizia a ele que tinha andado com Marcio Moreira Alves, e estes núcleos não tinham nenhum guerrilheiro. Que o Brasil não queria saber de luta armada.

Quando se deu o rompimento definitivo entre vocês?

Então….eu comecei a verificar que Jarbas era a pessoa que dava ao MDB este papel, além de Marcos Freire, e eu entrei por aí, achando que deveríamos buscar a democracia pelas vias legais.

Mas em 1990, quando Arraes resolveu montar a chapinha, deu o início a um conflito sério.

Pois é, porque ali ele resolveu fazer o grupinho dele. Chamou Cristina (Tavares)..

Ele não te chamou? E Fernando Lyra?

Não me chamou, e Cristina não aceitou. Não me lembro de Fernando Lyra. Então naquela chapinha não foram: eu, Cristina, Fernando, Egídio, Osvaldinho. Então todos foram derrotados, menos eu, que fui o último que elegeu.

E naquela época ainda me lembro que Arraes mandou descarregar votos em Nilson Gibson para chegar na minha frente, mas ainda deu para me eleger. Aí isso deixou sequelas, mágoas, mas é uma coisa passada, e isso é tão irrelevante, porque Arraes teve um papel tão importante, pois vendo hoje, vejo que isso é bobagem.

Você chegou a conversar com Arraes depois disso, depois dele sair do Governo? Vocês chegaram a se reconciliar?

Não, nosso relacionamento ficou muito difícil a partir dali, a partir da chapinha, dessa visão diferenciada da política brasileira. Nosso relacionamento esfriou bastante, o que é lamentável, porque meus filhos se criaram dentro da casa de Arraes na Argélia. Minha mulher era muito ligada aos filhos de Arraes. Felizmente hoje a gente recompôs tudo isso, e eu tenho um grande afeto a figuras como Lula Arraes, Guel, Maurício.

O engraçado é que Dr. Arraes sempre dizia que filho não dá trabalho, ele é que dava trabalho para os filhos. E todos os filhos dele deram certo, são pessoas destacadas, o que é muito bonito.

E com Eduardo Campos?

Não tive muita convivência, porque foi Secretário já nos últimos governos, quando eu não tinha mais proximidade. A única coisa que me lembro dele é que, uma vez, quando eu morava na casa de Dr. Arraes, e a Mãe dele, Ana Arraes, foi visitar o Pai, e trouxe o então filho, chamado carinhosamente de Dudu, e eu só me lembro que ele era tão grande, que ofuscava ela sentada na cadeira.

Eu me lembro que você participou ativamente da formação da União por Pernambuco. Olhando para trás, você acha que a formação desta frente foi um erro?

Foi um acerto, porque levou Jarbas a governar Pernambuco por 8 anos. Se tivesse ficado ao lado de Arraes não teria esta chance, não teria espaço. Se Jarbas não tivesse feito a aliança não teria sido Governador.

O que acha do Governo de Eduardo?

Não tem como dar errado, já que as condições são muito favoráveis, com Lula tendo uma aprovação muito grande.

Mas e o distanciamento de Jarbas com o PMDB nacional e com Lula, não vai prejudicá-lo?

Jarbas está muito distante, mas quando fala do Governo Lula, não é uma coisa pessoal. Veja o caso de Roberto Freire, quando fala de Lula, parece que “baba”, é um negócio horroroso, rancoroso, doentio. A gente se sente mal, enquanto Jarbas se caracteriza como uma pessoa anti-Lula, mas ele não leva para o campo pessoal. Ele faz as críticas, mas não chama de canalha, de desonesto. Ele faz as críticas ao Governo e à conduta do Governo. Ele não atinge pessoalmente.

Já Roberto Freire parece que endoidou, acho que é a psicose dele, acorda de manhã com raiva do mundo, vendo o mundo todo com a cara de Lula e sai de casa com raiva.

E o PMDB daqui?

Só sobrou Raulzinho. O PMDB não formou ninguém, ao contrário do PFL, que tem Mendonça, André de Paula e outras lideranças. O PMDB não soube renovar a geração.

Mas aqui não adianta pensar diferente, pois Eduardo não terá dificuldades de se reeleger. Deve levar também os dois senadores. Além disso, ainda tem Lula, que depois de nomear negros para o STF, ainda vai eleger uma mulher para Presidente.

Você votou em Lula?

Votei sim, contra Alckmin e contra Serra, mesmo eu gostando muito dele. No caso de Alckmin, que eu tenho um afeto pessoal muito grande, me choquei muito quando vi na imprensa que não sabe separar religião de Estado, e neste caso não dá. Principalmente sendo ligado a uma entidade, a Opus Dei, que é ligada a tudo que não presta.


Por que uma pessoa de classe média, sem esquema, tem tanta dificuldade para se eleger?

Vou contar um caso…uma cidade chamada Ipubi, no interior, assim como todo interior, tem dois donos, um é dono de metade da população, e um é dono da outra metade. O nome de um dos donos era Valdemar, que foi o único do PFL que votou em mim para Senador, e ficava sempre me ligando.

Como eu fazia rádio no interior, eu falava em uma rádio de Araripina, que era muito ouvida em Ipubi, e um dia eu fui a Ouricuri, e tinha uma pessoa que queria falar comigo. Um cidadão muito humilde, chamado Joaquim, que vendia laranja na feira de Ipubi, para você ver a modéstia deste cidadão. Ele disse que me ouvia sempre, e que tinha quatro galinhas, e que apurou o dinheiro para pagar a Kombi só para ir lá me conhecer e me dar um abraço.

Fiquei tão comovido que disse que eu pagava a viagem dele. Ele disse que não aceitava, que tinha ido lá porque me admirava. No dia da eleição, eu estava em casa, tocou o telefone, e era Valdemar de Ipubi.

Ele disse…”Olha, está aqui uma pessoa minha, Joaquim, e eu fui entregar uma chapa a ele, e disse que tinha vontade de votar no senhor, e me pedia permissão prá votar. Então como eu gosto do senhor, ele está aqui na minha frente, e eu disse que no senhor ele tinha direito de votar”. Então ele passou o telefone para Joaquim, e este muito constrangido, disse que como o compadre Valdemar tinha dito que poderia votar em mim, ele votaria.

Resultado…eu tive 1 voto em Ipubi, que foi de Joaquim. Meu amigo Armando Monteiro, que nunca foi lá e nem sabe onde é, teve 3.500 votos. Inocêncio teve os 3.000 do outro lado, do outro chefe político. Eu tive 1 porque Valdemar permitiu.

Então você vê que eleição em certas regiões é isso. Você se acerta com o chefe local, ele diz…”aqui o senhor vai ter entre 2.500 e 2.700 votos. É tanto, e não existe cheque, é dinheiro batido”. Então eleição proporcional é isso. Comprou, pagou, se elege. Não comprou, não pagou, não se elege.

E comparando a Câmara dos Deputados da sua época e hoje?

Você tem 60 deputados bons, o resto é formado por deputados invisíveis, que no máximo são chefes da banda de música da cidade, que passa no corredor e ninguém sabe que ele existe. Que só serve para apertar o botão na hora de votar. Que leva verba para o município, e se acerta com a empreiteira. Só serve para voltar para o município e dar uma carteirada, dizendo que é deputado.

Tem uma pessoa que fiz muita amizade, e passei a respeitá-lo pela sua grande cultura, Delfim Neto. Uma vez perguntaram a ele:

- Não dá para melhorar este Congresso?

Ele respondeu:

- Só se trocar o povo (risos)!!! Se você está achando ruim, espere o próximo, que vai ser pior que esse.
Comentário.


O Terror votou em Maurílio Ferreira Lima na eleição de 1986.Minha grande decepção com Maurílio foi quando ele se desgarrou da Frente Popular de Pernambuco para apoiar a União Por Pernambuco, um ajuntamento do PMDB podre, o PMDB bom e o DEMO, que se uniram para atrasar o estado de Pernambuco.

Um comentário:

necolima disse...

"E as pessoas passaram a desconhecer, que em qualquer país do mundo, o Congresso Nacional reflete a sociedade. Se você tem uma sociedade relaxada moralmente, então você tem um Congresso representativo de uma sociedade desta ordem. Você encontra lá assassinos, marginais, traficantes, tráfico de influência, bandidos que não matam, mas que roubam, sanguessugas, tem de tudo."

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"Então você vê que eleição em certas regiões é isso. Você se acerta com o chefe local, ele diz…”aqui o senhor vai ter entre 2.500 e 2.700 votos. É tanto, e não existe cheque, é dinheiro batido”. Então eleição proporcional é isso. Comprou, pagou, se elege. Não comprou, não pagou, não se elege."

É inacreditavel que a mesma pessoa tenha feito essas duas afirmações NA MESMA ENTREVISTA!!!!!

Pobre Maurilio... Fala muito, termina dizendo besteira.

Considerar que o nosso congresso é "representativo" da nossa sociedade é um pouco demais, né?
( Não, não sou golpista. Estas são as regras do jogo. Vamos jogá-lo. Só que não jogo peteca imaginando estar rezando...).
Deus do ceus!!! Qualquer analfabeto politico sabe que nossos parlamentos NÃO representam adequadamente a nossa sociedade. Não a retratam. Não servem como espelho, parametro, comparação....

Repito o que digo sempre: O problema não é quem está na "mesa do carteado" no momento. O problema é a regra do jogo.
Fazer com que jogadores da vez, que se deliciam com as trapaças e blefes, se conveçam da necessidade de mudá-las é que é o nó....