Kassab usa Ama para passar verba pública aos grupos privados
Só no 1º semestre de 2008 foram transferidos R$ 617 milhões a 11 felizardos escolhidos pelo prefeito, sem licitação, sem fiscalização e contra a Constituição.
O atual prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, corre o risco de tirar de seu concorrente do PSDB, Geraldo Alckmin (aquele que tem uma autoproclamada “vida franciscana” com a esposa e mais os seus 400 vestidos), o troféu Óleo de Peroba do ano. Até há pouco, Alckmin era considerado imbatível na competição por essa láurea, mas Kassab ameaça ultrapassá-lo na reta final.
Kassab vive propalando as maravilhas do atendimento de saúde da Prefeitura, que é reprovado por 84% da população (dos quais 53% o avaliam como “ruim” ou “péssimo), segundo o Datafolha, instituto que não pode ser acusado de inimigo da atual administração da cidade ou do Estado. Somente 16% aprovaram o atendimento municipal de saúde – provavelmente aqueles que nunca entraram nem passaram na porta de um posto de saúde, UBS (Unidade Básica de Saúde) ou AMA (Assistência Médica Ambulatorial) da Prefeitura.
Mas, segundo Kassab, “30% aprovam” a gestão municipal de Saúde, porque ela está no início - ou seja, se nada mudar na Prefeitura, os outros 70% vão mudar de idéia...
Não sabemos de onde o prefeito tirou esses 30%. O interessante é que Kassab está se gabando porque “apenas” 70% acham que a Saúde está um caos.
Sejam 84% ou 70% os que acham a gestão de saúde de Kassab uma lástima ou uma tragédia, o problema é que, nela, o que menos importa é o atendimento à população. A rigor, essa gestão é uma forma de passar dinheiro público para grupos escolhidos pelo prefeito e sua equipe, sem licitação, sem fiscalização e contra a Constituição – que estabelece o Sistema Único de Saúde. Somente no primeiro semestre deste ano esses grupos já levaram R$ 617 milhões e 700 mil dos cofres municipais.
Trata-se do dinheiro que a população paga através do Imposto Predial e do Imposto sobre Serviços, e também através de impostos estaduais e federais - a maior parte do dinheiro repassado a particulares é dinheiro do governo federal que a Prefeitura recebeu através do SUS.
Em troca desse abastecimento privado com dinheiro público, a população recebe um péssimo atendimento de saúde – ao ponto da pesquisa que citamos, apesar da tendência pró-Kassab dos seus organizadores, registrar uma insatisfação de 84% dos pesquisados.
No último dia 26, a Justiça Federal, reconhecendo o escândalo, proibiu a Prefeitura de entregar a gestão de saúde a grupos privados – atualmente, eles são 11.
Nas palavras da juíza Maria Lúcia Lencastre Usaia, da 3ª Vara Cível Federal, essa privatização de fato da Saúde “ofende o princípio da legalidade administrativa não fixando critério algum para escolha das entidades como organizações sociais, deixando a juízo exclusivo do secretário municipal de Gestão e do secretário do órgão regulador da área de atividade correspondente ao objeto social”.
Em suma: a escolha de um felizardo para receber dinheiro público à guisa de “administrar” unidades de saúde depende apenas de mero ato de um preposto do prefeito, sem outro critério que não seja o arbítrio e os interesses políticos - ou financeiros - do prefeito e seus amigos. Assim são entregues a esses privilegiados as AMAs, as UBSs, os hospitais municipais – para que em seguida, recebam verba pública. Além disso, funcionários municipais são cedidos a esses grupos.
Na escolha dos favorecidos, é verdade, misturam-se algumas entidades realmente filantrópicas e religiosas com outras que têm por religião o dinheiro. Ou será que alguém acha que o Hospital Albert Einstein, que cobra caro – e muito caro – não visa o lucro? Esse é um dos escolhidos por Kassab para “administrar” unidades de saúde e receber dinheiro público.
Se aparecer alguém dizendo que a OSEC – Organização Santamarense de Educação e Cultura, que é dona da Universidade de Santo Amaro – não visa o lucro, provavelmente provocará o riso do público, sobretudo dos alunos que são esfolados para freqüentar suas faculdades. Essa é outra das “administradoras” a que a Prefeitura entregou unidades de saúde.
O que esses grupos aportam à saúde do povo ou à administração? Segundo Kassab, a sua experiência em administrar. Mas, ao que parece, isso se reduz à experiência em receber dinheiro público, pois não têm que construir nada, não têm que equipar nada e até funcionários públicos são cedidos a eles. Resta-lhes, pois, a trabalhosa missão de receber o dinheiro.
“O controle dos repasses de recursos públicos e o cumprimento das metas estabelecidas nos contratos de gestão e convênios com as entidades privadas nunca foi feito a contento. Muitas instituições deixaram os quadros médicos das unidades incompletos e não cumpriram metas de atendimento por vários meses”, denunciou a promotora Anna Trotta Yaryd, uma das responsáveis pelo processo na Justiça Federal.
Por essas razões – e porque é evidente que nada impede a Prefeitura, que recebe da população o dinheiro para isso, de administrar as unidades de saúde, ao invés de repassar dinheiro a particulares – a Justiça determinou que Kassab tem 90 dias para acabar com essa privatização, retirando todos os funcionários cedidos e reassumindo as unidades públicas. A Justiça determinou, também, que o governo federal – a fonte da maior parte do orçamento de Saúde da Prefeitura – supervisione o fim da privatização sanitária e bloqueie a transferência de recursos públicos para grupos privados.
Os contratos de privatização da Saúde no município de São Paulo começaram a ser firmados no início de 2007 – hoje, 40% da rede está privatizada. Esses contratos em nada diferem, essencialmente, daqueles assinados por Alckmin, entregando 19 hospitais públicos a alguns outros apaniguados.
Aliás, a maior prova de que o objetivo desse sistema é entregar dinheiro público a particulares é o fato de que, desde que tucanos e ex-pefelistas começaram a privatizar a rede de Saúde, o nível do atendimento somente piorou. O que menos importa, realmente, é o atendimento.
Mas, como disse o deputado Carlos Zarattini, a maior cidade do país tem um prefeito algo “malandrinho”. No último debate, Kassab revelou que construiu 115 AMAs (unidades de assistência médica ambulatorial). Esqueceu-se de dizer que 103 delas foram instaladas em UBSs (unidades básicas de saúde) que já existiam há muito tempo – portanto, a rigor ele construiu 12. Mas, segundo a própria Secretaria Municipal de Saúde, só existem 106 AMAs em São Paulo. Portanto, ele deve ter construído três – incluída a famosa “AMA de lata” Jardim Elisa Maria, no bairro de Brasilândia. (CL)
Publicado na Hora do Povo, edição nº 2.702
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