Enviado por Miguel
do Rosário
Ontem eu tomei uns
chopes com um fera do jornalismo investigativo, na área de finanças. Eu comecei
a explicar a ele que eu acho até engraçado a gente detonar a Globo por causa de
sonegação fiscal. Acho que me senti como Eliot Ness, quando um de seus subordinados
diz que a melhor maneira de pegar Al Capone é através do fisco. Caramba, tanta
coisa contra essa empresa: levou mensalão dos EUA para participar do golpe de
64; tentou fraudar eleições no Rio; editou debate entre Collor e Lula; manipula
diariamente informações; etc. E a gente vai pegá-la por sonegação?
A figura,
experiente em tempestades políticas, olhou para mim e sorriu: “Não é apenas
sonegação, Miguel. É crime contra o sistema financeiro, lavagem de dinheiro,
formação de quadrilha, além da tentativa de enganar o fisco”.
Nossa senhora! Aí
deixei de me sentir um Eliot Ness tupiniquim e passei a me sentir um daqueles
garotos do Movimento Passe Livre, que foram às ruas contra o aumento de 20
centavos nas tarifas de ônibus, e viram milhões vir atrás por causa de todos os
problemas do Brasil.
A situação da Globo
nessa história é a seguinte: se correr o bicho pega, se ficar o bicho come. A
emissora diz que pagou, mas não mostra o documento. No entanto, se mostrar o
documento, ela confirma o seu crime contra o sistema financeiro. Se não
mostrar, pior ainda: deixa no ar que está devendo mais de 1 bilhão de reais ao
povo brasileiro; neste caso, deveria estar inscrita na Dívida Ativa da União e
não receber mais recursos públicos.
Aí temos uma
contradição incrível: segundo o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais, o
Brasil perde, por ano, mais de R$ 400 bilhões em sonegação. A legislação
brasileira é condescentente, em alguns casos quase conivente em relação aos
crimes contra a Receita. Por que, então, os protestos “populares” nunca se
lembram de mencionar a “sonegação”, que é um ralo bem maior de recursos
públicos do que a corrupção? Pior, ainda vemos alguns coxinhas imbecis, senão
mercenários, indo às ruas pedindo redução de impostos. Eu até concordaria com
redução de impostos para setores estratégicos, como pesquisa, tecnologia, para
os mais pobres, para setores da classe média. Mas aí teríamos que aumentar a
tributação sobre os mais ricos: é assim que se faz nos países desenvolvidos.
Se queremos ver o
Brasil mudar mais rápido, temos que arrecadar mais. A única maneira de aumentar
a arrecadação sem aumentar os impostos é endurecendo contra a sonegação. Uma
lei mais dura contra a sonegação de impostos seria muito mais eficiente, para
os cofres públicos, do que uma lei mais dura contra a corrupção. Corrupto de
verdade, em alta escala, não vai deixar de roubar porque a Constituição
aumentou de 3 para 5 anos a penalidade. Na sua cabeça, ele nunca vai ser pego.
Mas um sonegador, se for espremido, será obrigado a pagar, senão quiser fechar
as portas de seu negócio.
Para uma empresa de
concessão pública, como a Globo, a coisa é mais fácil: não pagou, então não
recebe mais recursos públicos, e se insistir no calote, perde a concessão.
Independente dos
crimes financeiros da Globo, todavia, não podemos perder de vista que o maior
mal que a emissora causa ao país é ser a cabeça de um cartel midiático que
trabalha dia e noite contra os interesses nacionais.
Ontem, no mesmo
jantar com o grande jornalista investigativo, topamos com um grande colunista
político da… grande mídia. Conversamos educadamente por um bom tempo, ele
defendendo a sua empresa, nós ouvindo e discordando. Lá pelas tantas, quando se
viu em apertos na questão do monopólio, ele lembrou que é difícil haver vários
grandes jornais num país, e citou o New York Times. Eu rebati lembrando a
Guerra do Iraque: matou mais de 1 milhão de iraquianos, e continua matando, e
fez os EUA gastarem mais de 1 trilhão de dólares (dinheiro que foi para o bolso
da indústria da guerra, que assim ficou mais poderosa e mais golpista), cavando
o buraco onde o mundo iria submergir alguns anos depois. A guerra no Iraque
aconteceu, entre outras razões, porque o New York Times chancelou a mentira do
governo Bush de que Saddam tinha armas de destruição em massa. Um outro
colunista da grande imprensa à mesa tentou me atacar, enquanto eu estava no
banheiro, com o argumento de que eu defendia Saddam Hussein. Aí começou uma
gritaria danada, entre os colunistas e os amigos que me defendiam. Quando
voltei, estava instalado o caos. Achamos melhor nos despedirmos, e cada um foi
para um lado.
O fato é o
seguinte: em todas as grandes manifestações que vimos no país, havia muita
crítica à mídia. No entanto, essa informação não chega à TV, não entra na pauta
do congresso, nem no discurso da presidenta. Se há uma crise do modelo
representativo, há uma crise muito maior do modelo midiático. As empresas de
mídia, ainda mais em países em fase de consolidação democrática, caso do
Brasil, tem características alarmantes: concentração em poucos proprietários;
um poder enorme para desestabilizar governos; acobertam a corrupção de seus
aliados; têm uma disposição ideológica profundamente anti-trabalhista,
anti-nacional e anti-popular. E agora ficamos sabendo de uma outra face da
mídia tupi: sonega impostos, comete crimes contra o sistema financeiro, lava
dinheiro em paraísos fiscais.
Vivemos numa
democracia aberta onde a liberdade de imprensa é um valor quase absoluto.
Queremos continuar assim. Mas democracia também em implica em respeitar o poder
soberano do povo de se autogovernar e fazer leis que o beneficiem. Então
voltamos mais uma vez à necessidade de democratizarmos a mídia brasileira,
através de uma lei moderna, que nos torne menos dependentes dos caprichos de
meia dúzia de herdeiros da ditadura.
Repetindo: não é só
o Darf. Não é só a sonegação. Queremos que o governo pare de injetar recursos
públicos na conta dos bilionários da Globo. A Globo é concessão pública. Tem
que botar os anúncios públicos de graça. O dinheiro que o Estado brasileiro
gasta com a Globo deveria ir para a educação, para ensinar nossos jovens a
pensarem com suas próprias cabeças, a não se tornarem massa de manobra dos
golpistas da grande imprensa. Se o governo do PT quiser sobreviver ao
“gigante”, terá que ouvir sua voz, que tem gritado forte nas ruas: “a verdade é
dura, a Globo apoiou a ditadura!”
PS: A Globo afirma
em nota, agora oficial, que pagou a Receita, mas não mostra o Darf, e ainda
deixa um rabo do lado de fora, ao mencionar dívidas “discutidas” no Conselho do
Contribuinte…
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