Quando li os resultados fantásticos da última pesquisa CNI/Ibope sobre a avaliação do governo Lula, não pude deixar de lembrar de uma frase que ouvi em 2006 em plena campanha de reeleição, enquanto aguardava na fila do banco.Vinha de uma senhora bem idosa e lúcida, que me calou fundo e me fez pensar.
“Ah, se eu ainda estiver viva, vou dar de novo meu voto para reeleger o Presidente Lula. Ele é o único presidente até hoje que eu senti vontade de convidar para comer um feijãozinho na minha casa”.
O sentimento que aquela senhora carregava na voz era de alguém que perdeu a vergonha de ser povo. Alguém que, na verdade, mesmo com toda a sua simplicidade, não se sentia inferior porque sabia que o presidente de seu país cabia à sua mesa.
Além dos excelentes resultados econômicos do país e dos ganhos sociais que a população vem conquistando, a enorme aprovação e popularidade do presidente deve-se também a essa razão: ele mora na alma do povo. Mesmo assim, nunca foi considerado como “pai dos pobres” e nem como “mãe indulgente” como a crítica oposicionista tenta, incansavelmente, rotulá-lo.
Lula não é pai e nem mãe, é filho, um filho do povo. Um filho de todos nós, que fizemos muito sacrifício para colocar em suas mãos seu “primeiro diploma” e continuamos, como pais zelosos, a ampará-lo e apoiá-lo nas crises e golpes.
A fala e a percepção desta velha senhora me mostraram que novos valores estão surgindo na forma de avaliar um governante – seu voto não era para o feijão do Bolsa Família e nem tão pouco pelo preço do grão no mercado, mas porque gostaria de partilhá-lo à mesa, em empatia com seu filho presidente.
Muito além de números, nosso governo vem transformando padrões humanos e conseguindo resgatar a auto estima da população mais carente, não só através de suas políticas sociais, mas, principalmente, porque o Presidente Lula, diferentemente de FHC, nunca enxergou o Brasil como um país pobre, no sentido estreito da visão de certos economistas e analistas econômicos, que definem a riqueza de um país somente pelas suas reservas internacionais.
Lula sempre valorizou nosso bem maior – o povo brasileiro. Atrás dos números de Lula está o surgimento de um caminho mais humano para o crescimento do país, que não se baseia exclusivamente na busca de metas tradicionais, mas também em valores como justiça social, solidariedade e respeito pelas pessoas e pelo meio ambiente. Afinal de contas, se o crescimento econômico de um país não for para melhorar a vida e a auto estima das pessoas, é para que então?
Quando abro os jornais e vejo lá 73% de aprovação ao Presidente Lula em todas as faixas pesquisadas (e num segundo mandato!) fica muito claro para mim que o povo brasileiro não deseja alteração no rumo que as coisas tomaram. É uma confirmação óbvia de que o atual governo tem acertado mais do que errado no conceito de uma esmagadora maioria e um recado explícito da população para outro mandato.
Todas as críticas ácidas que leio sobre a possibilidade de um terceiro mandato para Lula me fazem pensar no significado e na definição do que é democracia. Se é um governo do povo, um sistema político em que cada cidadão participa do governo, fundamentado no princípio de que a autoridade emana do povo e é exercida por ele ao investir o poder soberano através de eleições periódicas livres, qual é então o risco para a democracia?
No meu entender, não é a democracia que seria ameaçada com um terceiro mandato, mas a oposição. O risco maior, na verdade, é o que Lula representa e defende - a força do povo no poder e não a força de um ditador no poder.
Para o PSDB e o DEM (ex PFL) que não têm nenhuma identificação e nenhum diálogo com o povo e com os movimentos sociais é até compreensível que tenham mesmo muito medo de Lula e do PT no governo. Aliás, espalhar um medo infundado na sociedade contra o PT e suas propostas sempre foi o expediente preferido dessa oposição. Quem não se lembra do depoimento de Regina Duarte na campanha do Serra para presidente em 2002? Sentindo a derrota cada vez mais perto, decidiram resumir a campanha eleitoral em um único argumento: os riscos do PT no poder. Mas esqueceram que o medo tem um lado complementar, o de provocar mudanças positivas. E os resultados estão aí.
Para um partido como o PT que fala a linguagem do povo e tem suas raízes solidamente plantadas na intimidade dos movimentos sociais, exercer mais quatro anos de um governo democrático e de esquerda cujo projeto tem sido vitorioso, acaba empoderando mais ainda a sociedade, desestabilizando feudos há muito tempo constituídos e contrariando interesses nada republicanos. Esse é o maior risco para a oposição – o terceiro mandato ampliaria mais ainda a democracia e não o contrário.
Achar que um terceiro mandato para Lula é abrir espaço para o presidencialismo tornar-se uma ditadura é, no mínimo, ofender e subestimar muito a capacidade e a inteligência eleitoral do povo brasileiro e fazer pouco caso das histórias de luta pela democracia nesse país, inclusive a história do próprio presidente Lula e do PT. Muito incoerente essa preocupação vir justamente dos partidos que recriaram a reeleição para FHC (hoje sabemos a que “preço” para o país) e que agora falam em defesa da alternância de poder! Eu pergunto para os tucanos e demos: o povo teria aprovado um terceiro mandato para FHC?
O Brasil amadureceu e nossa democracia tem sido um exemplo a ser copiado pelo mundo nos processos eleitorais, colocando esse risco de retrocesso num plano tão remoto, que chega a ser ridícula essa justificativa. Confundem a excelente avaliação de um governo verdadeiramente realizado pelo povo e para o povo, com ingenuidade eleitoral.
Não há crise de confiança neste governo, como havia no de FHC. Hoje, o maior temor da sociedade brasileira não é a volta da ditadura, mas o risco de se perder esse ciclo virtuoso de crescimento; é o medo das descontinuidades e desconstruções que, infelizmente, sempre ocorrem com a troca de governos. 8 anos ainda é muito pouco para se estabilizar os patamares atuais de forma sustentável e responsável.
No meu ponto de vista, a democracia corre risco quando aceitamos, passivamente, que a oposição ocupe as tribunas do Congresso Nacional para despejar, sistematicamente, acusações sem provas e ofensas às instituições republicanas, com palavras de baixo calão. Ou quando ouvimos, sem reação, os numerosos discursos ali proferidos que caracterizam uma evidente desmoralização à Constituição. Até mesmo quando assistimos, consternados e paralisados, a rotineira troca de insultos pessoais, jogos de poder e vaidade, mentiras deslavadas, desculpas esfarrapadas e acusações inverídicas, caracterizando não só uma inadequação séria para ocupar um cargo de tanta relevância pública, como também a comprovação de um desrespeito enorme ao povo brasileiro, que paga R$ 11.545,04 por minuto para sustentar esses parlamentares como seus porta-vozes naquelas Casas.
Nossa democracia corre risco quando consentimos que permaneçam ocupando as Casas Legislativas e as Prefeituras deste país, todos aqueles políticos envolvidos com processos na Justiça e ainda por cima sendo acobertados e protegidos por foro privilegiado.
Nossa democracia corre risco quando aceitamos que assuma o cargo de Senador da República um sujeito que nunca obteve um voto sequer e ainda é considerado “representante do povo”, mesmo respondendo a processos na Justiça.
Nossa democracia corre risco quando admitimos que o nosso voto seja violentamente desmoralizado pelas paralisias regimentais, no intuito claro de protelar a votação de matérias importantes para o país, como o Orçamento da União ou as reformas tão almejadas, em especial a reforma política, colocando os interesses e as picuinhas partidárias acima dos interesses da nação.
Nossa democracia corre risco quando permitimos que grande parte da mídia aja de forma partidária, elitista e preconceituosa, acusando e condenando sem provas, exatamente como nos modelos de uma ditadura e se valendo do argumento da liberdade de expressão para enveredar em limites perigosos.
Nossa democracia corre risco quando a sociedade não percebe com clareza a magnitude do perigo que representa as freqüentes interferências do Judiciário no Executivo, que compromete seriamente o atendimento ao interesse público.
Mesmo diante de todas essas anomalias, o povo continua cumprindo sua parte, com equilíbrio e inteligência, para que o processo democrático brasileiro prossiga amadurecendo sem turbulências para o país. Somos realmente um povo pacífico, trabalhador e otimista, mas não somos ingênuos. É justo então negar a esse povo o direito de exercer sua vontade soberana?
Elizabeth Stehling é especialista em Políticas e Gestão da Saúde.
Colaboração da amiga Nancy Lima.
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