O Supremo Tribunal
Federal, guardião secular da Justiça no Brasil, tem diante de si, na análise
que fará sobre os embargos infringentes na Ação Penal 470, uma decisão
histórica. Se negar a validade dos recursos, não fará história pela
exemplaridade no combate à corrupção, mas sim por coroar um julgamento marcado
pelo tratamento diferenciado e suscetível a pressão política e midiática.
Já no ano passado,
durante as 53 sessões que paralisaram a Corte durante mais de quatro meses, a
condução do julgamento já havia nos causado profunda preocupação depois de se
sobrepor a uma série de garantias constitucionais com o indisfarçável objetivo
de alcançar as condenações desejadas no fim dos trabalhos.
Aos réus que não
dispunham de foro privilegiado, fora negado o direito consagrado à dupla
jurisdição. Em muitos dos casos analisados também se colocou em xeque a
presunção da inocência. O ônus da prova quase sempre coube ao réus, por vezes
condenados mesmo diante da apresentação de contraprovas.
No último mês, a
apreciação dos embargos de declaração voltou a preocupar dando sinais de que a
dinâmica condenatória ainda prevalece na vontade da maioria dos ministros.
Embora tenha corrigido duas contradições evidentes do acórdão, outras deixaram
de ser revistas, optando-se por perpetuar erros jurídicos em um julgamento em
última instância.
Não rever a
dosimetria para o crime de formação de quadrilha mostrou que há um limite na
boa vontade do Supremo em corrigir falhas. Na sessão do dia 5 de setembro, o
ministro Ricardo Lewandowski expôs de maneira transparente que a pena base
desta condenação foi muito mais gravosa se comparada com os outros crimes.
"Claro que isso aqui foi para superar a prescrição, impondo regime
fechado. É a única explicação que eu encontro", afirmou o ministro. Ele e
outros três ministros ficaram vencidos na divergência.
Na mesma sessão,
outro sinal ainda mais grave: o presidente Joaquim Barbosa votou pela
inadmissibilidade dos embargos infringentes, contrariando uma jurisprudência de
23 anos da Casa e negando até mesmo decisões tomadas por ele no mesmo tribunal
ao analisar situações similares.
Desde que a Lei
8.038 passou a vigorar, em 1990, regulando a tramitação de processos e recursos
em tribunais superiores, a sua compatibilidade perante o Regimento Interno do
Supremo Tribunal Federal nunca foi apontada como impedimento para apreciação de
embargos infringentes. Em todos os casos analisados em mais de duas décadas,
prevaleceu a força de lei do Regimento em seu artigo 333, parágrafo único.
Outro ponto de
aparente contradição entre a Lei 8.038 e o Regimento Interno do STF diz
respeito à possibilidade de apresentação de agravos regimentais. Neste caso,
assim como ocorrera com os infringentes nos últimos 23 anos, os ministros
sempre deliberaram à luz de seu regimento, acolhendo a validade dos agravos.
A jurisprudência
sobre os infringentes foi reconhecida e ressaltada em plenário pelo ministro
Celso de Mello durante o julgamento da própria Ação Penal no dia 2 de agosto de
2012 e, posteriormente, registrada em seu voto no acórdão publicado em abril
deste ano.
O voto do
presidente Joaquim Barbosa retrocede no direito de defesa, o que não é
admissível sob qualquer argumento jurídico. Mudar o entendimento da Corte sobre
a validade dos embargos infringentes referendaria a conclusão de que estamos
diante de um julgamento de exceção.
Subescrevemos esta
carta em nome da Constituição e do amplo direito de defesa. Reforçamos nosso
pedido para que o Supremo Tribunal Federal aja de acordo com os princípios
garantistas que sempre devem nortear o Estado Democrático de Direito.
Setembro de 2013
Antonio Fabrício -
presidente da Associação Brasileira dos Advogados Trabalhistas
Aroldo Camillo -
advogado
Celso Bandeira de
Mello - jurista, professor emérito da PUC-SP
Durval Angelo
Andrade - presidente da comissão de Direitos Humanos da ALMG
Fernando Fernandes
- advogado
Gabriel Ivo -
advogado, procurador do estado em Alagoas e professor da Universidade Federal
de Alagoas
Gabriel Lira,
advogado
Lindomar Gomes -
vice-presidente dos Advogados de Minas Gerais
Jarbas Vasconcelos
- presidente da OAB-PA
Luiz Tarcisio
Teixeira Ferreira - advogado
Marcio Sotelo
Felippe - ex-procurador-geral do Estado de São Paulo
Pedro Serrano -
advogado, membro da comissão de estudos constitucionais do CFOAB
Pierpaolo Bottini -
advogado
Rafael Valim -
advogado
Reynaldo Ximenes
Carneiro - advogado
Roberto Auad -
presidente do Sindicato dos Advogados de Minas Gerais
Ronaldo Cramer -
vice-presidente da OAB-RJ
Wadih Damous -
presidente da Comissão de Direitos Humanos do Conselho Federal da OAB
William Santos -
presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-MG
Mais as entidades:
Associação dos
perseguidos, presos, torturados, mortos e desaparecidos políticos do Brasil
NAP - Núcleo de
advogados do povo MG
RENAP- Rede
Nacional de Advogados Populares MG
Sindicato dos
Advogados de Minas Gerais
Sindicato dos
Jornalistas Profissionais MG
Sindicato dos empregados em
conselhos e ordens de fiscalização
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