JEAN MENEZES DE AGUIAR
O que os votos dos
juízes do Supremo Tribunal Federal "são"? O que escondem? O que
observadores atentos conseguem perceber? Estas questões são legítimas a
intérpretes de fatos sociais. O STF fez uma opção até discutível, diga-se de
passagem, quando resolveu entregar à sociedade suas entranhas pela TV. Permitiu
ser analisado, discutido, criticado, elogiado e odiado. É o preço pela opção da
fama buscada. Ou como querem alguns: transparência.
O racha que se estabeleceu
no julgamento relativo à ação penal 470, vulgo Mensalão, nas sessões de 11 e
12.9.13, talvez nem seja mais jurídico. Mas personalista, ideológico,
arrogancial, duelar, exibicionista, cênico e quase patético se não fosse
trágico. Mas observe, não há uma infâmia nisso, mas apenas uma natural
verificação da essência humana, geral e própria de todos nós. Sim, o patético
somos nós, não os leões ou elefantes. Eles vivem, comem, transam, dormem e
morrem. Não inventam coisas. Nós temos Einstein. Ou Toffoli. Os
"lindos" somos nós.
No Mensalão
discute-se direito e as ciências antiga da interpretação e moderna da
ponderação. Conceitos como derrogação, preclusão consumativa, diferenças
epistemológicas entre dispositivo, ementa e fundamentação de voto. Tudo isso
tem sido tempero no banquete televisivo para os ávidos. Mas há uma aura mímica,
jactanciosa, nem sequer disfarçada. Certamente a fogueira de vaidade do Supremo
– dizem que ela existe – nunca teve seu fogo tão alto como neste setembro de
2013. Mas isto também nos pertence. Não cerceie a minha vaidade. Não ouse.
Os votos
ministeriais podem ser divididos ou classificados em grupos. Os que defendem os
embargos infringentes, foram sonoramente recatados e, talvez mais preocupados
com uma demonstração "metodológica". Científicos? Não se pode
parcializar assim a divisão. Mas a teatralização cênica, perdoe-se o pleonasmo,
esteve muito mais no lado contrário, com Fux, Mendes e Marco Aurélio.
Barroso deu uma
aula, empregou ciência, foi paciente e didático. Mesmo quando
"xingado" de "novato" por Marco Aurélio, após Gilmar Mendes
mostrar-se preocupado "mais" (?) com as ruas e imprensa do que com o
Direito, Barroso foi cirúrgico e de uma firmeza talvez irritante para seu
opositor. Começou a falar e não parou, só parou quando quis, mesmo com sua voz
de garoto. Disse que em hipótese alguma votaria preocupado com as ruas e com os
jornais. Barroso deu um direto no queixo de um Gilmar Mendes rotatório na
cadeira, totalmente teatral e exibindo uma zanga jurídica de última hora.
Mendes calou, murchou. Mendes não falou nada. Quem o defendeu foi o próprio
Marco Aurélio que "tentou" dizer que vota, sim, preocupado com
"a sociedade". Surfou. Então tá.
Os que apoiam
Joaquim Barbosa pareciam não defender uma tese, mas atacar a tese adversária.
Fux em sudorese gesticulava e tentava se ver livre do próprio colarinho a la
Fux que, ao que parece, mostrou-se seu grande inimigo. Aparentemente nervoso e
irritado, com seu sotaque praiano de eterno garotão, atirou para todos os
lados. Mas não chegou a ter o padrão metodológico de Barroso. Seus fãs pediram
a aula de processo, ele não deu. Até agora continua invencível na serenidade de
desmontar pontualmente os 7 argumentos de Joaquim Barbosa o "novato".
Se Luís Roberto Barroso foi modesto e "científico", seus adversários
foram "grandiosos", em volume e gestos.
É claro que um voto
jurídico não se mede pela linguagem corporal. Mas que esta linguagem é valiosa
para intérpretes que a conhecem, não resta a menor dúvida. Aquelas várias vezes
que Fux tirou o lenço do bolso para enxugar o suor em seu inexistente bigode
perpassariam um nível de nervoso e ansiedade inequívocas a um negociador
treinado e com olhar fixo no outro, como a cobra olha o sapo, numa mesa de
Negociação.
Meio paralelamente
a tudo via-se um Marco Aurélio "tranquilão", às vezes quase-risonho.
Como se estivesse à beira da piscina do Copa, no Rio, com uma caipirinha na mão
esperando a sua vez de atirar o dardo no alvo. Não se deixou "abater"
e manteve seu discurso um tanto quanto pensativo-arrogancial com as últimas
sílabas prolongadas para dar um efeito fonoaudiológico de saída exagerada de ar
– a sua marca-. A impressão era de um Marco Aurélio bon vivant - a 3 anos da
relativa jovem aposentadoria – se divertindo, um pouco, e tendo que se mostrar
totalmente compenetrado. Ah se não fosse a TV.
Os ministros do
Supremo Tribunal Federal agora "pop", biguibroderizado, se tornaram
nossas propriedades. Entraram em nossas casas, botecos e cozinhas. São os
Tarcísios Meiras do Judiciário do século 21. E quando se aposentarem, serão os
primeiros ministros aposentados "da TV". Deixarão saudade.
No plano menos
antropológico da análise e mais jurídico há nuanças. Os que defendem Joaquim
Barbosa mostraram-se mais preocupados com 1) uma resposta à sociedade e
imprensa; 2) a segurança jurídica sistêmica e em prol do Judiciário; 3) a
fixação da duração do processo como ditame constitucional de sua finitude e não
eternização; 4) a imagem que o Supremo pode vir a desafiar se não acabar o
processo rapidamente; 5) as cinquenta sessões como prova de exaustão processual
em busca de o que em Direito se chama "verdade real".
Os contrários a
Joaquim Barbosa, defendendo os embargos infringentes para os réus se mostraram
mais preocupados com: 1) a liberdade como valor máximo do homem que precisa ser
discutida até uma certeza mínima que não reste grandes dúvidas; 2) o risco que
é se cercear um recurso num processo de índole penal em que a liberdade é o
objeto e o processo não teve recurso.
Outros temas houve,
derrogação, análises comparativas de lei e Corte Interamericana de Direitos
Humanos. Mas como se pode "tentar" buscar uma análise minimamente
isenta, à luz da Constituição da República, para esses dois lados acima, o
primeiro até com maior "quantidade" de argumentos?
O grande ponto, de
todos, todos eles, que deveria estar sendo muito enfatizado é apenas um: a
liberdade. Enquanto houver uma divisão tão profunda, tanto no plano processual
quanto no material, mandar-se para a cadeia "porque está de bom
tamanho" será açodado. Ou louco mesmo.
Não se pode lidar
assim com a liberdade. Aqui pode estar o único e, reconheça-se,
"pequeno" defeito que inferioriza o lado favorável a Barbosa. Estão
solapando a discussão da liberdade. Isto em uma época de Constituição da
República de 1988, que quem pertence ao Direito sabe o que é, e influenciou
todos os direitos a lhes aceitar princípios absolutos e inegociáveis.
A sociedade em
geral, e se o diz com profundo respeito, não tecnicamente afeita ao mundo
jurídico e constitucional modernos, tem todo direito de "opinar",
como queira. Mas tem o dever de confiar que, justamente esta discussão com o
nível de cisão verificada, está a qualificar o Supremo. Parece que o decano
julgará a favor dos embargos infringentes. Só ele pode "salvar" o
Supremo a favor do princípio constitucional maior: a dignidade da pessoa
humana. O resto é cena e teatro.
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