sexta-feira, 13 de setembro de 2013

Mensalão e Supremo:o teatro dos votos




JEAN MENEZES DE AGUIAR

O que os votos dos juízes do Supremo Tribunal Federal "são"? O que escondem? O que observadores atentos conseguem perceber? Estas questões são legítimas a intérpretes de fatos sociais. O STF fez uma opção até discutível, diga-se de passagem, quando resolveu entregar à sociedade suas entranhas pela TV. Permitiu ser analisado, discutido, criticado, elogiado e odiado. É o preço pela opção da fama buscada. Ou como querem alguns: transparência.

O racha que se estabeleceu no julgamento relativo à ação penal 470, vulgo Mensalão, nas sessões de 11 e 12.9.13, talvez nem seja mais jurídico. Mas personalista, ideológico, arrogancial, duelar, exibicionista, cênico e quase patético se não fosse trágico. Mas observe, não há uma infâmia nisso, mas apenas uma natural verificação da essência humana, geral e própria de todos nós. Sim, o patético somos nós, não os leões ou elefantes. Eles vivem, comem, transam, dormem e morrem. Não inventam coisas. Nós temos Einstein. Ou Toffoli. Os "lindos" somos nós.



No Mensalão discute-se direito e as ciências antiga da interpretação e moderna da ponderação. Conceitos como derrogação, preclusão consumativa, diferenças epistemológicas entre dispositivo, ementa e fundamentação de voto. Tudo isso tem sido tempero no banquete televisivo para os ávidos. Mas há uma aura mímica, jactanciosa, nem sequer disfarçada. Certamente a fogueira de vaidade do Supremo – dizem que ela existe – nunca teve seu fogo tão alto como neste setembro de 2013. Mas isto também nos pertence. Não cerceie a minha vaidade. Não ouse.

Os votos ministeriais podem ser divididos ou classificados em grupos. Os que defendem os embargos infringentes, foram sonoramente recatados e, talvez mais preocupados com uma demonstração "metodológica". Científicos? Não se pode parcializar assim a divisão. Mas a teatralização cênica, perdoe-se o pleonasmo, esteve muito mais no lado contrário, com Fux, Mendes e Marco Aurélio.

Barroso deu uma aula, empregou ciência, foi paciente e didático. Mesmo quando "xingado" de "novato" por Marco Aurélio, após Gilmar Mendes mostrar-se preocupado "mais" (?) com as ruas e imprensa do que com o Direito, Barroso foi cirúrgico e de uma firmeza talvez irritante para seu opositor. Começou a falar e não parou, só parou quando quis, mesmo com sua voz de garoto. Disse que em hipótese alguma votaria preocupado com as ruas e com os jornais. Barroso deu um direto no queixo de um Gilmar Mendes rotatório na cadeira, totalmente teatral e exibindo uma zanga jurídica de última hora. Mendes calou, murchou. Mendes não falou nada. Quem o defendeu foi o próprio Marco Aurélio que "tentou" dizer que vota, sim, preocupado com "a sociedade". Surfou. Então tá.

Os que apoiam Joaquim Barbosa pareciam não defender uma tese, mas atacar a tese adversária. Fux em sudorese gesticulava e tentava se ver livre do próprio colarinho a la Fux que, ao que parece, mostrou-se seu grande inimigo. Aparentemente nervoso e irritado, com seu sotaque praiano de eterno garotão, atirou para todos os lados. Mas não chegou a ter o padrão metodológico de Barroso. Seus fãs pediram a aula de processo, ele não deu. Até agora continua invencível na serenidade de desmontar pontualmente os 7 argumentos de Joaquim Barbosa o "novato". Se Luís Roberto Barroso foi modesto e "científico", seus adversários foram "grandiosos", em volume e gestos.

É claro que um voto jurídico não se mede pela linguagem corporal. Mas que esta linguagem é valiosa para intérpretes que a conhecem, não resta a menor dúvida. Aquelas várias vezes que Fux tirou o lenço do bolso para enxugar o suor em seu inexistente bigode perpassariam um nível de nervoso e ansiedade inequívocas a um negociador treinado e com olhar fixo no outro, como a cobra olha o sapo, numa mesa de Negociação.

Meio paralelamente a tudo via-se um Marco Aurélio "tranquilão", às vezes quase-risonho. Como se estivesse à beira da piscina do Copa, no Rio, com uma caipirinha na mão esperando a sua vez de atirar o dardo no alvo. Não se deixou "abater" e manteve seu discurso um tanto quanto pensativo-arrogancial com as últimas sílabas prolongadas para dar um efeito fonoaudiológico de saída exagerada de ar – a sua marca-. A impressão era de um Marco Aurélio bon vivant - a 3 anos da relativa jovem aposentadoria – se divertindo, um pouco, e tendo que se mostrar totalmente compenetrado. Ah se não fosse a TV.

Os ministros do Supremo Tribunal Federal agora "pop", biguibroderizado, se tornaram nossas propriedades. Entraram em nossas casas, botecos e cozinhas. São os Tarcísios Meiras do Judiciário do século 21. E quando se aposentarem, serão os primeiros ministros aposentados "da TV". Deixarão saudade.

No plano menos antropológico da análise e mais jurídico há nuanças. Os que defendem Joaquim Barbosa mostraram-se mais preocupados com 1) uma resposta à sociedade e imprensa; 2) a segurança jurídica sistêmica e em prol do Judiciário; 3) a fixação da duração do processo como ditame constitucional de sua finitude e não eternização; 4) a imagem que o Supremo pode vir a desafiar se não acabar o processo rapidamente; 5) as cinquenta sessões como prova de exaustão processual em busca de o que em Direito se chama "verdade real".

Os contrários a Joaquim Barbosa, defendendo os embargos infringentes para os réus se mostraram mais preocupados com: 1) a liberdade como valor máximo do homem que precisa ser discutida até uma certeza mínima que não reste grandes dúvidas; 2) o risco que é se cercear um recurso num processo de índole penal em que a liberdade é o objeto e o processo não teve recurso.

Outros temas houve, derrogação, análises comparativas de lei e Corte Interamericana de Direitos Humanos. Mas como se pode "tentar" buscar uma análise minimamente isenta, à luz da Constituição da República, para esses dois lados acima, o primeiro até com maior "quantidade" de argumentos?

O grande ponto, de todos, todos eles, que deveria estar sendo muito enfatizado é apenas um: a liberdade. Enquanto houver uma divisão tão profunda, tanto no plano processual quanto no material, mandar-se para a cadeia "porque está de bom tamanho" será açodado. Ou louco mesmo.

Não se pode lidar assim com a liberdade. Aqui pode estar o único e, reconheça-se, "pequeno" defeito que inferioriza o lado favorável a Barbosa. Estão solapando a discussão da liberdade. Isto em uma época de Constituição da República de 1988, que quem pertence ao Direito sabe o que é, e influenciou todos os direitos a lhes aceitar princípios absolutos e inegociáveis.


A sociedade em geral, e se o diz com profundo respeito, não tecnicamente afeita ao mundo jurídico e constitucional modernos, tem todo direito de "opinar", como queira. Mas tem o dever de confiar que, justamente esta discussão com o nível de cisão verificada, está a qualificar o Supremo. Parece que o decano julgará a favor dos embargos infringentes. Só ele pode "salvar" o Supremo a favor do princípio constitucional maior: a dignidade da pessoa humana. O resto é cena e teatro.


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